A
história
de
Bernardo

Bernardo de todos nós

Fabrício Carpinejar

Agora você pode dormir, Bernardo. Agora pode fechar os olhos por conta própria, os olhos da alma. Agora você pode ir ao colo de sua mãe e se demorar no abraço a eternidade que quiser. Agora você pode ter o seu respeito de volta, a razão de volta. Não precisa mais do pânico de gritar e gritar e gritar em vão por ajuda e não ser compreendido. Agora pode descansar e baixar a voz aos poucos. Agora ninguém mais dirá que seu temperamento era difícil, nervoso e rebelde (Quem é calmo no descaso? Quem é calmo sendo torturado psicologicamente?). Não existem mais atenuantes para a crueldade do seu fim. Agora a tocaia mostra-se clara e definitiva, o plano diabólico foi desmascarado, o seu desfecho não será confundido com um acidente, não sobram dúvidas do que aconteceu e de que os envolvidos possuíam consciência do que faziam, por ganância. O pai e a madrasta não ficarão presos o que merecem, mesmo com a pena acima de trinta anos, mas estarão confinados por dentro, pelo resto dos dias.

As mentiras têm muitas versões, já a verdade tem uma face: a do seu alívio.

Não será mais incomodado pelas distorções. Não vai engolir nenhum remédio a contragosto.

Agora você pode confiar de novo nos homens, perdoar Deus pelo sofrimento.

Enfim, as pessoas acreditaram em seu socorro. Agora você foi finalmente atendido pelo Fórum e tem uma outra família para brincar sem ser ameaçado. O minuano não traz mais murmúrios tristes, apenas levanta as asas de sua família de anjos.

Agora você pode sair de Frederico Westphalen (RS), daquela cama de terra e de raízes arrancadas que não lhe pertence, e regressar para Três Passos (RS), sua cidade natal. Agora você pode tirar os óculos e libertar o choro dos cinco anos de espera.

Seus assassinos choraram porque perderam a liberdade. Aquelas lágrimas não criam poça como uma só lágrima sua, uma única lágrima de um menino morto.

Agora pode tirar a roupa daquele 4 de abril, a camiseta, a calça, o tênis que usa desde 2014. Pode se lavar do barro e da emboscada.

Agora você não será mais filmado em desespero. Não receberá migalhas de atenção. Não será ludibriado pela promessa de uma televisão.

A justiça não lhe devolve a vida, mas lhe garante a paz. Paz que nunca conheceu em sua infância.

Você, Bernardo, morreu por não ser amado e hoje todos do Rio Grande do Sul lhe amam incondicionalmente. Pais estão mudando a sua atitude com os filhos depois que conheceram a sua história, mães estão mais corajosas, amigos se encontram atentos, parentes distantes voltaram a se falar, uma corrente de urgência vem aproximando os outros, não existe mais desculpa de falta de tempo para a família, dedicar-se ao presente é a herança que importa, mais nada.

Eu sei que é tarde, mas não custa avisar. Você é o Bernardo de todos nós para sempre.