Divulgação PROA

Marcelo Perrone

Aquarius,

filme do ano?

C omo se mede a relevância e o impacto de um filme além da apreciação subjetiva do espectador e do crítico e dos números de bilheteria imprecisos na aferição de valores que a matemática não contempla? Este 2016 foi mais um ano superlativo para o mercado cinematográfico no Brasil, segundo balanço ainda preliminar do portal Filme B, especializado no ramo: cerca R$ 2,6 bilhões arrecadados (12,4% a mais do que em 2015) e 185 milhões de ingressos vendidos (alta de 8,3%), desempenho que consolida o 11º ano consecutivo de crescimento em renda e oitavo seguido em público. Observando a fatia que cabe ao cinema brasileiro, os dados são igualmente positivos: 26,8% mais público e 22,5% mais renda em relação a 2015. Foram 27, 5 milhões de ingressos para filmes nacionais (21,6 milhões em 2015), com o market share (proporção em relação aos números totais do mercado) de 14,6%, o quarto maior desde a retomada da produção local em meados dos anos 1990. O filme brasileiro de maior relevância e impacto na temporada, porém, tem contribuição ínfima nessa enxurrada de números. Aquarius já foi visto por 357 mil espectadores em 17 semanas de exibição. Mais de 11 milhões de pessoas assistiram a Os dez mandamentos – O filme, versão compacta da novela bíblica homônima. O vendedor de sonhos, adaptação do sucesso literário de autoajuda, tem 524,3 mil espectadores em três semanas de exibição. O recente Minha mãe é um peça 2, alcançou impressionantes 724 mil ingressos vendidos em apenas quatro dias. Mas nenhum entre esses títulos pinçados para a comparação respira fora da sala de cinema. Aquarius, sim. O diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho derrubou as paredes da sala escura fazendo de seu filme um fato político. Selecionado para disputar, em maio, a Palma de Ouro no Festival de Cannes, Aquarius tornou-se assunto ainda no tapete vermelho do mais prestigiado evento competitivo do cinema mundial. Kleber, a atriz protagonista Sonia Braga e equipe exibiram cartazes denunciando como golpe de Estado o processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff, aprovado um mês antes na Câmara dos Deputados. Aclamado pela crítica, o filme passou a espelhar manifestações contra e a favor do episódio de Cannes, que envolveram da representação da imagem do Brasil no Exterior à enviesada discussão sobre o uso as leis de incentivo na cultura. Aquarius estreou em 1º de setembro, um dia depois da posse de Michel Temer. Sem dúvida, a controvérsia gerada ampliou o interesse pelo filme nessas 17 semanas consecutivas de exibição, assim como as resenhas e o boca a boca positivos. No começo de setembro, o filme voltou aos holofotes ao ser escanteado no processo de escolha do representante do país na disputa pela indicação ao Oscar de filme estrangeiro. A comissão formada pelo extinto e ressuscitado Ministério da Cultura do novo governo optou pelo então desconhecido Pequeno segredo, o que reforçou a impressão de retaliação a Aquarius em razão do protesto em Cannes. Ao fim de 2016, Aquarius consolida sua exitosa carreira internacional com presença nas mais importantes listas de melhores filmes do ano (Cahiers do Cinéma, Sight & Sound, Premiere, entre outras). Ao lado de Cidade de Deus (2002), é o filme brasileiro de maior repercussão mundial neste século. Com seu preciso timing de circulação e posicionamento de seu realizador, Aquarius é reflexo e síntese desse momento beligerante da história brasileira. Cumpre sua missão como bom cinema agregando valores que não têm como ser medidos em números de bilheteria. Isso é provocar impacto, isso é ser relevante. É assim que se garante lugar na história que será contada às gerações seguintes.