REPRODUÇÃO
EXPLOSÃO DA VIOLÊNCIA

Carlos Etchichury

carlos.etchichury@diariogaucho.com.br

Porto Alegre

está acossada

D e todos os indicadores utilizados para aferir a violência cotidiana, o que mais impressiona em Porto Alegre é o aumento dos assassinatos. De janeiro a novembro, ocorreram 676 homicídios (um a cada 12 horas), número 23,5% superior aos 547 registrados no ano passado. Se comparado com os últimos cinco anos, o aumento é de 84,6% em 2016. A capital dos gaúchos nunca havia sido palco de tantas execuções e presenciado tamanha brutalidade. Vive-se uma epidemia. As facções que disputam territórios são pós-graduadas em crueldade. Quando em trabalho, não economizam munição. Descarregam fuzis e pistolas em corpos já inertes, tendo como alvo quase sempre a face das vítimas, obrigando mães a velar filhos em esquifes lacrados. Inaugurou-se a prática macabra de sequestrar rivais, torturá-los e decapitá-los. Tudo registrado em vídeo e postado nas redes sociais para demonstrar força e assustar comunidades, à semelhança dos terroristas islâmicos. A barbárie rompeu limites geográficos. Alvos são eliminados no Aeroporto Salgado Filho, na frente de escolas, na Estação Rodoviária, em bairros nobres. Lideradas quase sempre por jovens e adolescentes, quadrilhas desrespeitam até a ética do crime: executam mulheres grávidas, disparam a esmo contra inocentes, matam crianças. Roubos com morte também são reveladores do que se vive na Capital, uma cidade acossada. Houve 32 latrocínios até agora, um crime que atinge, em especial, a classe média. São ataques que contrariam qualquer lógica: há vítimas que reagiram e morreram, que não reagiram e morreram, que sequer tiveram tempo de entregar pertences e também morreram. Diante de tudo que se presenciou no ano que se encerra, o que pode ser feito? Pelo menos duas ações: uma imediata, porque exige-se soluções imediatas, e outra a médio prazo. De imediato, é urgente estancar a mortandade na Capital e na Região Metropolitana. Uma geração de jovens e adolescentes, moradores de bairros como Beco da Fumaça, Mario Quinta, Rubem Berta, Restinga, Cruzeiro, Bom Jesus, Vila Jardim, está sendo dizimada. Sabe-se quem mata e quem morre. É preciso agir. Cabe ao Piratini mobilizar ONGs (sobretudo aquelas que atuam nas periferias), entidades, municípios, universidades, órgãos da segurança, diferentes secretarias estaduais em busca de um grande pacto pela vida. Todas as comunidades que viveram crises agudas de violência encontraram a pacificação após mobilizações da sociedade civil. A médio prazo, porém, não iremos avançar sem superar a falência prisional, criando vagas e reassumindo o comando de cadeias. No Rio Grande, além de projetos, falta gestão. Sob a administração de facções, prisões tornaram-se, literalmente, QGs de quadrilhas, que dispõem de celulares e recursos para administrar organizações criminosas. No mesmo contexto, enquanto presos são trancafiados em delegacias, viaturas e ônibus, em condições desumanas, ou em presídios superlotados, violando direitos básicos, construímos, há seis anos, uma penitenciária com capacidade para 2,4 mil detentos, em Canoas. Três governos, um tucano, um petista e um peemedebista, foram incapazes de inaugurar a penitenciária – em igual período, ergueu-se em Dubai o Burj Khalifa, maior prédio do mundo, com 820 metros de altura e 163 andares. É a síntese da incompetência.
EPISÓDIOS MARCANTES DECAPITAÇÕES Em 17 de janeiro, é encontrada no bairro Bom Jesus a cabeça de Jefferson Lapuente, supostamente ligado a uma das facções que protagonizam a guerra do tráfico em Porto Alegre. Só na Região Metropolitana, 16 pessoas foram decapitadas neste ano. EM FRENTE DE HOSPITAL Em abril, BM e criminosos trocam mais de 30 tiros em frente ao Hospital Cristo Redentor. Quatro homens morreram no confronto. DIA DOS PAIS SANGRENTO A médica Graziela Muller Lerias é morta a tiros por assaltantes que abordaram seu carro em uma sinaleira no Bairro Navegantes. O porteiro José Luís Godinho do Sacramento é morto com um tiro pelas costas pelo criminoso que levou a sua moto no Cristal. NA FRENTE DA ESCOLA No dia 26 de agosto, Cristine Fonseca Fagundes é baleada na cabeça ao ser atacada por assaltantes enquanto esperava o filho sair da escola. O crime resulta no pedido de exoneração do secretário de Segurança, Wantuir Jacini. Diante da situação crítica, Sartori vai a Brasília e pede auxílio da Força Nacional de Segurança, que manda efetivo de 150 homens à Capital. EXECUÇÃO NO AEROPORTO Marlon Roldão Soares é morto com 17 tiros em pleno saguão do Salgado Filho. BARBÁRIE NA CIDADE BAIXA Shaiene da Silva Machado, 17 anos, é morta a tiros e tem o corpo arrastado por cerca de 60 metros. VIATURAS VIRAM CELAS Com presídios superlotados, viaturas da BM são usadas como celas em outubro. NO SUPERMERCADO Marcelo Oliveira Dias é assassinado em seu carro e em frente à filha de quatro anos, no estacionamento de um supermercado da Capital.