Como iniciar uma causa e engajar pessoas

Ideias para fazer do espaço onde vivemos um lugar melhor se tornam realidade graças à iniciativa de moradores

Voluntários servem de exemplo para que mais pessoas descruzem os braços e abracem uma causa

REPORTAGEM

Marcelo Gonzatto

EDIÇÃO

Eduardo Rosa
Rodrigo Müzell

DESIGN | ILUSTRAÇÃO

Leonardo Azevedo

PROGRAMAÇÃO

Brunno Lorenzoni
Hermes Wiederkehr

Nos últimos meses, em Porto Alegre, uma escadaria recebeu iluminação nova. Moradores de rua ganharam alimentação e um banho quente. Praças foram recuperadas, e imigrantes em dificuldades financeiras começaram a receber aulas de português. Todas essas ações têm algo em comum: viraram realidade graças à iniciativa de moradores da cidade, não do poder público.

Determinados a melhorar as condições de vida na cidade que completa 246 anos neste 26 de março, grupos de cidadãos de diferentes idades, gêneros, cores e credos decidiram abraçar causas comuns cuja motivação é aumentar o nível de felicidade geral. Quando a Capital celebra mais um ano, em meio a um cenário de dificuldades financeiras, esses voluntários servem de exemplo para que mais pessoas descruzem os braços e também abracem uma causa pública.

Não se trata de assumir para si tarefas estatais e deixar de cobrar prefeito, secretários, vereadores e outras autoridades por melhorias na cidade. Uma das possibilidades do voluntariado é, justamente, organizar a pressão sobre quem foi eleito para zelar pelo bem público.

- Temos dossiês sobre os políticos da cidade, suas áreas de atuação, o que já fizeram, e-mails, telefones, porque assim conseguimos fiscalizar e cobrar - conta a cofundadora da ONG Minha Porto Alegre Carolina Soares.

Temos dossiês sobre os políticos da cidade, suas áreas de atuação, o que já fizeram, e-mails, telefones, porque assim conseguimos fiscalizar e cobrar.

Carolina Soares - ONG Minha Porto Alegre

Graças a estratégias como a de "panela de pressão", que estimula cidadãos a enviarem mensagens cobrando ações dos políticos, o grupo já conseguiu sucesso em empreitadas como a renovação da iluminação na Escadaria João Manoel, no Centro Histórico, ou a alteração do trânsito em um ponto em que vinham ocorrendo muitos acidentes no bairro Menino Deus. O trabalho envolve parcerias com outras entidades, a exemplo da Fundação Thiago Gonzaga ou a Associação de Hortas Comunitárias do Centro.

Mas como engajar outras pessoas a uma causa e iniciar um novo projeto social? A recomendação de especialistas é, primeiro, escolher um tema com o qual se tenha afinidade e compreendê-lo bem. Em seguida, buscar outros colaboradores - e, nessa tarefa, a internet vem se mostrando uma ferramenta poderosa. Mas seguir algumas regras pode potencializar a procura por apoio.

- As redes sociais podem ser muito úteis para sensibilizar outras pessoas, principalmente quando se utilizam imagens e situações concretas. A imagem de uma tartaruga com um canudo de plástico no nariz, que circulou recentemente, foi eficaz para sensibilizar as pessoas para o problema da poluição ambiental - exemplifica o psiquiatra Diogo Lara.

Outra recomendação é tomar a iniciativa e começar a trabalhar na prática para, assim, estimular mais pessoas.

- Isso se chama prova social. Como as pessoas têm um medo natural de serem as primeiras a fazer alguma coisa, quando veem outras em ação se sentem mais à vontade para se engajar - explica o especialista.

Três regras de engajamento da psicologia

1. Mostre situações concretas

Para sensibilizar pessoas para a sua causa, não seja abstrato. Para atrair voluntários à causa ambiental, por exemplo, use foto ou vídeo reais de uma situação de risco do local onde você quer atuar. Isso gera um nível maior de empatia e, em consequência, disposição de agir.

2. Evite a linguagem imperativa

Jamais use expressões como "Doe agora!" ou "Associe-se já!". Estudos mostram que uma linguagem indireta e mais suave (como "Clique aqui se quiser doar") é capaz de dobrar o volume de contribuições em comparação à abordagem mais agressiva.

3. Preste contas em detalhes

Dê satisfação a seus apoiadores a cada ação realizada, mostrando o destino do tempo ou do dinheiro dos colaboradores. Mas faça isso em detalhes: quando possível, mostre o rosto, o nome e a história de quem foi beneficiado, com foto ou vídeo.

