Patrick, 18 anos completados em 15 de fevereiro, é o personagem que ZH acompanhou de 2009 a 2012, com a identidade protegida sob o pseudônimo de Felipe, e que se tornou símbolo das crianças que perambulam pelas esquinas, movidas por esmolas e por drogas. Ao chegar à maioridade, o jovem contraria prognósticos e tenta, perto da família, "não fazer mais coisa errada"

REPORTAGEM

Letícia Duarte

IMAGENS

Jefferson Botega

Design

Hélène Boittelle

Patrick atravessa o portão de casa alargando o sorriso, com o suor escorrendo pelo peito bronzeado. Estava carregando sacos de cimento na vizinhança quando foi chamado pela irmã. Interrompe o serviço para saudar a equipe de Zero Hora, que o reencontra em seu novo endereço em Viamão, naquela tarde abafada de 15 de fevereiro de 2016. A data em que completa 18 anos.

Hoje é o dia mais feliz da minha vida – diz, depois dos abraços de aniversário.

Comemora a chegada à maioridade como um sobrevivente da própria infância. Contra todos os prognósticos, o guri que virou um símbolo das crianças de rua no Estado celebra a transição para o mundo adulto junto da família. Agora ele já pode ser Patrick Florentino José de Aquino publicamente, como sempre foi na certidão de nascimento. Leitores de ZH conheceram sua história sob o pseudônimo de Felipe, o nome criado para resguardar sua identidade quando teve sua peregrinação entre as calçadas e as drogas retratada na reportagem Filho da Rua, que seguiu seus passos de 2009 a 2012, com autorização do Juizado da Infância e da Juventude da Capital. Naquela época, quem testemunhava as idas e vindas do menino, que desde os cinco anos vagava pela Capital pedindo esmolas, temia que não chegasse aos 15 anos. Usuário de crack desde os oito anos, com sete internações em fazendas terapêuticas antes dos 14 e um histórico de criminalidade para sustentar a dependência, tinha tudo para ter sucumbido em alguma esquina. Diziam que seu destino era a cadeia ou a morte, depois do fracasso de pelo menos cinco programas sociais que tentaram resgatá-lo e de 105 encaminhamentos do Conselho Tutelar que não conseguiram tirá-lo das ruas.

Antes esquálido e franzino, tragado pelo crack, Patrick ganhou peso e estatura: mede agora 1m78cm e exibe uma inédita barriguinha saliente sobre a bermuda, como um atestado de abstinência da pedra. A sobrancelha cortada em três partes, design feito por ele mesmo com lâmina de barbear, revela a preocupação com a aparência de quem, 10 anos antes, chegou a dormir embaixo da ponte do Arroio Dilúvio, entre ratos e baratas. As mãos fortes e limpas em nada lembram aquelas unhas encardidas dos dedos infantis que ilustraram a capa da reportagem publicada há quatro anos.

– Muitas vezes, quando tô deitado na cama, me lembro de quando eu tava na rua deitado num papelão. Sem pensar na minha família. Só queria saber de rua. Muita coisa ruim aconteceu na minha vida – recorda, baixando os olhos.

As lembranças surgem como uma nuvem carregada, que nubla a visão e fecha o sorriso, mas não por muito tempo. Pelo menos não agora. Porque esse 15 de fevereiro é um dia de festa. Com o carregamento de sacos de cimento e telhas, calcula que vai ganhar R$ 100 até o final do dia. Planeja usar o dinheiro para fazer um churrasco com amigos. Celebra não só esse aniversário, mas a possibilidade de completá-lo de uma maneira diferente da maioria dos anos anteriores.

– Estou feliz de ter passado o primeiro aniversário do lado da minha mãe de manhã cedo, de ter me acordado, ter saído pra trabalhar. Quero ficar do lado dela... Não fazer mais coisa errada pra não cair preso. Não passar mais meu aniversário preso. Agora eu tô com 18 anos. Daqui já não é mais Fase, é cadeia – raciocina.

