
Pelo segundo ano consecutivo, a obra As Parceiras, de Lya Luft, está na relação de leituras obrigatórias da UFRGS. Apesar de ser uma narrativa considerada triste e por vezes até sufocante, o texto flui e suas 128 páginas podem ser consumidas em pouco tempo pelo vestibulando.
De personagens melancólicos e complexos, As Parceiras desafia o leitor a compreender o perfil psicológico da família de mulheres que norteia a obra. Segundo a autora, o livro - seu primeiro romance - trata de mulheres que amargam o insucesso, mas não no âmbito profissional.
- Ainda há muita insegurança, dificuldades com a mulher empreendedora, a mulher que ganha mais do que o marido, a mulher que se destaca. Porém, o livro não trata propriamente disso. O problema ali não é econômico, social. É um romance intimista com forte tom psicológico sobre dramas que vão existir sempre. É uma família de perdedoras - disse a autora, em entrevista quando da inclusão do livro nas leituras obrigatórias da UFRGS.
Apesar de a história girar em torno da questão do feminino e das experiências que definem as mulheres, a autora refuta a ideia de que faz "literatura feminina":
- Isso é uma besteira. Uma bobagem de rótulo. Espero não ser uma mulher que escreve sobre mulheres para mulheres. Em todos os meus romances, há personagens masculinos fortes, mesmo que sejam homens fracos. São personagens insistentes, persistentes.
Convidamos os professores de literatura do Grupo Unificado Diego Grando e Vanderlei Vicente a produzirem o material a seguir.
Conheça bem as personagens
Por Diego Grando
O vestibulando deve estar atento ao fato de que o romance de Lya Luft estrutura-se em torno de dois planos temporais: o plano do presente, que corresponde aos sete dias (de domingo a sábado, um para cada capítulo do livro) que a narradora-protagonista, Anelise, passa na casa da praia, o antigo Chalé de sua família; e o plano do passado, que corresponde à história da família de Anelise, desde sua avó, Catarina, passando pela geração de sua mãe, Norma, e de suas três tias, Beatriz, Dora e Sibila, até sua trajetória pessoal. Nesse jogo temporal, através de um monólogo interior, a narradora faz um balanço das tragédias, frustrações e traumas vivenciados pelas mulheres de sua família.
Para livros como As Parceiras, é frequente a UFRGS elaborar questões que perguntem sobre as trajetórias e perfis psicológicos das personagens. Assim, é recomendável que os vestibulandos, durante a leitura da obra, façam um pequeno resumo das características e particularidades das personagens.
Outra possibilidade é de questões que explorem interpretações simbólicas de elementos do livro: o sentido do título, a mulher misteriosa da praia, o sótão do casarão da família, a figura da tia Sibila, as pinturas da tia Dora, o final em aberto e inconclusivo do romance.
No esquema
Confira comentários de Vanderlei Vicente, professor de literatura do Grupo Unificado, sobre a obra, as personagens, a narradora e a forma como o casamento e a união são retratados ao longo do livro.
A obra
- Publicado em 1980, As Parceiras tem como personagem-narradora Anelise, uma mulher cuja vida fora marcada por perdas e relações traumáticas e que, no presente da narrativa, procura compreender sua própria trajetória a partir de suas lembranças e origens.
Praticamente isolada no chalé de praia da família, a protagonista apresenta seus dramas familiares e pessoais, a começar pela trajetória da avó, Catarina: em plena inocência de seus 14 anos, fora obrigada a abandonar as bonecas para se casar com um homem bem mais velho que a perseguia pela casa em busca de sexo. Desta relação, surgem quatro mulheres: Beatriz, Sibila, Dora e Norma. As duas primeiras filhas, principalmente, garantem a continuidade da tragédia familiar. A narrativa, na medida em que é voltada para as angústias existenciais de uma personagem feminina, remete à obra consagrada de Clarice Lispector.
