O mundo da ciência pode parecer uma incógnita quando se olha para aqueles nomes de espécies em latim, elementos nas tabelas periódicas ou fórmulas de física. Para traduzir esses códigos e trazer para a vida real os saberes científicos, escolas apostam em museus, laboratórios, projetos e experimentos que ensinem tudo isso na prática para os estudantes.
O Colégio Anchieta, no bairro Três Figueiras, em Porto Alegre, conta com um reforço de peso no aprendizado nessa área: o Museu Anchieta de Ciências Naturais, um dos maiores museus escolares da América Latina.
Fundado em 1908, o local conta com 130 mil insetos catalogados, 118 mil aracnídeos, 12 mil peixes, centenas de animais taxidermizados e outros materiais biológicos, geológicos, arqueológicos e etnográficos. Além de atender aos alunos da escola, o espaço é aberto à visitação do público externo.
— Conseguir manter esse acervo numa escola, o que é bem difícil, é muito importante, tanto para a pesquisa quanto para os alunos também terem acesso. Aqui tem coleções que eu não tive acesso nem na minha graduação em Biologia, que dirá ter acesso numa aula de 5°, 6° ano — destaca Alana Cioato, que tem mestrado em Museologia e é museóloga do espaço.
Uma das peças de mais destaque é uma máquina planetária criada no século XIX na França. O equipamento é ativado com uma chave que dá corda em sua mecânica, simulando os movimentos dos planetas do Sistema Solar. Segundo a equipe do museu, hoje há apenas duas máquinas dessas no mundo – a outra está no Museu Nacional de Ciência e Tecnologia Leonardo da Vinci, em Milão.
Tereza Schuch Bothome, 13 anos, sempre foi muito curiosa e gosta de saber o porquê das coisas – isso, somado à existência do museu na escola onde estuda desde pequena, a levou ao gosto por ciências.
— Quando a gente veio para cá (ao museu), eu consegui sentir pela primeira vez o que é o gostinho de ter o poder de saber o que é. Por exemplo, eu lembro quando a gente estava estudando animais que existem no mar, nos oceanos, e lembro que eu vi uma estrela do mar aqui que me chamou muita atenção. Aí, estudei mais sobre pela para matar a curiosidade — recorda a estudante.
Esses dias, um besouro entrou na casa da menina. Ela o reconheceu como um inseto que tinha visto no museu, sendo aquela a exposição de que mais gosta no local. No dia seguinte, foi lá conferir: era um escaravelho.
A proximidade com os espécimes também é o que atrai Francisco Frazão Chaves Ventura, 13 anos, ao museu.
— Eu acho muito interessante quando eles nos trazem para cá, nos mostram as coisas, para a gente ter uma imagem mais real daquilo que a gente está estudando e não ficar só no papel. Nos ajuda a ver que aquilo existe no mundo, espalhado por aí — observa.
O garoto tem predileção tanto pela exposição de animais taxidermizados como pela de esqueletos dos bichos.
— Eu acho muito irado quando aparece nos filmes os esqueletos de como eram os animais. É sempre muito estranho quando eu vejo eles, porque às vezes é um esqueleto bem fino e o animal é bem gordão, cheio de massa, e o esqueleto é bem menor do que ele realmente era — comenta Francisco.
Professora de Ciências do Anchieta, Mariel Dietrich era aluna do colégio e, durante a graduação em Biologia, se tornou estagiária do museu. Nele, sente ter aprendido a importância do espaço no processo de ensino-aprendizagem.
— Como professora, acho muito importante a gente ver no aluno aquele olhinho brilhando, o despertar do interesse, da curiosidade, a empolgação deles. Eu acho que é nisso que o museu ajuda: a gente tem um espaço com uma riqueza de experiências que auxilia na formação integral do nosso aluno — relata.

Recuperação ambiental
No Vale do Taquari, a Escola Estadual de Ensino Médio Estrela engajou os alunos em um projeto de recuperação ambiental de uma área do município de Estrela após a enchente de 2024.
A professora de Biologia Bruna Leindorf, que já tinha o hábito de sair com os estudantes para fazer trilhas em meio à natureza, resolveu, depois que a inundação destruiu a Trilha do Fritz, propor que as caminhadas envolvessem a rearborização da área.
— Fizemos a coleta de sementes e, dessas sementes, a produção de mudas, para que agora, quando fazemos nossas caminhadas, não caminhar só para olhar desgraça: vamos fazer alguma coisa — descreve a diretora da instituição, Sirlei Lohmann.