Repete o alerta que já ouviu tantas vezes da mãe – "Espero que tu não caia mais preso… se tu cair agora tu vai praquele chiqueirão..." – como uma reafirmação de que seu destino pode ser diferente. Sua certidão de antecedentes infracionais soma pelo menos 14 ocorrências. O histórico adolescente abrange desde os primeiros furtos, em Torres, quando começou a apanhar bens em residências para trocar por pedras de crack, até registros de desacato e desordem na Capital. O mais grave foi um roubo a pedestre no centro de Porto Alegre, por volta das 20h30min de 23 de fevereiro de 2015, quando foi apanhado em flagrante com um celular Motorola surrupiado minutos antes na Travessa Mário Cinco Paus, onde fica o prédio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

De acordo com representação do Ministério Público, Patrick "desferiu um tapa nas costas da vítima que, ao se virar, foi agarrada pelo pescoço pelo adolescente". Com um canivete de 15 centímetros, anunciou o assalto a um homem e ordenou que lhe entregasse o aparelho. A vítima "reagiu ao ataque, segurando a mão com que Patrick portava o canivete", mas um outro comparsa teria aparecido e lhe desferido um pontapé, derrubando no chão o celular. Na sequência, a dupla teria voltado a agredir o dono do celular, com socos e chutes, e o forçado a embarcar em um ônibus. Ao se distanciar dos infratores, a vítima desembarcou do coletivo e dirigiu-se até um posto da Brigada Militar. Em companhia dos policiais, saiu à procura dos infratores.

Patrick foi capturado enquanto tentava vender o aparelho na rua do Camelódromo. Diz que pretendia repassá-lo a um atravessador, mas quando chegou lá era tarde demais, não encontrou mais ninguém. Garante que estava sozinho, negando a existência do comparsa. Numa mudança de padrão, admite que o objetivo não era comprar drogas, como em infrações anteriores: cometeu o assalto para conseguir dinheiro para "curtir um baile" no Centro. Cumpria-se ali uma previsão feita pelo sociólogo Ivaldo Gehlen na reportagem Filho da Rua: "Enquanto eles são crianças, todo mundo fica com pena e dá esmola. Quando crescem, as mesmas pessoas que os acostumaram a receber dizem: vai trabalhar, vagabundo. Como não conseguem mais dinheiro, ficam violentos".

– Na hora a gente não pensa, a gente age. É quase a mesma coisa que uma discussão. Numa discussão, uma mulher não dá tapa na cara do homem ou o homem não dá um soco na mulher, uma coisa assim? É quase a mesma coisa, só que é diferente... é um ato infracional, que pela lei é um roubo – compara Patrick, naturalizando a violência que permeia seu cotidiano.

A mãe lembra que recebeu uma ligação de madrugada, avisando que o filho estava apreendido no Departamento Estadual para a Criança e o Adolescente. Ao chegar lá, o confrontou.

– O que tu fez?

– Ah, mãe, peguei um celular.

Como consequência, a Justiça determinou sua internação na Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase). Quando o juiz anunciou sua privação de liberdade, em audiência, Patrick começou a chorar, como uma criança arrependida:

– Desculpa, mãe, desculpa!

– Com desculpa tu não vai sair. Tu fez, agora tu vai ter que pagar – resignou-se Marlene, mantendo o tom de voz sereno de costume.

– Mas tu vai lá me ver na Fase, né, mãe? – quis saber mais tarde.

– Claro que a mãe vai lá te ver.

Analfabeto, mas xodó da professora

O comportamento infantil contrasta com atos de violência que Patrick registra em seu histórico. Aprendiz das ruas, tem dificuldade em seguir regras. Na Fase, respondeu a oito ocorrências disciplinares, a maioria por troca de agressões com outros internos, que aumentaram seu tempo de permanência na instituição. Ficou internado por

10 meses e 23 dias, saindo em janeiro deste ano. Ainda assim, técnicos da Fase atestam que Patrick não tem um perfil agravado.

– Ele tem esses rompantes de agressividade, mas cinco minutos depois ele ia lá, pedia desculpa, chorava e até beijava os funcionários. Esse descontrole é da vivência das ruas e das drogas, mas ele ao mesmo tempo é muito afetivo. Às vezes, ele vinha agradecer só por a gente conversar um pouco mais com ele – conta o chefe da equipe dos agentes socioeducativos na unidade Case POA II, Rafael Kersting de Souza, que conviveu com Patrick durante a internação.

Em casa, Patrick mostra orgulhoso os materiais que trouxe da Fase. O caderno de capa verde da turma multisseriada que frequentava está todo preenchido com atividades coladas com capricho e exercícios de bê-á-bá. "Babá bebia o leite". "Babá comia o bolo". "O bolo é belo". Correções em caneta vermelha da professora indicavam tarefas bem cumpridas: certo, certo, certo!

– E agora, se eu te escrever um bilhete, tu já sabe ler? – pergunto.

– Não.

– E tu sabe escrever um bilhete pra mim?

– Não.

