
Cada vez mais, a inteligência artificial (IA) está presente nas atividades profissionais, e na área de Recursos Humanos (RH) não é diferente. Empresas estão adotando mecanismos de IA em seus sistemas para conduzir processos seletivos, em diferentes etapas do recrutamento – seja para selecionar currículos, analisar candidatos ou realizar entrevistas.
Relatório divulgado em 2024 aponta que 75% dos trabalhadores intelectuais do mundo já usam IA no trabalho. No Brasil, o percentual é de 83%. Colaboradores dizem que a IA auxilia na otimização do tempo, agilizando tarefas que antes eram manuais, como filtragem de currículos. O estudo é da Microsoft e do LinkedIn.
Essas mudanças no recrutamento podem gerar ansiedade em profissionais que estão se preparando para ingressar no mercado de trabalho, ou aqueles que buscam recolocação. Sobretudo, pela falta de conhecimento sobre como funcionam os novos processos seletivos envolvendo IA.
Conforme a psicóloga e analista de orientação de carreira na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Graziela de Barba, é importante não enxergar a tecnologia como vilã, mas sim como um suporte para as empresas, e o fator humano deve seguir sendo determinante.
Precisa ter uma pessoa à frente do processo, e a decisão final deve passar pelo crivo de um gestor ou profissional qualificado.
GRAZIELA DE BARBA
Psicóloga e analista de orientação de carreira na Unisinos
— A IA serve como ferramenta para os recrutadores, muito mais para agilizar e otimizar processos do que para avaliação. É importante dizer que a decisão final sempre deve ser de um ser humano. Precisa ter uma pessoa à frente do processo, e a decisão final deve passar pelo crivo de um gestor ou profissional qualificado — afirma.
Entrevistas com IA já são realidade
Graziela destaca que, quando realizadas, as entrevistas por meio de IA são uma etapa inicial do processo seletivo, que serve para identificar o perfil do candidato, facilitando a triagem. Segundo a supervisora de talentos do PUCRS Carreiras, Andressa Portilho, as entrevistas com IA podem ser úteis na preparação do candidato para as próximas fases da seleção.
Na entrevista com IA, o profissional tem a possibilidade de conseguir elaborar bem uma resposta, não ser pego de surpresa.
ANDRESSA PORTILHO
Supervisora de talentos do PUCRS Carreiras
Isso porque, em geral, são feitas com chatbots, o que elimina o caráter ansiogênico de uma entrevista ao vivo com um gestor ou recrutador, o que pode gerar nervosismo, muitas vezes.
— É uma etapa mais preparatória do que eliminatória. Na entrevista com IA, o profissional tem a possibilidade de conseguir elaborar bem uma resposta, não ser pego de surpresa, como pode acontecer em uma entrevista mais tradicional — ressalta.
Normalmente, são feitas perguntas para verificar se o candidato possui os requisitos mínimos para determinada vaga, a respeito da trajetória profissional, habilidades e identificação com a posição ofertada, conforme a supervisora.
Para o pesquisador e consultor de IA Paulo Silvestre, a tecnologia também pode servir como aliada do recrutador em uma entrevista ao vivo:
— Durante a entrevista com um analista de RH por videoconferência, por exemplo, o sistema pode exibir em tempo real na tela do recrutador coisas que ele pode perguntar, pode identificar aspectos relevantes para a entrevista de forma muito ágil.
Riscos do uso inadequado
Silvestre ressalta que esse processo é inevitável – assim como em outras áreas, a IA está cada vez mais incorporada aos sistemas das plataformas de recrutamento, como Gupy e SuccessFactors, bem como o LinkedIn, que estão entre as mais utilizadas pelas empresas.
Sobretudo a IA generativa, que utiliza modelos de machine learning. Diversas startups vêm surfando nessa onda, desenvolvendo serviços e produtos de IA especializados para empresas de recrutamento.
Que garantia teremos de que foi tomada a decisão adequada? É preciso respeitar os princípios de transparência, explicabilidade e rastreabilidade.
PAULO SILVESTRE
Pesquisador e consultor de IA
Apesar dos benefícios, é preciso lembrar que os sistemas de IA são altamente suscetíveis aos vieses inconscientes, podendo resultar em processos seletivos que não respeitam princípios éticos e de responsabilidade social, como transparência e diversidade, destaca Silvestre.
Por exemplo: dependendo de como foi treinado o algoritmo, ao filtrar candidatos, a ferramenta pode indicar somente homens brancos, eliminando mulheres e pessoas negras. Ou, ainda, pessoas idosas podem ser preteridas nas seleções, caso o sistema perceba que os jovens são mais valorizados.
Por isso, é importante prezar por processos que passem pela avaliação de especialistas, ou seja, que não sejam 100% automatizados, observando questões de equidade e pluralidade.
— Automatizar totalmente os processos de recrutamento é algo que precisa ser visto com muita atenção. Dá para desenvolver um robô que seja até mais eficiente do que um profissional da área. Mas é uma questão ética. Que garantia teremos de que foi tomada a decisão adequada? É preciso respeitar os princípios de transparência, explicabilidade e rastreabilidade — diz o especialista.
Ele destaca que muitas empresas encaram a IA como ferramenta de redução de custos. Mas, ao adotarem essas práticas, é importante que as empresas tenham responsabilidade e estejam comprometidas com a ética.