Fonte: psiquiatra Diogo Lara

O simples fato de convidar outras pessoas para trabalhar em prol da cidade já é um bom começo. A pesquisa Opinião do Brasileiro sobre Voluntariado, da Fundação Itaú Social e do Datafolha, mostra que 72% dos brasileiros nunca participaram de um trabalho voluntário. Para quase um terço dessa população, a razão da inércia foi simplesmente nunca terem sido chamados por alguém.

Participação em atividade voluntária
Por que nunca atuou como voluntário

*Respostas múltiplas

Estabelecer um senso de comunidade entre os colaboradores de uma determinada causa também é importante para impulsionar um projeto social - e para isso serve desde criar um grupo de WhatsApp ou Facebook até criar algum tipo de identificação visual como camisetas.

- Não existe fórmula mágica de engajamento. Acreditamos muito que a transformação da sociedade começa primeiro dentro de cada um de nós. Por isso, buscamos estimular e inspirar as pessoas para que descubram em si mesmas mais propósito em suas vidas e, assim, a vontade de realizar transformações positivas na sociedade - sustenta Cintya Ramlov, da ONG Social Good Brasil.

Carolina diz que gostaria de encerrar as atividades da Minha Porto Alegre em um futuro próximo, quando o nível de engajamento da população subir de patamar:

- A ideia é que a gente possa deixar de funcionar. Para isso, o cidadão deve perceber que pode ser o protagonista da sua cidade.

Buscamos estimular e inspirar as pessoas para que descubram em si mesmas mais propósito em suas vidas e, assim, a vontade de realizar transformações positivas na sociedade.

Cintya Ramlov - ONG Social Good Brasil

ESCOLHA A CAUSA CERTA PARA VOCÊ

Para que iniciativas prosperem, especialistas no terceiro setor sustentam que é fundamental combinar uma atividade com a qual se tenha afinidade a uma demanda social por determinado serviço

Em meados de 2005, após enfrentar problemas pessoais, a professora Jacqueline Navarro se viu literalmente aprisionada pela síndrome do pânico. Sufocada por sintomas típicos como tremores, taquicardia, falta de ar e a sensação de perigo iminente, a moradora de Porto Alegre não conseguia sair de casa. Ao longo de mais de seis meses, não ousou cruzar a porta.

Foi durante uma sessão de terapia que surgiu a ideia de se dedicar ao trabalho voluntário como parte do processo de readaptação ao mundo. Faltava escolher uma causa para abraçar. Essa decisão, que costuma ser uma das etapas mais importantes na trajetória de um projeto social, era ainda mais relevante no caso de Jacqueline. Uma coincidência ajudou a futura voluntária a definir o ramo de atividade que lhe traria, ao mesmo tempo, realização pessoal e capacidade para melhorar a vida de crianças e adolescentes de famílias de baixa renda.

- Fiz balé clássico por 17 anos, e meu terapeuta dançava flamenco. Conversando com ele, decidi lançar um projeto que levasse a dança para meninos e meninas em vulnerabilidade social - conta Jacqueline.

O projeto Ballet Cultuarte foi lançado em Alvorada, onde a professora leciona até hoje, e a partir deste ano será oferecido também em Porto Alegre. Ela já atende a cerca de 300 jovens e tem certeza de que acertou na escolha da atividade.

- O objetivo não é revelar grandes bailarinas, mas fazer a diferença na vida dessas crianças e adolescentes. A autoestima que a dança oferece estimula a inclusão social - conta a fundadora.

O objetivo não é revelar grandes bailarinas, mas fazer a diferença na vida dessas crianças e adolescentes.

Jacqueline Navarro - Ballet Cultuarte

A escolha de Jacqueline representou a oportunidade que Gislaine de Oliveira Figueiredo, 24 anos, aguardava. A jovem sonhava em vestir o traje de bailarina, mas os cursos lhe fechavam as portas por ser cega. Aceita no Cultuarte, se dedicou às aulas e, agora, atua como instrutora voluntária no mesmo projeto.

- Dançar, pra mim, é a possibilidade de voar sem sair do chão - resume Gislaine.

Para que iniciativas como essa prosperem, especialistas no terceiro setor sustentam que é fundamental seguir a mesma receita de Jacqueline: combinar uma atividade com a qual se tenha afinidade a uma demanda social por aquele serviço. O ideal é, antes de sair à rua, planejar e buscar informações concretas.

