
Histórias de transformação pessoal e profissional se repetem entre ex-bolsistas do Programa Universidade para Todos (Prouni). Criada em 2005 para ampliar o acesso ao Ensino Superior privado, a iniciativa, que completou 20 anos de existência neste ano, permitiu que brasileiros de baixa renda ingressassem em cursos antes considerados inacessíveis.
Entre bolsas integrais e parciais, mais de 3,6 milhões de pessoas tiveram acesso ao benefício, que prevê a oferta de vagas em instituições privadas de Ensino Superior. Destas, 2,6 milhões obtiveram bolsas integrais e cerca de 1 milhão receberam 50% de desconto na mensalidade. Em torno de 1,5 milhão já concluíram a graduação no Brasil.
No Rio Grande do Sul, 252 mil estudantes ingressaram em universidades particulares pelo Prouni e 123 mil deles já se formaram.
Nos relatos de quem se formou com bolsas integrais, o acesso ao diploma aparece como o símbolo de uma mudança de vida – e, em muitos casos, a primeira graduação na família. Ao mesmo tempo, há consenso sobre o que ainda pode melhorar: ampliar o número de bolsas e tornar o programa mais conhecido entre estudantes de escola pública.
Advogada
Nascida e criada na Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre, Vanessa Porto Alegre, 32 anos, sempre estudou em escola pública. Filha de um vigilante e de uma cuidadora de idosos, cresceu em um ambiente onde o Ensino Superior parecia distante.
— Ingressar na universidade privada era algo muito fora da minha realidade — conta a advogada.
O pai, que concluiu a Educação Básica junto com as três filhas para poder ajudá-las nos estudos, incentivava o sonho da jovem de cursar Direito.
A primeira bolsa do Prouni veio para o curso de Serviço Social no Centro Universitário Metodista IPA, mas Vanessa logo percebeu que queria seguir outro caminho:
— Eu queria estar do outro lado da rede. Queria uma advocacia com uma visão mais humanitária e social.
Após tentar novamente o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), conseguiu bolsa integral em Direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

— Eu caí de paraquedas na PUCRS. Era um universo completamente diferente do que eu conhecia. Fui a primeira da família a entrar na faculdade — lembra a advogada.
O ingresso abriu caminho para outros: as duas irmãs e, depois, o pai também ingressaram no Ensino Superior, todos como bolsistas do Prouni.
Durante a graduação, Vanessa trabalhou e fez estágios no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e em escritórios de advocacia. Formada, passou a atuar nas áreas cível e empresarial. Hoje, atua na Koch Advogados e mantém um projeto social no qual oferece atendimento jurídico gratuito em ações relacionadas à saúde.
— Como eu tive bolsa integral, prometi que retribuiria isso à sociedade. É uma forma de devolver o que recebi — explica a profissional.
Para a advogada, o programa poderia alcançar mais gente – ser ampliado tanto em quantidade de vagas, pois "muitos estudantes levam anos para conseguir uma bolsa”, como em acesso à informação sobre a sua existência.

Professor
Bruno Maciel, 28 anos, foi o primeiro da família a entrar na universidade. O jovem estudou em escola estadual e só soube da existência do Prouni no fim do Ensino Médio.
— Na minha escola, não se falava em vestibular nem em Prouni. Fiquei sabendo pelos meus pares, já perto de terminar — recorda o professor.
A bolsa foi o que possibilitou o ingresso. Bruno usou o programa três vezes: para cursar Turismo, História e, por fim, Pedagogia na UniRitter – curso que concluiu em 2024.
— Se não fosse o Prouni, eu não teria me formado. Minha condição econômica não permitiria pagar uma faculdade — afirma o pedagogo.
Durante a graduação, conciliou o curso com o trabalho em tempo integral e enfrentou dificuldades com a mudança para o ensino remoto durante a pandemia, o que considera ter prejudicado a formação. Apesar dos desafios, considera que o programa transformou sua trajetória.
— O Prouni me deu a oportunidade de conhecer professores e colegas que ampliaram minha visão de mundo. Hoje sou professor e faço pós-graduação porque tive acesso a essa política pública — complementa Bruno.
Sobre possíveis melhorias, o jovem defende a ampliação das bolsas e incentivos específicos para a área da educação. Na opinião dele, “a docência é desvalorizada e, sem incentivos, é difícil atrair novos professores”.