Apesar de ter frequentado 109 dias letivos na Escola Estadual de Ensino Médio Tom Jobim, dentro da Fase, voltou pra casa só sabendo escrever o nome. Chegou a assinar o título de eleitor, expedido em abril de 2015, mas o traço revela sua insegurança com as letras. No meio da assinatura, trocou o "i" pelo "r": Patirck. Na carteira de trabalho, o documento registra com mais precisão sua condição: "Não alfabetizado".

A baixa escolarização seria típica de um aluno desinteressado, mas a professora Dirce Lopes Maciel, que trabalhou com ele na Tom Jobim, garante que não era o caso. Conta que Patrick era o "xodó" da turma. Era um dos primeiros a chegar na aula e fazia sempre o "ritual do beijo": beijava a mão de professores e funcionários na chegada. Volta e meia, abraçava Dirce e dizia: "Ai, como eu amo a senhora!". Reparava se ela estava com as unhas mal pintadas ("Tem que arrumar!") e até se seus sapatos estavam empoeirados. Comportava-se dentro da sala de aula e fazia todas as tarefas propostas. Parecia que estava aprendendo – no dia seguinte, já havia esquecido as lições da véspera.

"Cognitivamente, Patrick reconhece algumas letras, principalmente as vogais, mas não consegue reter por muito tempo informações, sendo trabalhado diariamente quase os mesmos assuntos. Mesmo assim, o aluno ainda demonstra muita insegurança, não conseguindo fazer as atividades sozinho", registrou a professora na avaliação feita em 22 de agosto, anexada ao processo que acompanhava o cumprimento da medida no Juizado da Infância e da Juventude.

Em um laudo assinado pela psiquiatra da Fase, o diagnóstico é que "o jovem opera em um nível de deficiente mental moderado". Para técnicos da instituição, o uso persistente de drogas na infância é um dos fatores prováveis para as dificuldades de aprendizagem. A vivência das ruas deixou marcas que não podem ser ignoradas.

No período em que estava internado, Patrick recebia medicação para controlar a ansiedade. A recomendação era que continuasse o uso ao voltar para casa, mas ele não quer tomar mais nada. Assegura que já parou com as drogas:

– Não sinto falta e nem vou sentir.

A mãe diz que não pode obrigá-lo, e Patrick está  agora sem qualquer acompanhamento médico.

Ao sair da Fase, ele também foi encaminhado ao Programa de Oportunidades e Direitos (POD) Socioeducativo, do governo do Estado, que oferece apoio a egressos da Fase, visando à ressocialização. A perspectiva era começar em 25 de janeiro a frequentar o Centro Educacional de Formação Profissional João Calábria, com uma bolsa de

R$ 430. Dias antes, Marlene recebeu uma ligação avisando que o início seria adiado. O Calábria decidiu não participar do edital aberto pelo Estado para a continuidade do programa. E a perspectiva é de que a nova instituição credenciada para o serviço só comece a atender em abril. Enquanto isso, Patrick permanece ocioso – o que aumenta os riscos de reincidência. Vivendo em situação de vulnerabilidade, cercado pela violência e pelo crime, luta contra as estatísticas.

– É preciso entender que ele faz parte de um contexto. Tudo o que ele apresentou aqui é muito comum dos guris que têm uma história de vida parecida com a dele. Não é uma coisa isolada, não é ele. É a comunidade de onde ele vem. Conta um pouco de todos os meninos – analisa a assistente social Jamille Serres, que trabalha na unidade da Fase onde Patrick ficou internado.

O próprio Patrick tatuou uma homenagem à mãe em seu braço

Origamis de cisnes e corações

Hoje desempregada, depois de "dois anos e cinco dias" trabalhando na faxina do hospital Cristo Redentor, Marlene sonha que o filho ingresse no quartel, vislumbrando na carreira militar uma alternativa para a disciplina que ela própria nunca conseguiu impor. Na prática, o analfabetismo limita os horizontes de Patrick. Dentro da própria Fase, perdeu a oportunidade de frequentar cursos profissionalizantes, por não cumprir o pré-requisito de ser alfabetizado. Em uma das oficinas que pôde frequentar, aprendeu a fazer origamis, confeccionando cisnes e corações com dobras de papel coloridas. Dentro das peças, guardadas agora com orgulho na estante de casa, escrevia sempre a mesma palavra, uma das poucas que reconhece além do próprio nome: mãe. Não por acaso, tatuou a mesma inscrição no braço direito. Cortando ele mesmo o braço com agulhas, com traços imprecisos que duplicaram a letra "e", homenageou aquela que nunca deixou de procurar – e esperar – por ele. O sofrimento que suas ausências provocaram na mãe é um dos lamentos mais recorrentes na sua fala.

