Reportagem
Vanessa Kannenberg
Edição
Carlos Ismael, Luan Ott e Marcelo Miranda Becker
Imagem
Mateus Bruxel
Programação
Hermes Wiederkehr
Concessão mais extensa entre as quatro estradas no pacote do governo federal no Estado, a Rodovia da Produção, por onde passa boa parte do PIB gaúcho, é também a que exige maiores investimentos em obras de duplicação, de estrutura e de acessos. Zero Hora percorreu os 306 quilômetros que devem ser oferecidos à iniciativa privada por 30 anos e identificou os pontos mais problemáticos, que também deram à rota o apelido de Rodovia da Morte.
O Rio Grande do Sul vive à espera da controversa "volta dos pedágios". Tendo em vista que o processo está correndo e parece não ter volta, a maior preocupação recai sobre qual retorno terão motoristas, pedestres e empresários por ter de pagar para trafegar pelas BRs 386, 101, 290, 448 (Rodovia do Parque).
Dentre as estradas, a BR-386 é de longe a que mais necessita de investimento — com previsão de receber aos menos quatro praças de cobrança, é a que terá a maior extensão concedida dentre as quatros rodovias do pacote anunciado pelo governo federal. Seus dois apelidos — Rodovia da Produção e Rodovia da Morte — convergem: a infraestrutura viária é ineficiente frente ao número maciço de caminhões. Carregados de produtos agroindustriais, os veículos de carga pesada transportam boa parte do PIB do Estado. E cruzam com os milhares de carros que necessitam da via para ir e voltar de diversas regiões como Norte, Nordeste, Centro e Vales do Rio Pardo, do Caí e do Taquari.
O trecho a ser concedido vai, com certeza, da BR—448, em Canoas, até Carazinho — somando 260 quilômetros. Ainda está em estudo estendê-lo até Sarandi, totalizando 306 quilômetros. Deste total, apenas um terço está duplicado. E ainda neste trecho de tráfego duplo, há uma parte que segue em obras e outra que foi transformada em pista simples à espera de operários para finalizar o trabalho.
No restante, curvas acentuadas, serras, trevos mal projetados, falta de acessos às cidades, buracos e remendos em pista simples, sem muitas opções seguras de ultrapassagem ou de escapar caso haja algum problema mecânico, fazem da rodovia uma das piores BRs do Estado. Em avaliação realizada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), a BR-386 é a única considerada "regular" pela entre as quatro estradas do pacote de concessão — a 101 tem conceito "bom", enquanto freeway e Rodovia do Parque levam o rótulo de "ótimo".
Por pressão de lideranças, principalmente do Vale do Taquari, o governo federal aceitou discutir as prioridades e os prazos para realizar investimentos na BR-386 e nas demais rotas incluídas no projeto "Rodovia de Integração do Sul", cuja empresa vencedora vai administrar os pedágios por 30 anos.
A tarifa ainda não está decidida, mas há certa unanimidade para que seja um valor único para todas as sete ou oito praças de cobrança. O total, que incluiu dois pontos com cancelas na BR-290 e mais um na BR-101, depende do estudo de viabilidade para o trecho até Sarandi. A previsão é de que a empresa assuma as estradas a partir de 2018. Mas a expectativa por investimentos é para ontem.
ZH percorreu os 306 quilômetros da BR-386 que farão parte do pacote de concessão e identificou os sete pontos mais problemáticos da rodovia. Abaixo, confira quais detalhes de cada um.
km 436
Nova Santa Rita:
Trevo causa transtornos
Um, dois, três... 11 minutos e 30 segundos. Foi o tempo que um ciclista levou para atravessar o principal trevo de acesso a Nova Santa Rita. Como faz com quase todas as cidades por onde passa, a BR-386 corta a cidade. O guri de casaco camuflado chegou a escorar o queixo na mão, apoiada sobre o guidão, enquanto esperava. Não precisaria ser assim caso o local tivesse um viaduto.
Também inexistem, nesse trecho da estrada, ruas laterais, passarela e visibilidade para quem deixa o acesso do centro do município e quer acessar ou atravessar a rodovia. Há placas que avisam: "travessia de pedestres". E "devagar", seguido por números em contagem regressiva e redutores de velocidade pintados na pista — o que de nada adiantam, visto que a maioria dos motoristas ignora os alertas e não reduzem a velocidade.
— Colocaram as placas ali, mas se não tem pardal para multar, ninguém respeita — observa o frentista Franki Machado, 40 anos, que do posto onde trabalha, enxerga o trevo. — É um acidente por semana ali.
