Goleiro virou
nome do estádio
N ão é clichê: a história do capitão reformado do Exército Lino Ceretta, 82 anos, confunde-se com a do Guarany. Natural do interior de Ijuí, mudou-se ainda guri para Cruz Alta. A casa onde mora até hoje fica a cerca de 200 metros do clube. A partir daí, passou a frequentar treinos e a jogar bola atrás das goleiras. Mais tarde, virou atleta do time, ídolo da torcida e, por último, viu seu nome rebatizar o estádio, em 2013.
– Eu amo o Guarany – enfatiza Ceretta.
Fundado em 1913, o time de Cruz Alta, nas primeiras décadas, dedicou-se ao Citadino. Em 1954 e 1955, obteve conquistas estaduais, os títulos do Campeonato Gaúcho da Segunda Divisão.
Lino Ceretta começou no juvenil, em 1951. Jogou no clube até 1966. Foram 14 anos como goleiro, 12 deles como titular. Na época, também servia como sargento do Exército.
Entre os jogos inesquecíveis, cita um contra o rival Nacional, em 1956. Em uma dividida, quebrou o nariz e o maxilar. Indignada com a lesão, a torcida do Guarany invadiu o campo e perseguiu o jogador adversário. O atacante teve que pular o alambrado e se refugiar em uma casa vizinha.
– Fiquei 10 dias no hospital e 40 dias sem mastigar – recorda Ceretta.
Lino Ceretta, ex-goleiro do Guarany-CA
O retorno ao time, dois meses após a contusão, foi outra partida marcante. Ceretta foi visitar os companheiros no vestiário antes de um jogo decisivo do Citadino, diante do Riograndense. Acabou convencido a entrar em campo, mesmo sem ter treinado e contrariando as recomendações dos médicos. Defendeu um pênalti e também o rebote da cobrança. Deixou o gramado nos braços da torcida.
– No meu tempo, quem sustentava o clube eram a classe médica e os militares. Todo mundo se associava, ajudava. Nunca ganhei um tostão, nunca tive salário. Ganhava só os bichos (prêmios por vitória). Depois de atleta, tornou-se torcedor. Era proprietário de duas cadeiras no Estádio Taba Índia, de onde viu o clube conquistar a Série C do Gauchão de 1985, após 11 anos inativo. Em 1989, o time garantiria acesso à elite do Gauchão, competição que disputou até meados dos anos 1990. A equipe foi a última do goleiro Mazaropi. Em 1992, o ídolo gremista jogou em Cruz Alta.
Ceretta também atuou como comentarista de rádio e virou um historiador do Guarany. Em sua casa, guarda fotos e documentos do clube, fora das competições esportivas desde 2001. Ao visitar o estádio, o ex-goleiro é nostálgico:
– Passava os dias aqui... Bons tempos.
A antiga Taba Índia, hoje Estádio Lino Ceretta, ainda está de pé, mas não recebe jogos. Mantém-se com vida graças a uma escolinha. Já o patrimônio do clube se deteriora. O pavilhão, que um dia chegou a ter piscinas térmicas, está sem uso.
Os troféus conquistados em mais de cem anos teriam sido furtados por vândalos.
Endividado, o Guarany quase perdeu o estádio em um leilão, mas não apareceram compradores. A volta ao profissional é um sonho muito distante.
– Sinto tristeza porque participei do Guarany em uma fase boa. A gente sabe que Cruz Alta tem bastante escolinha. Temos um campeonato de futsal com 60 equipes. O Guarany era uma chance para esses meninos que sonham ser jogadores. E fico triste por ver um estádio parado, sem futebol – comenta Luis Daniel Cardoso, 50 anos, ex-zagueiro do clube e ex-secretário municipal de Esportes e Lazer.