As filhas
- Beatriz: é extremamente amargurada e religiosa - daí o apelido "tia Beata" -, principalmente, depois que o marido se suicida após apenas três semanas de casamento por não conseguir (dizia-se) cumprir as obrigações de homem.
- Sibila (ou Bila): anã, é fruto de uma relação sexual forçada pelo marido de Catarina.
- Dora: não quis ter filhos. "Medo que aparecesse outra Bila, outra Catarina?", questiona a narradora.
- Norma: mãe de Anelise, é descrita como "esquiva".
A narradora
- O início da juventude reservou a Anelise perdas pessoais altamente significativas. Fica órfã aos 14 anos, após os pais morrerem em um acidente aéreo. Pouco antes, já havia perdido sua única grande amiga, Adélia, que fora seu primeiro amor, "numa idade em que as almas interessam muito mais do que os corpos". Desta perda, ela nunca conseguiu se recuperar. A felicidade do casamento com Tiago dura pouco. Aflita por ter um filho, teme dar continuidade à tradição da família: "A avó, louca. A tia, anã. (...) Os abortos de Catarina. Minha mãe esquiva. Tia Beata, ressequida. Por que tia Dora não quisera filho?"
Matrimônio
- Sobre a felicidade inicial do casamento: "Por que não morremos num período assim? Antes que tudo comece a se esboroar".
- A sua faceta decadente: "Na verdade, conversávamos tão pouco, já nem sabíamos o que era mais sinistro: palavras ou silêncios".
Outros aspectos importantes
- O romance alterna o presente vivido pela protagonista com as lembranças do seu passado.
- O texto é estruturado em sete capítulos - Domingo, Segunda-feira, Terça-feira, Quarta-feira, Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado - que remetem a cada um dos dias que a protagonista passa no chalé da praia.
- As mulheres da família de Anelise - inclusive ela, é claro -, de alguma forma, mostram-se como parceiras, visto que elas são caracterizadas por existências marcadas pela tragédia.
Questões comentadas
Por Diego Grando, professor do Unificado
:: UFRGS 2014, questão 47
A narradora do romance As Parceiras, de Lya Luft, é uma
A) menina de quatorze anos que, obrigada a casar-se com um homem que abomina, narra suas frustrações em um diário.
B) pintora bem-sucedida profissionalmente que, no entanto, convive com a decepção de não ter o mesmo sucesso em sua vida amorosa.
C) jovem anã que denuncia o preconceito das demais mulheres da família em um diário.
D) mulher na faixa dos quarenta anos que, após sucessivos abortos e a separação do marido, regressa ao antigo Chalé da família para tentar compreender seus fracassos em contraponto à sina das mulheres que a cercam.
E) mulher na faixa dos sessenta anos que perde o marido logo após o casamento e narra suas desilusões de viúva-virgem.
A questão pergunta sobre as características de Anelise, narradora-protagonista de As Parceiras, corretamente colocadas na alternativa D. As outras alternativas referem-se às demais personagens: a A, à avó, Catarina; a B, à tia Dora; a C, à tia Sibila; e a E, à tia Beatriz (Beata).
:: UFRGS 2014, questão 48
Considere as seguintes afirmações sobre a relação entre espaços e personagens no romance As Parceiras, de Lya Luft.
I - O Chalé representa a família: continua de pé, mas foi se deteriorando com o tempo.
II - O sótão sugere refúgio, que pode ser físico, como no caso de Catarina, ou simbólico, como no de Anelise.
III - A cozinha representa o aconchego para uma tradicional família alemã que muito penou ao instalar-se no Brasil.
Quais estão corretas?
A) Apenas I.
B) Apenas II.
C) Apenas I e II.
D) Apenas II e III.
E) I, II e III.
Resposta C. A questão propõe interpretações simbólicas dos elementos da obra. As afirmações I e II são pertinentes, enquanto a III está incorreta. No Chalé, por exemplo, a cozinha é ocupada, basicamente, por Nazaré, a caseira, não sendo possível entender esse espaço como de "aconchego para uma tradicional família alemã".
* Zero Hora