Caio mora no
estádio do Ivoti

Caio abriu as portas do mundo para o Grêmio. Foi dele o primeiro gol nos 2 a 1 sobre o Peñarol, jogo que deu a primeira Libertadores ao clube, na noite de 28 de julho de 1983. O ex-atacante também foi campeão mundial com o Grêmio do amigo Tarciso. Já teve cobertura de frente para o Olímpico e carro do ano. Hoje, aos 61 anos, vive por caridade em um pequeno quarto, no Estádio dos Eucaliptos, em Ivoti, enquanto se recupera de um sério problema de trombose – que por pouco não causou a amputação da perna direita, a mesma com a qual marcou o gol sobre os uruguaios.

A vida pós-Grêmio não foi muito generosa com o carioca Luiz Carlos Tavares Franco – que ganhou o nome profissional de Caio nos tempos de Botafogo, devido à semelhança com outro atacante, Caio Cambalhota. Deixou Porto Alegre ao final da temporada de 1984, vendeu apartamento, carro, tudo o que tinha no bairro Azenha, e voltou para São Luís (MA), cidade que adotou, depois de conhecer a mulher Zelda, com o plano de abandonar de vez o futebol e seguir a vida como empresário.

Mas as coisas não ocorreram exatamente conforme o planejado.

– Havia perdido o prazer de jogar futebol – diz Caio. – E ainda tinha constantes dores na virilha, o que me incomodava muito – acrescenta.

Na capital maranhense, porém, Caio não conseguiu se afastar da bola e assinou contrato com o Moto Club. Jogou duas temporadas lá. Em 1987, decidiu prorrogar a carreira: foi jogar no rival do Moto, o Sampaio Corrêa.

– No Moto, fui jogador e treinador. Assumi o time em meio ao Estadual. Uma loucura, eu mesmo me substituía. No Sampaio, fui bicampeão maranhense. Estava bem, o problema era que em São Luís o mês tinha 120 dias. Era muito difícil receber salários e fui gastando a poupança dos tempos de Grêmio – conta.

Autoaposentado aos 32 anos, chegara a hora de buscar nova fonte de renda. Caio foi orientado pelo sogro a investir em farmácias. Era o negócio da família de sua mulher e eles poderiam auxiliá-lo, ao menos no começo. De cara, ele comprou três pontos: dois no Centro, um no bairro Cohab. Mas, sem experiência no ramo, precisou se desfazer dos três pontos em apenas 13 meses.

– Fiquei tão bitolado com o futebol que não tinha conhecimento de nada, de onde investir o dinheiro. Pedi conselhos e acabei me dando muito mal.

Sem as chuteiras nem as farmácias, o campeão mundial tentou a vida como treinador. Três clubes (Maranhão, Imperatriz e Moto Club) e pouco mais de um ano depois, decidiu abandonar de vez a bola.

– Treinava um time durante a semana e, antes dos jogos, o presidente do clube chegava e pedia para eu mexer na escalação. Não tive paciência para aturar isso.

Sem uma outra formação profissional, sem reservas financeiras e recém divorciado, restou a Caio ingressar em uma cooperativa de motoristas de táxi. Foram nove anos trabalhando como taxista no ponto do Aeroporto Internacional Marechal Cunha Machado, em São Luís.

– Eu era feliz no táxi. Quem me reconhecia, pedia para entrar no meu carro. Aí, no trajeto, eu ia contando histórias da época do Grêmio – recorda.

Entre as mais pedidas, estavam a final da Libertadores e a Batalha de La Plata – o empate em 3 a 3 com o Estudiantes, que encaminhou o Grêmio à final da América, em um jogo marcado pela violência argentina. Caio lembra que o clima beligerante da Libertadores foi inflamado pela posição do Brasil sobre a Guerra das Malvinas, quando os argentinos exigiam um apoio incondicional à retomada da ilha junto à Inglaterra – o que não aconteceu, em 1982. O ex-atacante ainda tem na memória os gritos de “traidores” vindos dos argentinos no alambrado do Estádio Jorge Luis Hirschi.

– Tento esquecer La Plata, mas jamais me deixaram. Sempre preciso repetir aquela noite. Foi um horror, uma selvageria, um tempo em que não havia exame antidoping na Libertadores. No intervalo, eu e Newmar (zagueiro) fomos para o vestiário. Não percebemos que, por segurança, todo o time tinha ficado no meio-campo. O túnel era único para os dois times e, quando vimos, estávamos cercados por todo o time do Estudiantes. O túnel havia se transformado em corredor polonês. Apanhei tanto, que o meu tornozelo esquerdo inchou e não consegui voltar para o segundo tempo. Não sei como saímos vivos de lá.

Se o táxi levou Caio a revisitar glórias, também colaborou silenciosamente com sua deterioração física. Com problemas de circulação, o ex-jogador precisava aliar caminhadas a medicação. Quase 12 horas no carro sabotavam os exercícios diários.

– Acabei ficando doente, tive uma severa trombose na perna direita, que foi se agravando. E, como já não tinha mais reservas, precisei recorrer ao SUS. Já estava há quatro meses na fila, esperando uma cirurgia, e começava a me conformar em perder a perna. Foi quando o Tarciso me salvou – conta Caio. – Perdi o dinheiro que tive. E sou culpado por isso. Mas nunca perdi as amizades, e isso é o mais importante na vida. Minha fortuna são os amigos.

Ex-companheiro de ataque e de concentrações, Tarciso tratou de mobilizar torcedores gremistas para ajudar o amigo. Amealhou cerca de R$ 20 mil para a cirurgia (incluindo contribuições de Renato Portaluppi e Hugo de León). Mas a operação, em dezembro de 2014, foi bancada pelo empresário gremista Sérgio Madalozzo, diretor da Globalfut, e que opera o Sport Club Ivoti. Madalozzo fez mais: levou Caio para morar em Ivoti, enquanto se recupera, e contratou o campeão do mundo para dar palestras aos jogadores da base. O dinheiro arrecadado pela campanha de Tarciso ficou para Caio comprar os cinco remédios diários que precisa tomar.  A rotina em Ivoti é monástica: acorda por volta das 5h para caminhar na quadra, ao redor do Estádio dos Eucaliptos. Depois, toma o café da manhã e volta para o seu quarto, simples, mas confortável. É o único no alojamento que tem um quarto próprio, sem dividir beliches, como os garotos da base.

– Vivo sem luxos, mas nem posso reclamar. Tenho um teto e três refeições diárias. Meus amigos deram tudo o que tenho e sou feliz. Me sinto amado aqui.

“Fiquei tão bitolado com
o futebol que
não tinha conhecimento de onde investir o dinheiro. Acabei me dando muito mal. Minha fortuna são
os amigos.”

“Perdi o dinheiro que tive. E sou o culpado por isso. Mas nunca perdi as amizades, o mais importante na vida”

 

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