
O Rio Grande do Sul (RS) está entre os Estados com maior concentração de médicos especialistas. É o que aponta da Demografia Médica 2025, que traz dados do cenário da formação médica e da profissão no Brasil. Entre as Unidades Federativas (UFs), o RS tem a quarta maior proporção.
O Estado conta com 38,7 mil médicos, com proporção de 3,45 profissionais a cada mil habitantes. Destes, 26,3 mil são especialistas. A cada 100 mil habitantes, o RS tem razão de 234,44 especialistas, atrás do Distrito Federal (453,5), seguido por São Paulo (244,19) e Rio de Janeiro (237,23).
O RS também está entre as UFs com maior concentração de especialistas em medicina de família e comunidade, com 1,5 mil profissionais. A cada 100 mil habitantes, há proporção de 13,46 especialistas na área, colocando o RS na terceira posição entre os Estados.
Do total de profissionais no RS, 16,4 mil atuam em Porto Alegre. O estudo acende um alerta sobre a distribuição irregular de médicos no Brasil.
Conforme a coordenadora curso de Medicina da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Maria Eugênia Bresolin Pinto, o Estado tem forte tradição na formação médica, com escolas de referência:
— Temos faculdades bem consolidadas, com anos de existência e de contribuição para a formação de médicos que atuam dentro e fora do Brasil. Tem um grande contingente de médicos gaúchos espalhados mundo afora, em postos muito importantes.
O risco, segundo ela, é a abertura desenfreada de novas vagas e cursos na área. Isso pode comprometer o ensino, uma vez que diversas instituições não contam com a estrutura adequada para garantir uma boa formação.
Elaborada pelo Departamento de Medicina Preventiva de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), a pesquisa aponta que o RS conta com 20 escolas médicas e 408 programas de residência médica. O Estado concentra 4% das vagas de Medicina no país, com 1,9 mil vagas por ano. Atualmente, há 3,3 mil médicos residentes no RS.
— Precisamos dar condições para que os alunos se formem com qualidade. Muitas instituições acabam solicitando novas vagas em Porto Alegre. Isso também acaba sobrecarregando o município, colocando pressão no nosso sistema de saúde — explica a professora e médica de família.
Compromisso com a ciência
Maria Eugênia ressalta a importância de haver, nas formações, docentes comprometidos com a ciência, reforçando o papel dos médicos no combate às notícias falsas.
— Temos trabalhado muito em sala de aula essa questão das redes sociais, das fake news. Entendemos que o estudante medicina é um formador de opinião. A partir do momento em que o aluno começa o curso, as pessoas passam a ter outro olhar. Então, é importante que eles tenham essa consciência e sejam protagonistas na divulgação de notícias corretas.
A preocupação com a formação de qualidade também apareceu nas falas de estudantes ouvidos pela reportagem, como Victor Hugo Dresch, do 7º semestre de Medicina na Universidade Feevale:
— Tem muitos profissionais em formação, só que com baixa qualidade de ensino. A gente percebe que os profissionais que estão saindo não estão acompanhando no mesmo ritmo de pessoas que vieram antigamente. E isso vai fazer diferença pra futuras pessoas que estudam, que estão comprometidas com o curso — afirma.
O estudante de 25 anos diz que um dos principais desafios do curso é a carga horária exaustiva. Ele ingressou no curso com o intuito de se tornar cirurgião plástico, mas gostou tanto de gastroenterologia que os planos mudaram – agora, pretende atuar na área de cirurgia do aparelho digestivo.
Para Kyliana Gerhardt Sevald, 24 anos, do 7º semestre de Medicina na Feevale, a divulgação científica faz parte de seu trabalho como futura médica.
— Bons profissionais sempre têm espaço, sempre têm pacientes, têm demanda. Principalmente aqueles profissionais cujo compromisso é com a ciência, que não divulgam fake news, que se comprometem em divulgar a verdade — afirma.
A jovem é de Novo Hamburgo e pretende atuar na área de dermatologia. Ela relata que se preocupa com a banalização dos atos médicos, que está fazendo com que profissionais de outras áreas acabem exercendo atos de assistência à saúde.
A Demografia Médica mostra que, pela primeira vez, as mulheres são maioria entre os médicos em atividade no país. O Brasil deve terminar o ano com 635,7 mil médicos em atividade, sendo que elas representam 50,9%. No RS, elas representam 48,3% da categoria.
Outro dado que chama a atenção é a baixa atratividade da carreira de médico generalista. No RS, somente 32,1% dos profissionais atuam nessa área, sendo que outros 67,9% são especialistas. No Brasil, 40,1% são generalistas, enquanto 59,9% atuam em alguma especialidade médica.
Distribuição desigual
Embora haja uma grande quantidade de médicos no Estado, atingindo o recomendado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é de 3,5 por mil habitantes, o fato de boa parte dos profissionais estarem concentrados na Capital preocupa entidades como o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers).
O levantamento da USP indica que 42,3% dos médicos atuam em Porto Alegre, dos 38,7 mil do Estado. Conforme o presidente do conselho, a má distribuição é reflexo da falta de incentivos para a fixação de profissionais em municípios do interior, situação que perdura há anos.
— Muitos médicos acabam se formando em faculdades no Interior, em municípios sem estrutura. Mas criar novas faculdades não fez com que os médicos se fixassem nestes locais. Em vez disso, os profissionais acabam migrando para outras localidades. O grande obstáculo é criar uma rede adequada para comportar nossos alunos e formar médicos em boas condições — defende o presidente do Cremers, Eduardo Neubarth Trindade.
Em outros locais do país, o cenário é semelhante – fora das capitais, a presença de médicos ainda é muito desigual. Na região Norte, há apenas 0,75 médicos por mil habitantes em cidades do Interior. A situação é mais grave em Estados como Roraima (0,13) e Amazonas (0,20).
As cidades grandes concentram, sobretudo, os médicos especialistas. Segundo a Demografia Médica, a região Sudeste concentra a maior parte dos especialistas (55,4%), seguida pelas regiões Sul (16,7%), Nordeste (14,5%), Centro-Oeste (7,5%) e Norte (5,9%).
Para tentar reverter esse cenário e ampliar a formação de especialistas em áreas estratégicas para o Sistema Único de Saúde (SUS), o Ministério da Saúde lançou, neste mês de maio, um edital de apoio técnico que visa incentivar a criação de novos programas de residência médica e residência em área profissional da saúde.
Podem aderir órgãos e instituições públicas e privadas interessados em ofertar novos programas de residência. O objetivo do Ministério da Saúde é ampliar a formação profissional de qualidade em regiões com menor cobertura assistencial.