- A primeira coisa que a pessoa tem de fazer é se questionar: o que eu quero mudar? A educação? A situação de uma praça? De um grupo de pessoas? Depois, tem de ir atrás de dados. Já existe alguém trabalhando com aquilo? É melhor se juntar a um grupo já existente ou começar do zero? - ensina a especialista em Mobilização Social do Itaú Social Cláudia Sintoni.

As perguntas que você deve se fazer

Que problema eu mais gostaria de ajudar a resolver na cidade?

Eu sentiria satisfação em trabalhar nessa área?

O meu trabalho atenderia a uma demanda real? É um problema relevante?

Já não há iniciativas suficientes dando conta desse problema na região onde eu pretendo atuar?

A dedicação necessária para enfrentar esse problema é adequada ao tempo que eu tenho disponível?

Eu conheço bem o problema a ser enfrentado a ponto de saber como agir, o que fazer?

Adotar uma causa com a qual não se tem afinidade é um passo em falso, mas lançar uma iniciativa que não atenda a uma demanda real, ou para a qual já existam projetos suficientes em uma região também é pouco recomendável. Uma sugestão de Cláudia é conversar com pessoas do público-alvo a ser atendido, entender bem quais são suas necessidades, buscar informações com pessoas que já realizam ações sociais na área pretendida e, só então, fechar questão sobre a missão a que vai se dedicar.

Saúde e educação são as áreas preferidas para atuar

*Respostas múltiplas
Fonte: pesquisa Opinião do Brasileiro sobre o Voluntariado (Fundação Itaú Social/Datafolha)

SAIBA USAR AS REDES SOCIAIS A SEU FAVOR

Internet pode ser um instrumento valioso para buscar informações, encontrar outras pessoas dispostas a abraçar uma mesma causa, pedir doações, divulgar eventos e prestar contas sobre as ações

Nem só para buscar curtidas e seguidores servem as redes sociais. Cada vez mais, gente disposta a melhorar o mundo utiliza o universo virtual como ferramenta para ir atrás de apoiadores, doações e recursos - já que, segundo estimativas, pelo menos metade da população brasileira está conectada a alguma mídia social. Saber utilizar ferramentas como Facebook, Twitter ou Instagram é fundamental para dar a largada em um projeto comunitário ou fortalecê-lo.

A internet pode ser um instrumento valioso para buscar informações sobre voluntariado, encontrar outras pessoas dispostas a abraçar uma mesma causa, pedir doações, divulgar eventos e prestar contas sobre as ações realizadas. Esse potencial é multiplicado quando algumas regras são respeitadas. Uma delas é evitar os famosos "textões" e privilegiar a publicação de textos mais curtos, vídeos e fotos.

- Quando a comunicação é mais direta, com textos mais objetivos e uso imagens, o resultado é bem melhor seja para divulgar ações ou para pedir apoio - conta a integrante do grupo Anjas de Batom Vanessa Rodrigues Silveira.

Como divulgar sua causa na internet

Uma dica para potencializar a busca por apoiadores ou recursos é organizar uma narrativa (que pode funcionar para texto, vídeo ou qualquer outra forma de comunicação) com base em três elementos principais:

1. Por que eu?

Conte por que uma determinada causa é importante para você, por qual motivo ela te sensibiliza - se é por ter enfrentado pessoalmente um problema, conhecer alguém naquela situação etc. Por exemplo: "passei minha infância brincando nessa praça, e agora ela está abandonada".

2. Por que nós?

Explique porque esse problema interessa não só a você, mas deveria preocupar mais pessoas. Seguindo no exemplo da praça: "toda a vizinhança poderia aproveitar esse espaço, conviver e trazer suas crianças para brincar se ela estivesse bem cuidada".

3. Por que agora?

Mostre que há urgência em partir para a ação e por quais razões: "Se nada for feito, as crianças do bairro vão crescer sem ter um espaço ao ar livre para brincar e interagir/ teremos menos gente na rua e mais insegurança/ esse espaço vai virar depósito de lixo etc."

Fonte: especialista em mobilização social Cláudia Sintoni

A organização tem origem em dezembro de 2016, quando Vanessa e duas filhas foram aos correios buscar cartas de crianças de baixa renda para apadrinhar no Natal. Quando depararam com pedidos singelos como "uma caneta", se emocionaram a ponto de levar quase uma centena de cartas para casa. Com mais quatro amigas, Vanessa decidiu lançar um projeto destinado a realizar ações sociais variadas em diferentes lugares da cidade: desde doação de material escolar em uma vila até organizar uma festa de debutante para meninas da periferia, marcada para ocorrer dia 20 de junho no Teresópolis Tênis Clube.