– Quero dar um orgulho pra minha mãe, porque antes não dava. Só dava perdido... perdição pra ela. Hoje vejo que o olhar dela é outro. Antes ela tinha aquelas rugas na cara, bem dizer ela tava desgastada. Agora ela renovou de novo – observa.

Marlene lembra que dias antes do aniversário, quando ele viu fotos em que aparecia maltrapilho e sujo por causa do crack, quis colocá-las fora:

– Eu disse: deixa aí, pra eu mostrar pros meus netinhos. E ele: "nem faz isso, mãe". Tinha uma em que eu tava bem envelhecida, parecia que tinha uns 70, 80 anos. E aí ele rasgou. Ele chega até chorar. Não sei se de sem-vergonha ou de emoção.

Habituada a correr atrás de Patrick durante anos pelo centro da Capital e em pontos de tráfico, com o caminhar claudicante herdado de uma paralisia infantil na perna esquerda, a mãe se emociona ao contemplar o filho gordinho e saudável perto dela, "longe das porcarias".

– Às vezes eu penso… O que ele era e o que é. Ele era tão sequinho, de pés no chão na rua, encardido. E aí fico olhando quando ele tá almoçando, tomando café comigo. E ele também. Às vezes ele fica parado e diz: "bah, mãe... quem eu era!" Às vezes ele fica olhando para cima e diz que está agradecendo a Deus – conta Marlene.

Ela nunca foi de gritar, nem de bater. Tinha medo de que o filho ficasse com raiva e nunca mais voltasse. Por isso não conseguia colocar limites, mesmo quando ele era criança. Sempre o tratou com carinho, esperando que Patrick tivesse boas lembranças para retornar. Já bastou o trauma de quando ela própria apanhava. De tantos socos que levou do ex-marido, perdeu três dentes da frente. Alcoólatra, o pai de seus filhos perdeu o emprego de 14 anos como vigilante do Estádio Beira-Rio e chegou a vagar pelas ruas como o filho – hoje tem paradeiro desconhecido.

Ao ver o caçula de volta, Marlene torce para que desta vez ele fique. E que não siga o caminho dos irmãos. Marlene já perdeu um filho assassinado quando tinha 18 anos. Luis Márcio foi executado com oito tiros enquanto dormia na moradia de uma vizinha. O motivo do crime seria a represália pelo furto de um CD de carro em um estacionamento da vila Bom Jesus, onde moravam na época. No local do crime, junto ao corpo, foi recolhido um cachimbo para fumar crack. O filho mais velho, Cláudio, cumpre pena no Presídio Central por assalto. Sem ter com quem deixar os filhos enquanto fazia faxina para outras famílias, Marlene viu a sua se perder.

– Eu digo todos os dias pro Patrick: em vez de mexer na coisa dos outros, procura um pátio para limpar. Pergunta: "O senhor não tem nada para eu fazer?". Qualquer coisa é serviço, meu filho. O feio é roubar – repete.

 

Juntos, mãe e filho sonham com uma vida nova, mas os resquícios da violência e da criminalidade estão por toda parte. Até a casa para onde se mudaram em Viamão servia antes como um ponto de tráfico. Marlene diz que comprou a propriedade por R$ 12 mil em 2014, com economias que juntou nos dois anos em que trabalhou na faxina do Cristo Redentor, até a empresa terceirizada que prestava serviço perder o contrato com a instituição. Trocou assim o casebre de tábuas e chão batido onde morava na Vila do Esqueleto, em Porto Alegre, pela peça de cimento com um quarto, banheiro e cozinha em Viamão. Como a residência só tem um quarto, todos dormem apinhados. Marlene e a filha Magda, 33 anos, que faz tratamento para aids, dormem nas duas camas existentes. O neto Fábio, 13, filho de Magda, que Marlene cria desde bebê, num sofá. Patrick num colchão, já na divisa com a cozinha. A principal fonte de renda da família é a pensão de Magda, que por causa do quadro incapacitante de saúde recebe cerca de R$ 800 mensais – chegou a tomar 26 remédios por dia, hoje toma sete. Marlene está à procura de trabalho, mas exames que apontaram um desgaste na bacia dificultam sua recolocação. Seu companheiro Paulo, que faz biscates em outras cidades e retorna de tempos em tempos, ajuda com a comida.