A gestora, que também é professora de Biologia, acredita no potencial da ciência na mobilização dos alunos. Outro exemplo disso foi no retorno às aulas presenciais no período pandêmico, quando Sirlei decidiu organizar uma feira de ciências:
— Foi um sucesso (a feira): tivemos 104 trabalhos apresentados, sendo que somos uma escola de 400 alunos. Tivemos trabalhos que o prefeito da época contratou alunos para irem trabalhar na prefeitura e darem sequência aos seus projetos.

Apoio a escolas públicas
Um desafio para muitas escolas públicas é a falta de laboratórios que permitam pôr experimentos em prática. Pensando nisso, o campus Feliz do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) desenvolveu o projeto Experimentoteca, no qual empresta kits para a realização de experimentos de ciências da natureza a instituições públicas. Ideia da professora Alessandra Smaniotto, hoje, a iniciativa é assumida pela por Janete Liberatori.
— As escolas da região fazem a reserva pelo Instagram, a gente monta, coloca os reagentes e eles buscam, fazem o experimento dentro do conteúdo que estão desenvolvendo e, depois, devolvem. Aí, avaliamos as condições, fazemos a higienização e montamos novamente. A ideia é despertar o interesse na área da química — pontua Janete.
Conforme a educadora, além de suprir a falta de laboratórios, o projeto visa apoiar professores que têm pouco tempo para criar um experimento. Por isso, os conjuntos são acompanhados por roteiro e fundamentação teórica do assunto. Com os kits, fazer os estudantes colocarem a mão na massa e explorarem a curiosidade inata a crianças e adolescentes fica mais fácil.
Escolas que tiverem interesse podem entrar em contato com o projeto neste link.
Historietas científicas
Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o professor Marcelo Eichler, que pesquisa há 25 anos sobre tecnologias digitais e sua relação com o ensino de química, desenvolveu, em parceria com colegas, uma série de softwares educativos para a disciplina.
Pensando no interesse dos estudantes da Educação Básica por conteúdos voltados para celulares, o grupo passou a criar atividades com as quais os alunos pudessem refletir sobre temas de ciências da natureza. Foi aí que o projeto de historietas científicas em stop motion passou a existir:
— A utilização de narrativas visuais para o ensino de ciências tem sido apontada há muito tempo. Tem colegas que trabalham com o desenvolvimento de histórias em quadrinho, a partir da criação ou adaptação de uma história que estava em formato texto. Essa também é uma estratégia pedagógica de professores europeus — relata Eichler.
As historietas têm cerca de um minuto. O trabalho é desenvolvido com financiamento da Fapergs e, mais recentemente, do CNPq, pelos estudantes de licenciaturas como Química, Física e Biologia e do Mestrado Profissional em Química em Rede Nacional. As gravações contam com bonecos do Lego, Playmobil e Lego Duplo. Eventualmente, as Polly Pockets são convidadas a participar.
Muitos dos vídeos são inspirados em uma campanha do metrô na Austrália chamada Dumb Ways to Die (Maneiras Estúpidas de Morrer, em tradução livre).
— Fizemos uma discussão durante dois anos com os estudantes sobre criar historietas científicas de pessoas que acabam morrendo por não saberem química. Uma história recorrente é a da pessoa que está fazendo churrasco no pátio, sente frio, leva a churrasqueira para dentro, fecha toda a casa e acaba morrendo intoxicada pelo monóxido de carbono liberado.
No entendimento do professor, o aprendizado em ciências ou em química é sempre lento, gradual, difícil e cheio de obstáculos. Estratégias como o stop motion podem auxiliar no “multiletramento” dos estudantes na linguagem química, tão distante do cotidiano dos alunos, propiciando que eles compreendam melhor os recursos digitais e os conceitos científicos.
“Ciência não é algo de outro mundo”
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde, da UFRGS, Tatiana Camargo destaca que é preciso criar um significado para a ciência na vida da criança.
— A criança precisa entender que ciência não é algo de outro mundo, é algo que pertence a ela também, ao cotidiano, e que, por isso, faz sentido para ela. Então, falar de conceitos que tenham nomes difíceis e explicações mirabolantes e inacessíveis não é atrativo — resume Tatiana.
E a abordagem tem possibilidades diversas: para além do espaço do laboratório, podem ser desenvolvidos jogos, objetivos digitais de aprendizagem, clubes de ciências, projetos de investigação.
— Não é você ir ao laboratório repetir experimentos clássicos que todo mundo já conhece, o que se chama “demonstração”. Tem toda uma linha que promove a investigação, que é pegar perguntas feitas pelas crianças e trabalhar com elas um método científico mostrando como podemos fazer para respondê-las. Nesse processo, você vai ensinar o que é um método científico — sugere Tatiana.
A visita a ambientes como museus, postos de saúde e até mesmo uma horta comunitária têm potenciais pedagógicos importantes.