
Avaliada a cada dois anos pelo Ministério da Educação (MEC), a aprendizagem dos estudantes no final do Ensino Médio cresceu pouco no Brasil e caiu no Rio Grande do Sul desde 2007. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), porém, não mostra isso – o motivo é que o indicador, que é o principal instrumento de análise da qualidade dessa etapa no país, leva em conta, além do desempenho nas provas, a taxa de alunos que passaram de ano, que aumentou no período.
O Ideb é calculado com base no percentual de estudantes que foram aprovados naquele ano e nos resultados dos alunos nas provas de matemática e língua portuguesa aplicadas no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Entre 2007 e 2023, o índice entre os que estavam concluindo o Ensino Médio na rede pública subiu de 3,2 para 4,1 no Brasil (28,1%) e de 3,4 para 3,9 no RS (14,7%).
Já o desempenho nos exames teve aumento inferior em nível nacional (6,1%) e caiu 1,9% em nível estadual.
O resultado ruim foi puxado pelo baixo rendimento dos estudantes em matemática. Se a média brasileira foi de incremento de apenas 0,4% na nota no Saeb nessa disciplina entre 2007 e 2023, os alunos gaúchos apresentaram piora de 4,6% no período. Em língua portuguesa, o crescimento na nota foi de 6,4% no Brasil e de 2,3% no RS.
Em paralelo, a taxa de aprovação subiu 20,1% em nível nacional e 17,5% em nível estadual. O RS, conhecido por especialistas por ter uma tradição de reprovação, passou de uma média de 70% de estudantes do Ensino Médio aprovados, em 2007, para 82%, em 2023.
Diretor da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), Bruno Eizerik realizou um levantamento focando nos dados nacionais.
— Na realidade, a aprendizagem dos nossos alunos aumentou muito menos do que índice de aprovação destes alunos, o que mascara a verdade, gerando um falso resultado positivo.
O desempenho vinha melhorando até que começou a pandemia – em 2017, por exemplo, a nota média no Saeb entre os alunos gaúchos foi 4,58, e passou para 4,88, em 2019. Em 2021, no entanto, caiu para 4,71. O resultado, em 2023, foi de 4,74, ainda aquém do período pré-pandêmico. Situação semelhante foi registrada no país.
— A pandemia prejudicou a rede privada, mas muito mais a rede pública. Além disso, nós não temos políticas de Estado para a educação, e aí eu falo de município, Estado e país. (...) Nós tínhamos um Novo Ensino Médio recém implementado que foi cancelado pelo atual governo. Em países que têm uma educação de referência, como a Finlândia e a Estônia, não importa quem é o presidente: a política educacional está traçada para os próximos anos.
Eizerik entende que falta um compromisso maior da própria população com a educação. Como exemplos, cita o fato de as escolas terem sido os primeiros espaços a serem fechados tanto durante a pandemia como, no ano passado, com a enchente. Na sua opinião, “é muito mais fácil subir a taxa de aprovação do que a de aprendizagem”.
— Se eu aumento de 97% para 98% a minha taxa de aprovação e mantenho a mesma aprendizagem, meu Ideb melhora. Então, às vezes, é muito mais fácil só passar o aluno para a frente.
O diretor da Fenep elogia algumas iniciativas do governo do RS, como o esforço para alfabetizar na idade certa – este um programa que reúne municípios, Estados e governo federal – e a oferta de aulas de reforço em língua portuguesa e matemática no contraturno, mas ressalta que os resultados sempre são vistos a longo ou, no mínimo, médio prazo.
Problema multifatorial
Pedagoga e professora da Faculdades Integradas de Taquara (Faccat), Aline Alves considera que a expansão desenfreada da oferta de cursos de licenciatura no formato de ensino à distância (EAD) nos últimos anos contribuiu com o ingresso de professores, nas escolas, que têm pouca experiência prática, o que repercutiu na qualidade de ensino.
O reforço na formação docente e o combate ao abandono escolar por parte dos alunos são dois elementos que, na opinião dela, precisam de um olhar especial. O principal, contudo, é o foco nas desigualdades sociais na base dessa pirâmide.