As mídias sociais ajudam desde a organização dos eventos, facilitando os contatos entre as cinco integrantes do grupo e eventuais parceiros, até a transmissão ao vivo das intervenções voluntárias.

- Nosso trabalho é feito basicamente por meio das redes. Por ali nos organizamos, conseguimos doações e divulgamos o nosso trabalho - conta Vanessa

Nosso trabalho é feito basicamente por meio das redes. Por ali nos organizamos, conseguimos doações e divulgamos o nosso trabalho.

Vanessa Rodrigues Silveira - Anjas de Batom

O grupo costuma fazer transmissões em vídeo, ao vivo, das entregas de donativos e outros tipos de benfeitorias em locais como vilas da periferia, asilos ou creches. Conforme o psiquiatra Diogo Lara, divulgar o resultado das doações reforça a disposição dos eventuais colaboradores a seguir contribuindo com a iniciativa.

- Quando se dá um feedback, quando se mostra o rosto de quem foi ajudado, isso gera impacto. Esse impacto ajuda a manter as outras pessoas engajadas na sua causa - diz Lara.

Mas é importante, recomenda Vanessa, evitar que a divulgação das benfeitorias se transforme em uma exaltação de si mesmo ou exercício de vaidade. Nesse caso, pode-se gerar um efeito contrário ao pretendido e afugentar colaboradores. A regra é manter o foco no trabalho e evitar autoelogios.

- Algumas pessoas podem perceber a divulgação como autopromoção. Por isso, tem de cuidar para não exagerar - afirma a voluntária.

A internet é a segunda fonte principal de informações sobre voluntariado

*Respostas múltiplas
Fonte: pesquisa Opinião do Brasileiro sobre Voluntariado, da Fundação Itaú Social/Datafolha

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ORGANIZE-SE

Iniciativas informais dão conta de atividades mais assistencialistas e pontuais, enquanto registro como organização não-governamental é o caminho indicado para projetos mais ambiciosos e permanentes

Boa parte dos voluntários que se dedicam a transformar sua cidade, em algum momento, depara com um dilema: vale mais a pena trabalhar de maneira informal, buscando doações espontâneas ou tirando dinheiro do próprio bolso, ou subir um degrau e transformar o projeto social em uma ONG com CNPJ e tudo? Se essa formalização envolve mais obrigações, como redigir um estatuto e prestar contas das finanças, também facilita a captação de recursos públicos ou privados e tende a aumentar o impacto das ações realizadas.

A consultora da ONG Parceiros Voluntários Marília Thomazin Crivello acredita que as iniciativas informais, de uma ou mais pessoas que agem por conta própria, dão conta de atividades mais assistencialistas e pontuais - como distribuir donativos eventualmente ou cuidar de um espaço público. O registro como organização não-governamental é o caminho indicado para projetos mais ambiciosos e permanentes.

- Praticamente, todas as ONGs nascem de iniciativas informais, de grupos de pessoas que se unem por uma causa comum. Mas a informalidade permite ações mais assistenciais. Quando se tornam uma ONG, podem promover um impacto social de forma mais contundente - acredita Marília.

Os passos para se formalizar

1. Reúna um grupo de pessoas devotadas à mesma causa (quanto maior e mais variado, melhor). Defina a missão, a visão e os valores norteadores da sua organização.

2. Defina uma diretoria e um conselho fiscal (obrigatórios). A Parceiros Voluntários recomenda pelo menos cinco pessoas na diretoria e três no conselho fiscal (que vai avaliar as finanças da ONG, analisar balanços etc.). Pode-se ainda criar conselhos consultivo e administrativo.

3. Escreva o estatuto, que servirá como a certidão de nascimento da entidade, descrevendo de forma sucinta em que área vai atuar e que tipo de trabalho será desenvolvido.

4. Convoque uma assembleia, aprove o estatuto e dê posse formal à diretoria e ao conselho. Elabore uma ata da reunião e providencie que um advogado assine o estatuto. Os documentos devem ser reconhecidos em cartório.

5. Procure um contador, que ajudará a dar sequência nos trâmites burocráticos - que incluem obtenção de CNPJ, inscrições municipais, certificado digital, eventuais alvarás, entre outras documentações

A principal vantagem de existir juridicamente é poder buscar financiamento público (a partir de um ano de existência), firmar convênios com governos e facilitar o apoio por parte de empresas e outras organizações sociais. Vanisse Figueiredo, 38 anos, integrante do grupo Família Imigrante - que presta auxílio informal a imigrantes de países como Haiti e Senegal - se encontra nessa encruzilhada. Sem existência legal, o projeto teve dificuldade até para conseguir o empréstimo de uma sala no Vida Centro Humanístico.

