
Um estudo publicado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Instituto Nacional de Pesquisa da Polônia (Nask) indica as profissões que devem ser mais e menos impactadas pela inteligência artificial (IA) generativa (tecnologia capaz de criar novos conteúdos).
O relatório aponta que um a cada quatro empregos no mundo (24%) tem algum grau de exposição à IA, mas frisa que muitas profissões devem ser transformadas, e não necessariamente substituídas pela tecnologia (veja quadro interativo abaixo).
O estudo "IA generativa e empregos: Um índice global refinado de exposição ocupacional" dividiu as profissões em seis categorias, de "exposição máxima" a "não expostas".
Profissões mais e menos expostas
Entre as carreiras menos suscetíveis, há trabalhos manuais, como pintores, costureiros, trabalhadores da construção civil e varredores. Há também especialidades que exigem formação específica, como médicos, dentistas, engenheiros e professores.
Na outra ponta, os trabalhos administrativos estão entre os mais expostos devido à capacidade da IA generativa de automatizar suas tarefas. São ocupações de escritório que incluem digitadores, secretárias, escriturários e auxiliares.
A tecnologia também aumenta a exposição de trabalhos com tarefas especializadas em setores como comunicação, software e finanças. Analistas financeiros e desenvolvedores web e multimídia (exposição máxima), bem como caixas de banco, tradutores, programadores de aplicativos e consultores de investimento (exposição significativa), aumentaram de nível em relação a 2023.
Já a automação completa do emprego segue sendo limitada, conforme o estudo, dado que muitas tarefas continuam a exigir intervenção humana.
Transformação dos empregos
Tarefas que demandam raciocínio crítico, não são repetitivas e exigem toque humano não serão substituídas, avalia Marta Bez, professora de Informática e Indústria Criativa na Feevale. É necessário que alguém faça a análise e a validação de um software, por exemplo. Ainda que o estudo indique que algumas profissões não estão expostas, a professora acredita que todas serão afetadas de alguma forma.
— Estamos transformando o emprego. Isso já aconteceu em várias outras ocasiões. Um engenheiro vai continuar sendo um engenheiro, e melhor: usando a tecnologia para dar insights e ajudar a realizar cálculos. Vai sumir o engenheiro? Não. Ao contrário, ele vai ser fortalecido com ferramentas que podem ajudá-lo — ressalta.
Habilidades valorizadas
Algumas profissões continuam a exigir habilidades humanas mais complexas, observa Arachele Azevedo, consultora do PUCRS Carreiras. Nesse contexto, empatia, pensamento crítico, criatividade e capacidade de negociação passam a ser ainda mais valorizados pelas empresas.
Profissões de linha de frente e setores essenciais, como cuidados, saúde, educação e construção, além de áreas como psicologia, arte e gestão estratégica, dificilmente serão afetadas, frisa a psicóloga.
Arachele também aponta oportunidades em funções encaradas, muitas vezes, como mais básicas na economia, mas que, ao que tudo indica, são pouco afetadas, como motorista, cuidador, educador e trabalhador rural.
O estudo aponta, ainda, que a exposição entre as mulheres permanece significativamente maior, principalmente em países de alta renda, onde os empregos com maior risco de automação representam 9,6% da ocupação feminina, em comparação com 3,5% da masculina.
Oportunidades
Na visão de Marta, da Feevale, a economia criativa é uma das áreas mais suscetíveis, incluindo arte, design e moda. Mas a professora de Indústria Criativa vê oportunidade de potencialização do trabalho e relata que a faculdade já aborda o uso de IA generativa na economia criativa.
— Se essas áreas usam a tecnologia para ter insights, criar modelos e inspirar o artista ou o designer, estão economizando um tempo incrível desses profissionais. E tempo é dinheiro — ressalta.
Estamos transformando o emprego. Isso já aconteceu em várias outras ocasiões
MARTA BEZ
Professora de Informática e Indústria Criativa na Feevale
Dicas para o reposicionamento
É importante ter na carreira um plano A e um plano B, sobretudo em um mundo em aceleração, recomenda Arachele. Segundo ela, a IA deve ser encarada como ferramenta de apoio, e não como inimiga, levando em consideração, inclusive, questões de produtividade e de gestão de tempo.
— Focamos muito o receio de perder o emprego, mas precisamos pensar também no que fazer para continuarmos bem posicionados no mercado de trabalho. É preciso ter um olhar mais aberto no sentido de adaptabilidade, de estruturar uma carreira sustentável, de entender que, eventualmente, não vamos ter somente uma profissão no decorrer da nossa trajetória — pontua.
Para o reposicionamento profissional, as dicas da consultora de carreira são desenvolver habilidades comportamentais, estar atento ao que o mercado pede e às oportunidades, e pesquisar tendências.
É possível, diz ela, buscar apoio de serviços como o PUCRS Carreiras, que também atende a comunidade fora da universidade, para entender como montar um currículo e onde encontrar novas oportunidades.
Focamos muito o receio de perder o emprego, mas precisamos pensar também no que fazer para continuarmos bem posicionados no mercado de trabalho
ARACHELE AZEVEDO
Consultora do PUCRS Carreiras
Requalificar em vez de substituir
O relatório conjunto entre OIT e Nask afirma que a exposição à IA "não implica a automação imediata de uma ocupação inteira, mas sim o potencial para uma grande parte de suas tarefas atuais ser realizada usando essa tecnologia".
O texto segue: "Se isso leva ao desaparecimento de uma ocupação ou à substituição da força de trabalho é uma questão mais complexa — que dependerá da decisão inicial de adotar a tecnologia, mas também da extensão em que os indivíduos nessas ocupações recebem oportunidades para aprender a trabalhar com essas tecnologias e se adaptar à natureza evolutiva de suas tarefas".
A professora Marta Bez, da Feevale, destaca que o impacto também dependerá de fatores como o custo da tecnologia. O abismo digital ainda é um sério problema, com locais sem acesso a computador. Nesse sentido, defende ela, há necessidade de trabalhar a cultura digital em todos os empregos e âmbitos.

Futuro mais justo
O estudo ajuda a identificar onde há maior probabilidade de impacto para que os países possam preparar os mercados de trabalho para um futuro digital mais justo e para proteger melhor os trabalhadores.
Para isso, defende Marta, é preciso garantir uma transição justa e recolocação. Em vez de substituir, deve-se pensar em requalificar. Um caminho possível são cursos online e cursos de curta duração promovidos por universidades.
Muitos trabalhadores são de uma geração que não está acostumada com a tecnologia e muito menos com as ferramentas de IA. É fundamental mostrar usos possíveis, com ética e consciência crítica, ressalta a professora:
— A questão é garantir uma mudança, uma qualificação para o trabalhador para que ele possa continuar com o seu trabalho, mas de uma forma diferenciada, melhorada.
Abordagem centrada no ser humano
O relatório convoca governos e organizações de empregadores e trabalhadores a se envolver no diálogo, bem como na elaboração de estratégias inclusivas e políticas para orientar a transição — e melhorar a produtividade e a qualidade do emprego, sobretudo nos setores mais vulneráveis.
A abordagem para a adoção da tecnologia deve ser centrada no ser humano — tanto para minimizar o "desemprego tecnológico" quanto para garantir que as ferramentas sejam implementadas como forma de apoio, defende o relatório.
Marta, da Feevale, salienta que é preciso aprender a utilizar as ferramentas, além de discutir amplamente sobre elas, sem esconder o uso e compartilhando descobertas de usos de qualidade. Para a professora, é papel social das universidades disponibilizar cursos para a comunidade e abordar o tema.