— É preciso haver políticas intersetoriais, que não contem apenas com as pastas de educação, para que aconteça uma melhoria na qualidade de vida da população. Mais de 80% dos alunos estudam em escolas públicas. Se isso não acontecer, será muito difícil revertermos esses quadros de baixa qualidade do ensino ministrado e da educação como um todo — pontua.
Aline cita ainda a movimentação a partir de 2016 para a reforma do Ensino Médio, o congelamento dos gastos com a educação nessa época e a própria pandemia como fatores que impactaram na redução da qualidade educacional. Ao mesmo tempo, ressalta que há muita gente trabalhando para melhorar a educação.
— A gente não pode se conformar com esses baixos índices e temos que sempre lotar. O Ideb não é o único critério de qualidade. Ele é importante, mas tem muitos outros critérios que precisam ser considerados, como infraestrutura das escolas, valorização e formação de professores, investimento em espaços qualificados para os estudantes se sentirem bem, ambiente institucional saudável, entre tantos outros — cita a professora.
Quem tem medo de matemática?
Em matemática, disciplina na qual foram registrados os índices mais baixos e leve piora no desempenho no RS, a professora Marilaine de Fraga Sant’Ana, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), avalia que acaba revelando problemas que são gerais de aprendizagem.
— A matemática tem uma linguagem muito própria que depende também da língua portuguesa: o estudante tem que dominar a leitura para, então, entender matemática. A matemática também traz uma carga emocional muito grande. Existe um histórico de aversão a matemática e um entendimento de que ela é só para grandes gênios, o que desmotiva — reflete a docente, que leciona no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Matemática e na Licenciatura em Matemática da instituição.
Marilaine diz ter ressalvas com relação a avaliações externas como o Saeb, que entende que podem ser “um pouco perigosas”, já que boas notas podem revelar simplesmente que uma determinada escola ou rede treinou para aquele tipo de exame, e não um conhecimento genuíno. Entretanto, considera inegável que tem havido problemas sérios na aprendizagem.
Assim como Aline, a docente destaca a valorização dos professores – não apenas financeira – como um aspecto fundamental para reverter esse cenário. A educadora também aponta para a importância de humanizar a matemática, levando-a para os problemas cotidianos dos estudantes, como forma de desmistificá-la.
O que está sendo feito
Majoritariamente mantida pela rede estadual no RS, a oferta de Ensino Médio em escolas públicas tem recebido implementações de iniciativas, nos últimos anos, que a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) tem expectativa de que revertam em uma melhora na aprendizagem e, consequentemente, na nota do Saeb e do Ideb.
Uma das principais estratégias foi a criação dos Estudos de Aprendizagem Contínua, que envolvem atividades pedagógicas ao longo do ano para acompanhamento especialmente de estudantes que precisam de reforço em língua portuguesa e matemática. Alunos com bons desempenhos são incentivados a atuar como mentores, auxiliando os colegas. A cada trimestre, o aprendizado dos alunos é avaliado.
Há poucas semanas, a Seduc lançou também a Política de Proteção à Trajetória do Estudante, que visa prevenir a evasão escolar e deverá aumentar a taxa de aprovação dos alunos. É utilizada uma ferramenta de inteligência artificial na qual são registrados dados de frequência, motivos de afastamento e histórico dos estudantes. O sistema identifica padrões e classifica o risco de abandono escolar daquele indivíduo.
A partir dessa análise, as equipes diretivas podem planejar e executar ações de acordo com o perfil de cada aluno. Entre os principais fatores de risco mapeados estão insuficiência de renda, dificuldade de acesso à escola, violência, baixa autoestima acadêmica, questões de saúde física e mental e os impactos de eventos climáticos. Para cada um desses eixos, a política propõe medidas preventivas e mitigatórias.
Nos grupos mais vulneráveis, como estudantes gestantes, mães adolescentes e vítimas de violências, as ações incluem, por exemplo, adaptação curricular, flexibilização de frequência e apoio psicossocial. Em situações de emergência climática, são ativados protocolos de contingência que garantem transporte, acolhimento, continuidade do ensino e recuperação da aprendizagem.