- Eles querem que a gente se formalize, até porque só costumam emprestar salas para ONGs. Já estou pesquisando na internet como fazer isso, até porque ajudaria a nos financiar também. Algumas vezes, tiramos dinheiro do bolso - conta Vanisse.

Algumas vezes, tiramos dinheiro do bolso

Vanisse Figueiredo - Família Imigrante

A voluntária conta que decidiu auxiliar os imigrantes com doações de cestas básicas, encaminhamento para emprego e, mais recentemente, aulas de português, depois de uma viagem para Moçambique em 2016. Visitou um campo de refugiados oriundos do Congo e ficou curiosa: por que haviam buscado refúgio em outro país pobre?

- A gente vai onde nos recebem - foi a explicação que comoveu a gaúcha.

Desde então, atua com outros colaboradores para melhorar a vida de cerca de 85 famílias de imigrantes em Porto Alegre.

O caminho básico para constituir uma ONG é definir um estatuto e uma diretoria, buscar contador e advogado, registro em cartório e providenciar uma documentação que varia conforme a atividade a ser desenvolvida. Quem quer abrigar crianças, por exemplo, também precisa seguir normas do Ministério da Educação.

- Uma ONG pode exercer qualquer tipo de atividade, mas, quando opta por ações que cabem ao poder público, como acolhimento institucional, precisa seguir as políticas públicas que norteiam essas práticas - diz Marília.

Os tipos de organização

ONG - Organização Não-Governamental

Hoje também chamada Organização da Sociedade Civil (OSC). Permite firmar convênios com o poder público (a partir de um ano de existência) e buscar recursos públicos e privados, já que a organização passa a ter existência legal, maior peso e transparência.

Oscip - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

É uma titulação atribuída pelo Ministério da Justiça para ONGs que têm pelo menos três anos de existência e cumprem uma série de requisitos. Essa modalidade permite que a diretoria seja remunerada, além de permitir formas mais abrangentes de parceria com o setor público.

OS - Organização Social

Titulação concedida pelo poder executivo a entidades que fomentem pesquisa, desenvolvimento de tecnologia, proteção e preservação do meio ambiente, cultura ou saúde. As Santas Casas costumam ser caracterizadas como Organizações Sociais, por exemplo. Permite outros meios de acesso a recursos públicos também.

Três problemas que você vai encontrar e como resolvê-los

1. Falta de tempo

Trabalhos voluntários podem consumir boa parte do seu dia. Escolha uma atividade que esteja de acordo com a sua rotina. Se você só tem finais de semana livres, é o suficiente para cuidar de uma praça ou participar como colaborador eventual em uma ação assistencial, por exemplo. Agendas mais flexíveis permitem abraçar projetos mais complexos. Planeje toda a sua semana para liberar o máximo possível de tempo, usando uma agenda para se organizar melhor, e delegue tarefas a outros colaboradores.

2. Falta de dinheiro

Projetos sociais costumam atender a grandes demandas com recursos limitados, ou seja, precisam driblar a escassez de verbas e materiais. Veja algumas possibilidades para sustentar o seu projeto:
- Autofinanciamento: adequado para pessoas com orçamento mais folgado e ações de custo mais baixo ou pontuais, como cuidar de um canteiro ou praça, fazer doações esporádicas ou fornecer ração para animais.
- Doações: contatos pessoais e redes sociais podem ser utilizados para conseguir recursos como alimentos, roupas, material escolar, entre outros. Diga exatamente do que você precisa, por que razão e a quem vai beneficiar.
- Crowdfunding: sites de vaquinha são uma boa saída para captar dinheiro. Você estabelece uma meta a ser atingida e utiliza contatos pessoais e via internet para tentar mobilizar o maior número possível de doadores.
- Mobilize a vizinhança: se você vai realizar uma ação localizada no bairro, procure mobilizar moradores e empresários da região. Procure-os pessoalmente e explique a iniciativa. A proximidade favorece a participação.
- Parcerias com os setores público ou privado: para projetos mais ambiciosos, podem ser buscados recursos de empresas e do setor público. Nesse caso, o caminho é fazer isso por meio de uma ONG formalmente constituída. Fique atento a editais de financiamento e projetos de empresas privadas.