Psicóloga
Danyele Wilbert, 33 anos, começou a graduação em Psicologia na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) como aluna pagante. Trabalhava durante o dia em uma empresa de Gravataí e fazia poucas disciplinas por semestre para conseguir arcar com os custos.
— Cheguei a cursar dois anos pagando, fazendo só duas cadeiras por semestre. Quando consegui a bolsa integral do Prouni, em 2014, foi a minha chance de acelerar os estudos — conta.
A psicóloga concluiu o curso em 2019, depois de sete anos, e foi a primeira da família a se formar com o programa.
— Sem o Prouni, eu levaria o dobro do tempo. A bolsa foi determinante — observa a profissional.
Os estágios em Psicologia, não remunerados, exigiram apoio familiar:
— Foi o período mais difícil, mas tive muita ajuda.
Formada pouco antes da pandemia, Danyele iniciou a carreira atendendo de forma online, modelo que mantém até hoje. Atualmente, mora na Espanha e atende exclusivamente pacientes brasileiros pela internet:
— A bolsa me deu uma profissão. Foi o que tornou possível eu viver da psicologia, inclusive fora do país.

Designer de moda
Para Bárbara Duprat, 31 anos, o Prouni representou a possibilidade de transformar um sonho distante em realidade. Vinda de uma família de baixa renda, estudou em escola pública e trabalhou desde cedo. Tentou o programa pela primeira vez em 2011, mas só conseguiu a bolsa integral em 2014, após várias tentativas.
— Comecei a trabalhar como vendedora e financiava o curso, mas meu foco era conseguir o Prouni. Quando veio a notícia da bolsa, foi uma virada de vida — recorda.
Durante a graduação em Design de Moda na Universidade Feevale, conciliou trabalho em tempo integral com os estudos noturnos. A maior dificuldade era comprar os materiais exigidos pelo curso.
— Tive que fazer um empréstimo para conseguir concluir o trabalho final — relata a designer de moda.
Mesmo com os obstáculos, completou a formação e passou a atuar na área, primeiro em Novo Hamburgo e, atualmente, em Florianópolis.
Segundo Bárbara, o acesso ao programa teve reflexos na sua família:
— Minha irmã, que é 15 anos mais velha, se inspirou e fez um curso técnico depois que me viu entrar na faculdade. Às vezes o que falta é alguém mostrar que é possível.
Para a designer de moda, o Prouni é “essencial para mudar realidades”. A jovem lamenta, contudo, a redução da visibilidade do programa. Em sua visão, não se fala mais tanto sobre ele.

Médica
Ingrid Manoela Aguiar, 34 anos, soube do Prouni ainda enquanto estava na escola, e viu no programa a chance de cursar Medicina, algo que parecia inalcançável para sua família. Natural de Santa Vitória do Palmar, no Sul do RS, entrou na PUCRS em 2011 e se formou em 2016.
— Na minha família, só minha irmã tinha Ensino Superior, em Educação Física. Eu fui a primeira médica — afirma Ingrid.
A rotina intensa do curso exigia dedicação exclusiva:
— Tive muito apoio da família, que se organizava para que eu não precisasse trabalhar. Nos últimos anos, fiz estágios remunerados, mas sabia que era a única oportunidade que eu teria de mudar a minha realidade e da minha família.
Hoje, Ingrid atua na área médica e considera que o programa foi decisivo para isso.
— O Prouni é um baita programa. Permite que pessoas esforçadas, sem condições de pagar uma graduação, realizem seus sonhos. A educação muda o futuro e deveria ser o foco de qualquer governo — defende a médica.
Instituído por lei em 2005, o Programa Universidade para Todos (Prouni) oferta bolsas de estudo em instituições de educação superior privadas. O programa ocorre duas vezes ao ano e tem como público-alvo o estudante sem diploma de nível Superior. De acordo com o Ministério da Educação (MEC), o Prouni tem mais de 3,5 milhões de estudantes beneficiados desde 2005 até a primeira edição de 2025.





