
Uma questão que começa ainda nas lavouras tem impacto direto nas dinâmicas da indústria cervejeira. É a produção da cevada, principal matéria-prima na fabricação do malte, um dos ingredientes da bebida, que está menor. O plantio do cereal vem caindo no Rio Grande do Sul, fazendo as maltarias (e as cervejarias) se abastecerem de outras formas.
A menor oferta, contudo, não compromete a sede e o interesse industrial pela cerveja, que mantém a produção da bebida com o cereal vindo de outros locais. Entre os players estão os vizinhos produtores de cevada, como o Paraná e a Argentina.
Ou seja, na avaliação do setor, o consumidor pode ficar tranquilo: não vai faltar cerveja no mercado.
Por que a produção gaúcha está menor?
Assistente de culturas da Emater-RS, Alencar Rugeri diz que a cevada é uma produção de cadeia curta. Isso porque o produtor direciona todo o cereal à indústria. Do lado de quem planta, portanto, o cultivo só existe conforme a sinalização de venda garantida.
— É o comportamento contrário da canola, por exemplo, que tem tido incentivo à produção e excelente rendimento. Uma cultura que mudou totalmente de cenário nos últimos dois anos, justamente pelo interesse da indústria — diz Rugeri.
Do lado fabril, diversos fatores podem impactar a menor demanda da cevada gaúcha. Presidente da Comissão de Trigo e Culturas de Inverno da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Hamilton Jardim acrescenta um novo ponto, o climático.
O efeito do clima na produção reduziu a qualidade do cereal nas últimas safras, o que depreciou a cevada na porta da indústria. A menor rentabilidade da cultura, portanto, desestimula o interesse dos agricultores em relação ao seu cultivo.
— O produtor está procurando alternativas que lhe rendam melhor, seja no trigo, na canola ou na carinata, que desponta como oportunidade de exportação. É uma opção pela liquidez. Do outro lado, as companhias traçam seus negócios de importação já em cima dessas estimativas de produção menor — diz Jardim.
E de onde vem a cevada?
Como há possibilidade de buscar a matéria-prima produzida na Argentina e no Paraná, a cevada de lavouras que não são do Rio Grande do Sul supre a demanda fabril local.
O Paraná está entre os maiores produtores nacionais de grãos de inverno. Além disso, se mostra mais articulado internamente que o RS na cadeia que se refere à produção cervejeira, diz Jardim, com maior quantidade de maltarias.

Na Argentina, a retirada das chamadas "retenciones", que são as taxas cobradas para a exportação de produtos agrícolas, facilita o comércio com o país vizinho. Marina Marangon, analista da Consultoria Agro do Itaú BBA, corrobora o interesse das gigantes pela importação como complemento da plantação local:
— A Argentina prorrogou a redução das retenciones (na cevada), assim como para o trigo. E, no Rio Grande do Sul, as chuvas estão dificultando os trabalhos.
Como opera a indústria?
A cevada é transformada em malte a partir do processo de germinação realizado na indústria. No Rio Grande do Sul, são duas fábricas do tipo, ambas operadas pela Ambev: uma em Passo Fundo, no Norte, e outra em Porto Alegre, a Navegantes.
Conforme fontes do setor, o Brasil produz somente cerca de um terço da quantidade de malte que utiliza industrialmente. São apenas cinco grandes maltarias em operação no país.
Apesar da presença no RS, a operação fabril não tem sido suficiente para manter o interesse no plantio. Procurada pela reportagem para falar sobre as dinâmicas na oferta da matéria-prima, a Ambev disse que não comentaria o assunto.
No Paraná, o cultivo e a industrialização da cevada são incentivados pelo fomento das cooperativas. Não à toa, fica no Estado paranaense o potencial de maior maltaria da América Latina, em quatro plantas comandadas pela Cooperativa Agrária. É de lá que sai o malte que abastece grande parte da indústria brasileira de cerveja.
As operações da cooperativa são responsáveis por fornecer 40% do malte utilizado no país. Representante comercial da gigante no Rio Grande do Sul, Marcelo Peña diz que o produto abastece da grande indústria às marcas artesanais. A Agrária tem um centro de distribuição em Novo Hamburgo só para esta demanda.
Em Porto Alegre, a cervejaria Alcapone é uma das que recorre ao malte da cooperativa paranaense. A fábrica tem capacidade para produzir até 100 mil litros da bebida alcoólica por mês. Nos meses mais quentes, auge da produção, são necessárias 21 toneladas de malte para manter a fabricação. Luiz Henrique Sbardelotto, um dos sócios, diz que a falta de uma maltaria mais próxima inevitavelmente encarece o preço na garrafa.
— Um dos fatores que nos encarece o malte é o frete. Tendo aqui ao nosso lado, com certeza reduziria o custo e com a qualidade igual ou até melhor do que temos hoje. Vejo com muito bons olhos uma maltaria que atendesse às pequenas cervejarias — diz Sbardelotto, citando que Porto Alegre tem o maior número de microcervejarias do país.
Onde está a produção gaúcha de cevada?
Como um bom cultivo de inverno, a cevada se adapta ao clima típico da estação. Por isso, regiões mais frias têm maior potencial e menor risco. No Rio Grande do Sul, a faixa Norte concentra a maior parte do plantio, com destaque para microrregiões no entorno de Passo Fundo, Lagoa Vermelha e Espumoso.
Não é uma cultura de manejo propriamente difícil, mas exige os seus cuidados, semelhantes ao trigo.
— Cevada ou se faz bem ou não se mantém — resume Rugeri, da Emater.
A área plantada com cevada estimada para a safra de 2025 é de 27.337 hectares, 22% menor que a do inverno passado. A produção esperada é de 87.413 toneladas no Estado, 20% menor do que a safra de 2024, quando se produziu 110.219 toneladas.
Para fins de comparação, a maior safra gaúcha de soja, principal produto da agricultura estadual, somou 20.420.501 toneladas de grãos em 2021.
Do ponto de vista agrícola, o presidente da comissão da Farsul diz que a redução na representatividade da cultura é uma grande perda.
— Lamento profundamente, porque faz parte de um contexto em que falamos muito de política agrícola. Deveria haver um incentivo de proteção às culturas, sobretudo as de inverno, que tradicionalmente já têm área e produção menor — diz Jardim.