Em meio a uma realidade cada vez mais digital, engana-se quem pensa que a arte perde espaço nas escolas. Pelo contrário: atividades ligadas à música, à pintura, à dança e ao teatro seguem vivas e são oferecidas pelas instituições em diferentes etapas de ensino.
Segundo dados do Censo Escolar de 2024, em torno de metade das 9.924 escolas gaúchas ativas possuem instrumentos e materiais para o desenvolvimento de atividades culturais e artísticas. Na rede estadual, o percentual é de 19,2%, enquanto nas municipais é de 53,6%. O maior índice é nas instituições privadas, com 69,2% delas contando com esses materiais.
Quando se analisa o número de colégios que responderam contar com instrumentos musicais, o percentual cai ainda mais: apenas um terço tem (33,8%). O índice é de um quarto (25,4%) na rede estadual e de pouco mais de um terço nas municipais (36,4%) e nas particulares (36%).
Banda marcial
Na Escola Estadual Willy Oscar Konrath, em Sapiranga, no Vale do Sinos, a história da banda marcial se confunde a da própria instituição. O colégio, conhecido como Polivalente, completa 50 anos de existência – e de banda – neste mês de outubro. O grupo é formado por 40 estudantes e tem fila de espera de alunos interessados.
— Temos alunos desde o 3º até o 9º ano (do Fundamental) e também alguns ex-alunos que já foram da banda e continuam aqui porque gostam. É muito gratificante pra gente. A nossa banda é convidada em vários momentos para se apresentar — relata a diretora do Polivalente, Márcia Scotti.

Para participar, não é necessário ter conhecimento prévio: o professor Guilherme Roberto Krummenauer ensina os estudantes do zero. A chance de aprender a tocar trompete animou Helena Barroso Stahlhöfer, 10 anos, que está na banda desde o ano passado:
— Eu via a banda desde quando eu era pequenininha, desde quando eu entrei na escola, e sempre quis fazer parte da banda, que é parte da história do Poli (apelido da instituição). Eu queria muito trompete, que é um instrumento muito legal, né? Daí agora eu tô tocando e eu não me arrependo de entrar na banda.
Na hora de se inscrever, Helena insistiu para que sua melhor amiga, Djúlia Gabrieli Wirth, 11 anos, também ingressasse.
— Eu entrei graças a minha melhor amiga. Ela me implorou pra entrar na banda e eu decidi entrar. Não me arrependo nada, nada, porque é muito legal tocar na banda. É muita inspiração que eu tive, e também eu fiz várias amizades — diz a Djúlia.