Servidor da prefeitura, Julio César da Silva Hoffmann, 46 anos, acompanha as discussões para solucionar o problema há anos, mas só vê mudanças na sinalização e melhorias no asfalto — o que aumenta a ânsia dos motoristas por pisar no acelerador. A pé, ele demora cerca de sete minutos para deixar o bairro Floresta, onde mora, e atravessar a BR-386 — correndo — para ir à prefeitura. De carro, a situação é pior:
— Chego a esperar 15, 20 minutos para conseguir passar. E sempre arriscando, sempre em cima do laço, porque senão não passa nunca — admite Hoffmann.
kms 428 e 427
Ponte do Caí:
Afunilamento em trecho já duplicado
Quem sai da BR-448 (Rodovia do Parque) e ingressa na BR-386 trafega por uma rodovia duplicada, em boas condições de asfalto e sinalização, com velocidade máxima de 100 km/h e fluxo contínuo. Mas só até chegar no km 428, na divisa entre Nova Santa Rita com Montenegro. Desde outubro, o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (Dnit) fechou o acesso à ponte sobre o Rio Caí para quem segue em direção à Capital. Com isso, o tráfego é desviado para a faixa contrária e o trânsito fica em pista simples.
O afunilamento provoca congestionamento no início e no fim do dia, mas as chances de acidentes e a lentidão duram o dia todo. Como o outro lado também está duplicado, os veículos que rumam para o Interior vêm em alta velocidade.
Mas a maior contradição na ponte é a sinalização. Embora haja placas laranjas indicando que o trecho está em obras, quando o motorista chega na travessia, não vê operário algum. Isso porque o processo ainda está em fase de licitação. A obra para reforçar a estrutura deve começar nos próximos meses e demorar 360 dias. Ou seja, o trecho só deve voltar ao normal, na previsão otimista, em agosto do ano que vem.
km 352 ao 362
Estrela:
Quando a duplicação é o problema
No final deste mês, a obra de duplicação de 34 quilômetros entre Estrela e Tabaí completa sete anos. A previsão inicial era de que o investimento estivesse concluído no final de 2013, mas as dificuldades de reassentamento de uma aldeia indígena, a falta de dinheiro federal e a espera por licenças ambientais atrasaram o cronograma.
Para quem trabalha nas margens dos 11 quilômetros ainda em obras, em Estrela, a espera é dramática. Administradora de uma mecânica, Andreia Mingotti da Cruz, 32 anos, já teve que tapar vala aberta pela construtora em frente ao negócio, porque os clientes não podiam entrar e, ao longo de três anos, ninguém resolveu o problema. No trecho, onde também falta acesso lateral, ela vê pela janela a imprudência diária.
— Tem só um retorno provisório e que está mal sinalizado. Daí, os carros simplesmente se atravessam, fazem balão onde não pode e ainda andam pelo trecho que está sendo duplicado mesmo sendo proibido — conta Andreia.
Uma nova placa instalada pelo Dnit — a antiga estragou com o tempo — indica que a previsão de conclusão é 31 de dezembro deste ano. Ninguém mais acredita em prazo.
— A gente espera muito pela duplicação e pelos acessos laterais, mas a impressão é de que é uma obra interminável — lamenta o mecânico Bernardino Luis Batista da Silva, 41 anos.
km 344 ao km 341
Lajeado:
O caos urbano que para a 386
O trecho duplicado da BR-386 acaba em Lajeado, mas não vai até o final do principal município do Vale do Taquari. Após o acesso principal à cidade, a pista simples associada à falta de rótulas ou viadutos que levem aos bairros gera muitos transtornos. A situação beira o caos no fim da tarde, quando a estrada literalmente para.
Caminhões e outros veículos que seguem pela rodovia têm de ficar parados esperando a fila de motoristas que tenta acessar os bairros atravessando a pista.
A comerciante Rafaela Bruxel, 24 anos, chegou a mudar o horário de trabalho para evitar a tranqueira. Moradora do bairro Conventos, um dos mais populosos de Lajeado, ela trabalha em um armazém às margens da rodovia.
— Combinei de chegar mais cedo e sair às 17h30min. Cansei de ficar 20 minutos parada na estrada, esperando para atravessar — conta Rafaela.
Além disso, o trecho está com má sinalização — a única faixa de segurança entre os acessos aos bairros Conventos e Imigrante sumiu — e o asfalto, que não dá conta do fluxo intenso, apresenta buracos. Diante do congestionamento, engavetamentos também são frequentes.
km 308 ao km 300
Marques de Souza-Pouso Novo:
Perigo nas curvas em serra
Depois de Lajeado, não há duplicação na BR-386 até Iraí, na divisa com Santa Catarina. A única exceção à pista simples são as terceiras faixas, construídas em trechos de serra. Elas estão concentradas, principalmente, entre Marques de Souza e Pouso Novo, onde há oito quilômetros de curvas sinuosas e com inclinação acentuada.
