
Dos biofármacos aos biocombustíveis, uma série de “bios” passou a povoar o vocabulário de uma indústria considerada emergente, mas de grande potencial. Produzir de forma sustentável, com base nos recursos naturais e no fortalecimento das diversidades, deixou de ser ambição de futuro para se tornar exigência do agora, abrindo caminhos para um modelo econômico que veio para ficar.
Embaladas no conceito da bioeconomia, as cadeias produtivas reforçam o foco na agenda ambiental. Mas o que difere a bioeconomia de uma economia habitual?
O conceito ainda abriga diferentes abordagens. Mas ganha consenso ao estimular o uso de recursos renováveis como ativos, de forma eficiente e sustentável. Produtos florestais, microrganismos, biomassa e corpos marinhos estão entre esses recursos.
Como modelo econômico, a bioeconomia impulsiona o desenvolvimento e a inovação a partir da necessidade de se criar itens que atendam a uma demanda mundial por produtos "verdes". São inúmeras as possibilidades de produção que surgem, o que torna o campo muito vasto, avalia o diretor do Instituto do Meio Ambiente (IMA) e professor da Escola de Negócios da PUCRS, Augusto Mussi Alvim.
— É um tema relativamente novo e muito atrelado a um conceito de consciência ambiental e de observação dos recursos naturais. De fazer com que se tenha uma relação de renda associada ao processo de preservação. Vem muito dessa ligação dos recursos biológicos com os aspectos de economia em si, de geração de renda, emprego e tecnologias. E principalmente associado à questão energética — resume.
Ciência do futuro aplicada no presente, a bioeconomia traz diversificação econômica e cria oportunidades de negócios. Para os especialistas, uma das vantagens é reduzir a dependência de recursos não renováveis. Além disso, é uma maneira de promover a preservação da diversidade, já que exige a gestão sustentável dos ativos naturais.
Justamente por tratar de diversidade, contudo, o termo acaba sendo primeiramente associado à Amazônia e à produção que se desenvolve a partir dela. No entanto, tratando-se de Brasil, são diversos os biomas e as riquezas naturais, o que expande a bioeconomia para fronteiras bem distantes da floresta de referência mundial.
— Onde tem vida, tem potencial para a bioeconomia — atesta o coordenador do Grupo de Pesquisa em Bioeconomia Aplicada ao Agronegócio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Edson Talamini.
Entre as áreas promissoras para o tema, o pesquisador cita a saúde, com importantes conquistas nas últimas décadas no desenvolvimento de medicamentos diversos, como a insulina sintética produzida por bactérias a partir da engenharia genética, ou mesmo no agronegócio, com o crescente desenvolvimento de bioinsumos.
Outro exemplo, conectado à cadeia alimentar, vem da produção de trufas, um item de altíssimo valor agregado na gastronomia e de exploração ainda restrita. No Rio Grande do Sul, os fungos que se desenvolvem junto às raízes das nogueiras começam a ser vistos como opção de negócio, potencializando um item que vem da própria natureza.
— Na análise econômica, vemos que é difícil mensurar quanto que estes ramos têm criado de valor. Mas não tenho dúvida de que é muita coisa. O Brasil tem o principal fator, que é a biodiversidade. Falta desenvolver outros ativos, que são conhecimento e investimento de processo. Precisa de aporte para incentivar a criação — diz Talamini.
O incentivo às atividades de produção sustentável requer atenção ao tema. O cuidado é para que não haja uso indiscriminado do conceito, abrindo caminho para a exploração puramente mercadológica dos recursos. Junto com a agregação de valor e do desenvolvimento econômico, os pesquisadores lembram que é preciso preservar.
Das profundezas do mar

Da fabricação de cosméticos à cura de doenças, o fundo do mar preserva uma riqueza gigantesca de microrganismos que, na indústria, representam um salto exponencial na produção de viés sustentável. O aproveitamento dos recursos biológicos marítimos é mais um caso no vasto ramo de oportunidades que surgem pela bioeconomia.
De Porto Alegre para o mundo, a gaúcha Regenera é uma empresa de base tecnológica que trabalha com bioprospecção marinha. Na prática, vai ao fundo do mar para coletar pequenas amostras de matérias de fungos e bactérias marinhos, que aplicados em pesquisa, viram produtos. Tudo isso sem agredir o ambiente, explica o biólogo, fundador e CEO da Regenera Moléculas do Mar, Mário Frota Junior.
Instalada no Parque Tecnológico da Pucrs, o Tecnopuc, a empresa se dedica à chamada “Amazônia Azul”, nome que se dá aos limites brasileiros de uma região oceânica onde se concentram os estudos. A partir de microrganismos que lá habitam, descobre o que está no fundo do mar para, no centro de pesquisa, desenvolver um banco de moléculas para prospecção. Empresas interessadas em buscar estes ativos para uso na indústria, então, patrocinam a pesquisa com os microrganismos.
O banco completa uma década este ano. Empresas como a fabricante de cosméticos Natura, a cervejaria Ambev, a farmacêutica Eurofarma e a indústria química Basf estão entre os clientes. A Regenera já captou mais de US$ 10 milhões em investimentos.
— A bioeconomia não é mais uma possibilidade, ela é uma realidade. O mundo demanda por soluções sustentáveis, que troque o químico pelo biológico e que, de alguma maneira, gere impacto positivo na natureza. Finalmente, isso está entrando na pauta das grandes empresas para que elas desenvolvam produtos com uma pegada sustentável — diz o fundador.
O que é bioeconomia?
- A bioeconomia é um modelo de produção baseado no uso de recursos biológicos.
- Focada na sustentabilidade e na promoção da biodiversidade, traz soluções que possam substituir recursos fósseis e não renováveis.
- O conceito é amplo e vem ganhando popularidade nos últimos anos. No Brasil, iniciativas como a criação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool) e a produção de etanol são consideradas pontapé da bioeconomia.
- Biocombustíveis, insumos biológicos, bioplásticos, biofármacos e biomassa são alguns exemplos da bioeconomia na prática.
- O termo ganhou força no G20, sediado no Brasil, com a definição de princípios norteadores entre as maiores economias do mundo.
- A bioeconomia ganhou status de secretaria dentro do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. A pasta busca contribuir com formulação de políticas e definição de estratégias.
- Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a bioeconomia movimenta 2 trilhões de euros no mercado mundial e gera cerca de 22 milhões de empregos.