NICHOLAS KAMM, AFP, BD, 21/03/2016 PRESIDENCIA VENEZUELA, BD, 15/12/2016
CUBA E VENEZUELA

Léo Gerchmann

leo.gerchmann@zerohora.com.br

Trump põe os dois países em sobressalto

P aíses ícones da esquerda na América Latina, Cuba e Venezuela são dois aliados que se contrapuseram em 2016 e que entram 2017 repletos de incógnitas. O governo venezuelano costuma atribuir seus males ao “império estadunidense”, argumentando que o desabastecimento superior a 80% dos produtos básicos, a violência comparável à de países em guerra e a inflação mais alta do mundo são fruto da interferência americana. Quando vai a Cuba e é recebido calorosamente pelo colega Raúl Castro, o presidente Nicolás Maduro evita lembrar que, ao mesmo tempo, o presidente americano Barack Obama, democrata, fez e ainda faz de tudo para os laços entre Havana e Washington se consolidarem. A visita histórica de Obama à capital cubana em março, a primeira de um presidente americano em 88 anos, foi seguida com curiosidade pelo mundo inteiro. Restou, para um avanço ainda maior no reatamento, a derrubada do embargo econômico. Mas isso depende de lei a ser votada por um congresso dominado pelos opositores republicanos tanto na Câmara quanto no Senado. Há questões de fundo ideológico, mas também pairam interesses financeiros, que igualam republicanos e democratas na cobiça pragmática a um novo mercado com 11 milhões de consumidores em potencial. Para 2017, a eleição de Donald Trump como presidente americano, com todas as dúvidas em relação ao quanto ele será no cargo o que foi no proselitismo eleitoral, põe os dois países em sobressalto. Na América Latina, Cuba, Venezuela, Colômbia (que vive um processo de paz com a guerrilha marxista) e México (vizinho e alvo de polêmicas por vezes xenófobas) são os países mais visados pela perspectiva de uma “era Trump”. Tudo indica que Maduro terá motivos mais consistentes para se queixar do “império”. A respeito de Cuba, no último dia 12 o reatamento com o mundo capitalista ganhou fôlego. Um acordo celebrado com a União Europeia meio que blindou a ilha socialista em relação a Trump, de quem não se sabe até que ponto vai a ojeriza a Havana. Será um avanço que tende a forçar o arrefecimento do embargo. Por quê? Porque a UE já é o maior investidor no país. Resta saber até que ponto a morte de Fidel Castro aos 90 anos, no final de novembro, influenciará. Já a Venezuela é puro impasse, interna e externamente. Sob gravíssima crise socioeconômica, o vizinho brasileiro ao norte está fraturado institucionalmente e suspenso do Mercosul. O Legislativo é dominado por uma oposição pouco afeita ao diálogo, que se digladia com um governo ainda mais refratário a qualquer tipo de negociação. O Judiciário é subserviente ao Executivo e costuma substituir o Legislativo em suas atribuições, incluindo a aprovação do orçamento. Para piorar, há cerca de cem presos políticos e uma indefinição quanto ao cronograma eleitoral. Maduro suspendeu o referendo revogatório, um recall presidencial previsto constitucionalmente para a metade do mandato. Bastaria pouco mais de 50% dos votos para os venezuelanos estabelecerem a realização de novas eleições. Mesmo que por uma grande surpresa o referendo, de legitimidade incontestável, ocorra em 2017, já não haveria nova eleição. Maduro seria substituído pelo vice, que é escolhido a qualquer momento, como um simples ministro. Poderia colocar um “laranja” no lugar. Como Trump reagirá a manobras desse tipo naquele lindo país castigado pelo autoritarismo de um presidente que se diz a personalização da pátria em detrimento dos seus opositores? Haveria um novo embargo no Caribe, desta vez na América do Sul?
EPISÓDIOS MARCANTES TENSÃO ENTRE PODERES Em janeiro, toma posse um parlamento com maioria oposicionista na Venezuela. O presidente Nicolás Maduro decreta “estado de emergência econômica” por 60 dias. VISITA HISTÓRICA No dia 18 de fevereiro, Barack Obama confirma que visitará Cuba. É a primeira ida de um presidente americano à Ilha em 88 anos. Os três dias de aproximação começam em 21 de março. Obama vai à Praça da Revolução e aparece em fotos com a imagem de Che Guevara ao fundo, o que enlouquece os americanos mais conservadores. FERIADOS NAS SEXTAS Em abril, ainda lutando contra a escassez de alimentos, que resulta em filas quilométricas nos supermercados, governo Maduro transforma sextas-feiras em feriados para amenizar a grave crise energética no país. MOBILIZAÇÃO CONTRA O “GOLPE” Em maio, Maduro declara “estado de exceção” na Venezuela e anuncia que o exército iniciará exercícios militares, preparando-se para “qualquer cenário”. ROTA REABERTA Primeiros voos comerciais dos EUA para Cuba em mais de meio século aterrissam na ilha, em agosto. CRISE NO MERCOSUL Brasil, Argentina e Paraguai se unem para não entregar à Venezuela a presidência do Mercosul. Impasse em agosto deixa o bloco paralisado e sem comando. O ADEUS DE FIDEL Líder da Revolução Cubana e um dos homens mais importantes do século 20, Fidel Castro morre aos 90 anos, em novembro. CULPADO Em dezembro, a Assembleia Nacional julga Maduro e o considera culpado por ruptura da Constituição, violação de direitos humanos e pela crise.