Não fossem essas terceiras faixas, as filas de carros que se formam atrás de caminhões seriam ainda maiores. No entanto, para inclusão da faixa extra, o acostamento foi engolido. Os veículos que estragam são obrigado a parar sobre a rodovia. Foi o caso do caminhoneiro Jorge Macedo Oliveira, 59 anos, ao meio-dia da última terça-feira.
Com uma carga de gasolina de 30 toneladas, o motorista perdeu o freio, possivelmente devido a vazamento de ar, e não teve outra opção a não ser descer do veículo e sinalizar a pista com cones. O local de parada ficava em trecho de subida, logo após uma curva, entre os kms 301 e 302. Os carros em alta velocidade e os caminhões pesados em velocidade reduzida tinham de convergir para a mesma pista, quase que no susto.
Sem socorro, porque não há concessionária na via, quando a reportagem chegou, Macedo estava há três horas tentando consertar o caminhão, contando com a solidariedade de outros motoristas que pararam para ajudar. Não conseguiu.
— Liguei para a empresa, que vai mandar um mecânico aqui de perto. Espero que seja logo, porque corro risco de acidente, mas também de ser assaltado, porque simplesmente não tem nenhum amparo aqui — contou o caminheiro, que há 41 anos vive na boleia.
Entre os acidentes graves da BR-386, grande parte acontece no trecho de serra. Caminhões que perdem o freio ou o controle da direção, ou, ainda, veículos que ultrapassam em locais proibidos acabam provocando colisões frontais, quase sempre, fatais.
km
Soledade:
Sinalização e manutenção precárias
Assim como no trecho urbano de outros municípios, o trevo de Soledade também é problemático. Falta sinalização, a condição do asfalto é ruim e os acessos aos bairros são mal planejados.
Moisés Ferreira, caminhoneiros de 59 anos, 32 deles na estrada, observa que a situação piora quando anoitece ou quando se forma cerração.
— A gente não enxerga um palmo na frente e, como falta manutenção, quase não se vê a sinalização da pista — afirma Ferreira.
Sobre uma carreta de 18 metros de comprimento, carregada com maquinário, o motorista reclama ainda da falta de duplicação. Conta que, devido ao tamanho do veículo, não consegue desviar ou frear com facilidade, e, muitas vezes, não tem opção diante de um carro que ultrapassa em local proibido:
— Ou a gente joga o caminhão para o lado, correndo risco de tombar, ou deixa bater.
Sem ser questionado sobre o assunto, emenda:
— Prefiro pagar pedágio do que ter a rodovia nessas condições — opina, ao passar pelo que até dezembro de 2013 era uma praça de pedágio.
O ponto fica no km 242 da BR-386 e é o único que ainda tem a estrutura, onde hoje funciona o posto da Polícia Rodoviária Federal (PRF) de Soledade e as cancelas deram lugar a cones e viaturas da corporação.
km 134 ao entroncamento com a BR-285
Carazinho-Sarandi:
Duplicação sob análise
Com visivelmente menos movimento, o último trecho com possibilidade de concessão está em suspenso: um estudo contratado pelo Ministério dos Transportes vai determinar se existe viabilidade técnica — no sentido de ter necessidade — e financeira — se haveria movimento suficiente para gerar retorno ao custo da obra — para duplicar os 47 quilômetros entre Carazinho e Sarandi. Como a duplicação depende a implantação de pedágio, na próxima semana o grupo de trabalho envolvido nas discussões do projeto de licitação vai bater o martelo.
Além do número menor de carros e caminhões na via, chama a atenção a imprudência dos motoristas. O trecho todo é de pista de simples e, nas diversas curvas e subidas, a placa de proibido ultrapassar é frequente, mas não impede os condutores de aumentar a velocidade e passar irregularmente por um, dois e até três caminhões de uma só vez.
Segundo o chefe do policiamento da PRF da região, Gabriel de Souza Rossatto, há alguns trechos com asfalto esburacado, mas obras de manutenção evitam que provoquem acidentes. Para ele, a imprudência é o pior problema, tanto é que as colisões ocorrem em pontos espalhados.
— Diria que 90% das colisões graves ocorrem por ultrapassagem proibida. Com certeza, se houvesse duplicação, haveria menos acidentes — avalia Rossatto.
O policial ainda aponta uma controvérsia no trecho: 22 quilômetros, entre Carazinho e Almirante Tamandaré do Sul, tem velocidade máxima de 100 km/h – mesmo sem duplicação:
— Dá uma falsa sensação de que pode trafegar rápido, que a rodovia é apropriada para isso.