Maria Luiza
espera o amanhã

A os quatro anos, Maria Luiza Magalhães Gonçalves tem uma noção imprecisa da passagem do tempo. Tudo o que já ocorreu foi “ontem”, o que está por vir será “amanhã”. Uma excursão com os colegas da escola infantil causa grande ansiedade.

– Depois que a gente dormir já é o passeio? – questiona.

Algo mais distante no calendário, previsto para acontecer, por exemplo, dentro de uma semana, lhe escapa ao entendimento:

– Falta muito ou falta pouquinho?

A mãe, a bancária Carolina Magalhães Gonçalves, 36 anos, responde:

– Falta muito.

Na tentativa de se orientar melhor, Maria Luiza utiliza uma de suas referências mais caras:

– Mas falta mais que o Natal ou menos que o Natal?

A garota está em pleno transcurso de uma das mais longas esperas a que já foi submetida. Gabriel, seu primeiro irmão, deve chegar em 24 de dezembro, depois de meses de dúvidas, planos e frustrações. Quando ela começou a manifestar a vontade de que a mãe tivesse “um bebê dentro da barriga”, as especificações quanto a sexo e características físicas não demoraram a aparecer.

– Quero uma irmãzinha. De cabelo amarelo. Como a demanda era repetida, e a fantasia ia se encorpando, a mãe passou a explicar que não era possível fazer esse tipo de pedido sob encomenda.

– Não dá para escolher, filha – ressaltava. – Pode ser menino ou menina, e a cor do cabelo não importa. Venha o que vier, vai ser seu amigo igual.

Verbalizado pela primeira vez em janeiro, o pedido de Maria Luiza foi atendido em março. Carolina e o marido, o securitário José Inácio Gonçalves Júnior, 38 anos, resolveram aguardar que se completassem os três meses iniciais da gestação para então comunicar a novidade. Maria Luiza se abraçou na mãe e lhe deu um beijo na barriga. Feliz, só falava na “irmã”.

O Natal será especial para Maria Luiza, quatro anos:
seu primeiro irmão, Gabriel, deve nascer em 24 de dezembro

 

Enquanto não havia a confirmação do sexo, o casal convidou a filha para participar da escolha do nome, atividade em que reforçaram a ideia de que o bebê poderia ser menina ou menino, amainando as expectativas. Maria Luiza já conhece o alfabeto, está em plena fase de descoberta das palavras, e se empolgou com a tarefa de escrever em uma folha de papel as sugestões que iam sendo soletradas pelos pais. Inspirada em um de seus colegas mais próximos na turma, sentenciou:

– Quero que ele se chame Lucas Alves!

Depois de convencerem a filha de que Lucas Alves não era um nome composto, mas sim a junção do nome do amiguinho ao sobrenome específico daquela família, os pais conseguiram fechar a lista com João Pedro, Ana Clara, Helena, Gabriel. Dias depois, uma ultrassonografia desfez o mistério.

– É um menino! – anunciou a mãe.

Maria Luiza continuava em pleno planejamento para recepcionar uma menina, e a decepção se evidenciou instantaneamente, sem filtro:

– Mas eu não quero um menino.

Seguiu-se uma semana de silêncio sobre o assunto. A questionadora primogênita parecia ter perdido por completo o entusiasmo. Cessaram as perguntas, os beijos de bom-dia no ventre saliente da mãe. Carolina se ressentiu da aparente indiferença. “E agora? Ela não vai gostar?”, pensou. O bloqueio cedeu durante uma ida ao supermercado na companhia de José Inácio. Maria Luiza adora papéis de presente, para recortar e colar as figuras estampadas, e não resistiu à sugestão do pai:

– Escolhe um para ti e um para o mano.

O interesse deslanchou outra vez. Maria Luiza observava os itens do guarda-roupa que não lhe serviam mais, um acervo composto em grande parte por saias e vestidos em tons de rosa, e planejava destiná-los ao irmão. Com a gestação da mãe já a meio caminho, o parco enxoval de Gabriel a deixava apreensiva.

– Mamãe, como é que ele vai nascer e vai andar pelado?

As dúvidas se multiplicam. Carolina e José Inácio se surpreendem com a curiosidade permanente da filha, que sempre toma a iniciativa de puxar assunto.

– Eu vou poder ajudar?

– Vou poder dar banho?

– O que a mamãe vai fazer com o bebê quando for trabalhar?

– Para qual escola ele vai?

Maria Luiza já vem incluindo o mano Gabriel nos desenhos da família

Por vezes, a ânsia é contida por uma reflexão um pouco mais detida – Maria Luiza confirma que quer auxiliar na hora da higiene do nenê, mas ressalta que precisará dos adultos na retaguarda.

– Eu sou grande, mas ainda sou um pouco pequena – justifica.

Por mais intensa e autêntica que seja a empolgação com o novo companheiro a caminho, ela ainda nutre um tantinho de desapontamento. Em uma conversa recente com a avó, falou sobre a amiga Alice, que também aguarda o nascimento de um irmãozinho – no caso, uma menina. Da narrativa brotou um suspiro:

– E o meu é menino, né, vovó? É que não pode escolher.

Maria Luiza indagou a mãe, certa vez, sobre como os bebês são retirados de dentro da barriga. Sem dar muitos detalhes, Carolina explicou que essa era uma tarefa dos médicos. Quando a bancária comentou com a filha, há algumas semanas, que naquele dia não poderia buscá-la na escola porque teria uma consulta médica, Maria Luiza fez uma rápida associação e entendeu que já estava na hora de Gabriel nascer. Chorou e pediu que não o tirassem de lá.

Passado o susto, a dúvida se mantém, e volta e meia reaparece:

– Vai demorar para nascer?

Carolina convive com a curiosidade da filha, que está sempre fazendo perguntas: “Para qual escola ele vai?”