A estudante hoje toca escaleta, mas começou no pandeiro, junto com Helena. Ambas gostam de seus instrumentos porque fazem parte do grupo que estabelece a melodia das canções. Além de aprender a tocar, as amigas sentem que desenvolveram outras habilidades na banda.
— O trompete me ajudou a ter mais responsabilidades com as coisas, porque é uma responsabilidade muito grande. E me ensinou também a ter mais determinação nas coisas, porque eu tive muita determinação pra conseguir esse trompete. Ele também às vezes nos deixa mais calmos, quando a gente tá meio ansioso — analisa Helena.
A participação na banda faz com que Djúlia aproveite melhor o tempo livre.
— Antes, eu não tinha nada para fazer e sempre ficava no celular à tarde. Agora que eu tenho um instrumento, posso tocar. Se eu não tenho algo para fazer e estou no tédio, posso pegar meu instrumento e tocar. Quanto mais eu treinar, melhor, né? — comenta.
Os instrumentos são fornecidos pela escola. O repertório consiste em hinos como o nacional e o de Sapiranga, além de músicas populares e natalinas. Diferentemente de outras bandas, a do Polivalente ainda se apresenta marchando, e não caminhando.
O próprio professor Guilherme começou sua trajetória musical na banda da Escola Estadual Erico Verissimo, de Sapiranga. No seu caso, a experiência o ajudou no seu quadro de déficit de atenção e hiperatividade.
— Eu tinha 13 anos e a música me fez muito bem, me ajudou a trabalhar a questão da atenção. Já são 25 anos que eu trabalho com música e é uma paixão muito grande, porque eu posso passar o meu conhecimento e ver os alunos tocando — relata o docente.
Na memória do professor estão alunos que passaram pela banda marcial do Polivalente nos 16 anos em que leciona lá e, hoje, tocam na banda do Exército ou em bandas de baile profissionais. Mas mesmo para aqueles que não seguem carreiras musicais, o docente acredita que a experiência é benéfica.
— A gente tem um grande problema na sociedade, que é a questão do celular. A banda é um modo de o aluno se desligar um pouco disso, vivenciar um pouco uma cultura que já vem de bastante tempo e é um desafio diário para eles — observa Guilherme.
Diretora da escola há 13 anos, Márcia considera importante investir no ensino de habilidades artísticas para trabalhar questões emocionais.
— Temos muitos alunos com problemas de ansiedade, essas coisas, e a música faz uma diferença enorme, porque acalma. Ela ajuda mesmo no aprendizado de outras matérias, para eles saberem regular as suas emoções. Eles gostam e faz toda a diferença na sala de aula — salienta a gestora.
Por enxergar essa importância, a diretora investe parte do dinheiro da escola na compra regular de instrumentos e fardamento para a banda. A instituição também trabalha com um projeto de dança criativa, que dá aulas de diferentes tipos de dança. Existente há três anos, o projeto é integrado por 20 alunas, que também se apresentam em eventos da cidade.
Projetos contínuos
O Colégio Mãe de Deus, na zona sul de Porto Alegre, mantém um trabalho que insere artes visuais, música, teatro e outras linguagens no cotidiano escolar desde a Educação Infantil até o Ensino Médio. As atividades buscam integrar criação, sensibilidade e construção de significados à formação dos estudantes.
Na Educação Infantil, a instituição desenvolve um projeto de vernissage inspirado nas obras de Joan Miró. As crianças fazem releituras, observam, experimentam e produzem criações próprias. A proposta é estimular a coordenação motora, a imaginação e o contato com referências artísticas.
— A arte transcende o papel de uma mera disciplina para se consolidar como uma linguagem vital no desenvolvimento integral de crianças e adolescentes — afirma Andreza da Silva Vargas, coordenadora pedagógica da Educação Infantil e Anos Iniciais.

No 1º ano do Ensino Fundamental, arte e música se encontram no projeto “Floresta Feliz”, musical produzido coletivamente pelos alunos. A atividade reúne sons, ritmos, movimentos e narrativas, ampliando as possibilidades de expressão oral, corporal e social.
O colégio mantém ainda oficinas de arte visando ao desenvolvimento de múltiplas linguagens e talentos e aulas regulares de música nos Anos Iniciais. Um coral formado por alunos dessa etapa é oferecido como atividade extracurricular, o que lhe permite explorar a voz, aprimorar a escuta e o trabalho em equipe.
Do 6º ao 9º ano do Fundamental, o trabalho é estruturado por etapas:
- No 6º ano, o foco é o desenho criativo e interpretativo, com introdução à teoria da arte
- No 7º ano, os estudos sobre artistas e movimentos artísticos são aprofundados e associados a técnicas híbridas
- No 8º e 9º anos, a proposta inclui obras contextualizadas, instalações, interferências urbanas e murais, conectando as produções dos estudantes a temas atuais
Na 3ª série do Ensino Médio, a história da arte é revisitada com ênfase prática. Os alunos simulam vivências do campo profissional, produzindo vídeos, curadorias, exposições e experimentações com materiais.
— Mais do que ensinar técnicas, o objetivo é formar sujeitos sensíveis, criativos e críticos, capazes de reconhecer a arte como parte fundamental da cultura e da vida em sociedade — diz Vivian Wouters, professora de Artes do 6º ao 9º ano e da 3ª série do Ensino Médio.
O colégio ainda promove anualmente um sarau com alunos de diferentes idades para apresentações em música, poesia, teatro, dança e outras expressões. Segundo a coordenação pedagógica, a arte é tratada como linguagem fundamental no processo educativo. A proposta é que os jovens reconheçam seu papel na cultura e na sociedade, desenvolvendo autonomia, sensibilidade, criatividade e visão crítica ao longo da trajetória escolar.