Se, no passado, as brigas de Patrick com o padrasto provocavam tensão constante na família e até foram motivo de separação do casal, hoje o jovem vê essa relação sob uma nova perspectiva:

– Mesmo nós não "se dando", ele me criou. Eu gosto dele. Ele pode ficar brabo comigo às vezes, mas eu gosto dele.

Na porta da casa, a atração são os mais novos integrantes da família: os gatinhos de pelagem preta Cai-Cai e Chorão, que nasceram no início do ano de uma gata de rua adotada por Fábio. O outro mascote é Scooby, de pelagem caramelo, deitado na soleira. O cachorro foi adotado por Marlene para substituir Toby, o cão de Patrick que foi morto por um tiro disparado por um policial,

que chegou dando pontapé na porta, pensando que ali ainda era um ponto de tráfico. Ao tentar proteger Patrick, o cão mordeu o tornozelo do policial, que reagiu atirando.

Daqui para frente, o jovem diz que quer ficar do lado de quem gosta dele e seguir adiante, para criar um "futuro novo". Sabe que a mudança não virá apenas pela sucessão dos dias.

– Quem gosta de mim só me fortalece. Só fala pra fazer coisa boa... não roubar, matar, traficar. E as pessoas do mal só levam a gente pro caminho errado. A vida do crime não compensa. Antes só queria saber de usar droga, de loucurada. Coisa que não preciso. Sou um guri novo. Foi o que eu botei na minha cabeça: sou um guri novo, tenho tempo pra sair.

Para "renovar" sua vida, planeja trabalhar e construir a sua família. Brinca que vai arrumar uma mulher e ter "10 filhos". Depois aumenta para "32".

– Não uma mulher que só queira meu dinheiro pra sair, beber… Quero uma mulher que me ajude. Que nas horas ruins e boas esteja do lado da minha mãe, pra poder ajudar ela.

No meio da conversa, lembra que quando a reportagem começou a acompanhar seus passos tinha 11 anos e perambulava pela antiga vila onde nasceu, a Bom Jesus.

– Hoje tô com 18 anos… Bem dizer são... quase... que vocês tão me acompanhando são quase... deixa eu ver... um ano?

A contagem do tempo ainda é confusa em sua mente. O tempo de sua infância era medido pela próxima esmola, a próxima esquina, a próxima pedra de crack. Pergunto o que ele diria para as pessoas que leram sua história e torceram por ele.

– Eu diria que... logo mais eu sei que tu vai fazer um novo "livro" meu. E elas vão ver um novo "livro", não vão ver aquela mesma pessoa que era antes… agora elas vão ver outra. Agora vão ver um guri renovado, forte, bonito, que nem todo mundo diz. Todo mundo que me vê diz: como tu tá bonito agora – sorri.

O mesmo guri que foi capaz de empunhar um canivete num assalto ainda assiste a desenhos animados na televisão. É fã de Superchoque e da série cômica Todo Mundo Odeia o Chris. Mas também diz que acompanha as notícias, já ouviu falar em "lavagem de dinheiro". Usa perfume Playboy e faz questão de levar a menina com quem está ficando na parada de ônibus "porque outro dia tentaram assaltar ela". No celular, ouve raps que baixa usando wi-fi "emprestado" de outras casas. Um dos hits de sua playlist é do MC Rodson, Favela é Lugar de Paz: "Na TV só tem maldade / falam das comunidades, / pois bandido de verdade / rouba de terno e gravata. // E assim o mundo vai se acabando./ E aííí criança se revoltando, olha só. / Menor já sabe traficar, matar, roubar, ai não dáá."

Tem consciência de que errou "várias e várias vezes" e garante que se arrepende. Mas comemora cada passo, como um adicto em recuperação.

– Mais um dia passado do lado da minha mãe e da minha família – costuma contar aos que perguntam como está.

Fala que não tem inimigos, nem tem medo de morrer. Aprendeu na rua a ser "humilde" e afirma que não deve nada para ninguém.

– Já vi gente dizendo "eu faço e aconteço" e que não durou três dias.

Na tarde de 15 de fevereiro, se despede para voltar ao trabalho. Diz que precisa ainda carregar 30 sacos de cimento. Retorna à labuta com o mesmo sorriso com que chegou em casa. Porque Patrick já foi o Filho da Rua. Mas não é mais.

– Agora ele é o homem da casa – define a mãe alguns dias depois, num meio sorriso de quem duvida, e ao mesmo tempo acredita, no destino improvável.

Patrick e sua mãe Marlene em casa, com os gatos Cai-Cai e Chorão

Capítulo 1

Sozinho: a cidade dá à luz mais um menino de rua