3. Burocracia e descompromisso


Em algum momento, outras pessoas vão te deixar na mão. Nem todos terão o seu comprometimento com a causa, e a burocracia pode atrasar a realização de um projeto. O único jeito é manter a persistência. Cercar-se de um bom número de pessoas com diferentes competências também é importante para levar a iniciativa adiante apesar dos imprevistos.

BUSQUE PARCERIAS COM OUTROS GRUPOS

Procura por outras equipes de voluntários é uma forma de atrair mais pessoas para mobilizações e oferecer benefícios mais diversificados. Trabalhar em conjunto também é uma forma de ganhar experiência e se capacitar

Uma tendência ganha força entre quem toca projetos sociais em Porto Alegre. Além de prestar auxílio à população que precisa de algum serviço ou bem material, responsáveis por iniciativas voluntárias estão se ajudando mutuamente. A busca por parcerias entre diferentes grupos de voluntários é uma forma de atrair mais pessoas para mobilizações e oferecer benefícios mais diversificados. Para quem está começando, trabalhar em conjunto também é uma forma de ganhar experiência e se capacitar.

O projeto Barbeiros Solidários, que oferece cortes de barba e cabelo gratuitamente em casas geriátricas, abrigos infantis e a moradores rua, costuma marcar mobilizações em parceria com outros grupos. Assim, além aparar os fios, podem oferecer outros benefícios como um prato de comida. Como contam com cerca de 40 barbeiros cadastrados, mas pouco mais de uma dezena consegue participar de cada mutirão, é também uma forma de aumentar o número de voluntários incumbidos de ajudar no planejamento e na organização dos eventos.

- Hoje, preferimos fazer as ações com outros grupos, como o do PF, que entrega comida. Sozinhos, também fica difícil para conseguirmos organizar tudo. Já fizemos evento em que apareceram centenas de moradores de rua - conta Ivan Carlos Kramer, fundador do Barbeiros Solidários.

Hoje, preferimos fazer as ações com outros grupos, como o do PF, que entrega comida. Sozinhos, também fica difícil para conseguirmos organizar tudo

Van Carlos Kramer - Barbeiros Solidários

Conforme a especialista em Mobilização Social Cláudia Sintoni, a atuação conjunta é uma tendência em outras cidades brasileiras também:

- Agir de forma integrada ajuda até para captar recursos. Quando se chega em grupos, é sempre melhor. Além disso, tem dois grupos que atendem uma mesma área e não se conversam. É muito melhor se trocarem informações.

Letícia Andrade, coordenadora da ONG Centro Social da Rua, que desenvolve ações como o Banho Solidário - que permite a moradores de rua tomar banhos quentes - afirma que é importante agir em conjunto também para distribuir melhor os recursos disponíveis pela cidade.

- Conversamos com outras organizações para que cada um atue de maneira que uma mesma pessoa não seja atendida por três grupos diferentes, enquanto alguém em outra parte da cidade não fique sem atendimento algum - exemplifica Letícia.

Ao identificar esse tipo de problema, integrantes da ONG Minha Porto Alegre foram mais longe: mapearam algumas das principais iniciativas destinadas a auxiliar a população de rua e divulgaram pela internet.

- Havia situações em que, em uma noite, havia seis ofertas de refeição em um determinado bairro, e na noite seguinte não havia nenhuma - conta Carolina Soares, do Minha Porto Alegre.

Como agir em parceria

1. Pesquise

Pesquise que outros grupos trabalham em prol da mesma causa ou na mesma região onde você pretende atuar - a internet é uma boa ferramenta para encontrá-los, por meio do Google ou Facebook, por exemplo. Alguns sites oferecem mapeamento de ONGs, como o mapaosc.

2. Coordene esforços


Uma ideia pode ser realizar ações conjuntas entre projetos com propósitos diferentes, reunindo, por exemplo, quem fornece alimentação e quem fornece roupas. Outra possibilidade é entrar em acordo com pessoas que realizam um trabalho semelhante para se distribuírem por diferentes zonas da cidade e, assim, alcançarem mais pessoas.

3. Busque recursos em grupo

Além de trabalhar em parceria, buscar doações e apoio em mais de um grupo é uma boa estratégia - aumenta o alcance e a credibilidade do projeto. Mas, para isso, é importante planejar também em conjunto como os recursos serão distribuídos e aplicados.

Fontes: Ivan Kramer (Barbeiros Solidários), Letícia Andrade (Centro Social da Rua) e Cláudia Sintoni (Itaú Social)