
Mais de um ano depois de seu início, a enchente que devastou o Rio Grande do Sul em 2024 ainda causa prejuízos a diferentes segmentos da economia. Estudo desenvolvido pela Fecomércio-RS sobre os minimercados do Estado mostra que 46% deles relatam ter sofrido algum tipo de perda de faturamento em razão da enchente, e somente 24,3% dos impactados informam que recuperaram a totalidade das perdas.
Os dados constam na pesquisa Sondagem de Minimercados, realizada pela Fecomércio-RS com 385 estabelecimentos espalhados por todo o Estado. O período da coleta de informações ocorreu entre 27 de março e 16 de abril de 2025.
— A sondagem é uma pesquisa regular que fazemos na Fecomércio para avaliar questões conjunturais e estruturais dos minimercados, para entender melhor como eles se organizam enquanto negócio e como estão percebendo suas operações. Nesta edição, o ponto de destaque é compreender ainda o impacto que a enchente trouxe e ainda traz para esses negócios — destaca a economista-chefe da Fecomércio-RS, Patrícia Palermo.
A queda de faturamento foi citada pela maioria (quase 60%) dos administradores de minimercados impactados pela enchente como a principal consequência da cheia ainda não superada completamente. Na sequência, os empresários ressaltam pontos relacionados, com 51,5% frisando a perda de clientes, e 41,8% destacando dificuldades financeiras (veja outras respostas no gráfico mais abaixo).
Uma destas operações afetadas pela enchente e que ainda não se recuperou totalmente é o Mercadinho da Buh, estabelecimento administrado pela empreendedora Bruna Costa, 28 anos, no bairro Humaitá, em Porto Alegre. Bruna, que opera sozinha o negócio, abriu o mercado em janeiro de 2024.
— Inaugurei o mercadinho e estava dando tudo certo, o negócio estava andando bem. Poucos meses depois, já veio a enchente e alagou tudo. Fechamos e só reabrimos em outubro, depois de uma reforma que foi muito difícil de fazer — conta.
A empreendedora relata, além de danos estruturais, o mercado sofreu com perda de mercadorias. Outro prejuízo foi a operação ter permanecido fechada por cerca de cinco meses.
Para recuperar o negócio, a empresária investiu cerca de R$ 25 mil. O dinheiro foi obtido por meio de um empréstimo pessoal, mais parte do Auxílio Reconstrução, que obteve com o governo federal, e do programa Volta por Cima, do governo estadual, além de uma vaquinha que realizou.
— Do dinheiro que investi na reforma, só consegui recuperar mais ou menos metade até agora. O faturamento caiu, o público caiu, até porque tem muita gente que saiu do bairro e não voltou. Ainda hoje quando começa a chover eu fico muito apreensiva, já pensei em desistir várias vezes, mas esse aqui é o meu sonho — destaca.
A empreendedora informa que seu faturamento atual é de perto de 60% do que era antes da enchente. Ela também relata que cerca de 50% dos clientes não retornaram.
— Esses mercados menores acabam normalmente tendo grande parte de seu faturamento ligado aos vizinhos e à comunidade do entorno. Então, quando um estabelecimento destes está localizado em um bairro que foi atingido pela enchente, sua recuperação é realmente mais lenta, pois parte dos moradores pode ter optado por deixar o local em razão da inundação, e os que ficaram também sofreram prejuízos pela enchente, o que impacta seu poder de compra e, consequentemente, os negócios da região — explica Lisiane Fonseca da Silva, economista e professora da Universidade Feevale.
Investimentos em gestão reforçam operações
Tanto o governo federal quanto o governo estadual disponibilizaram programas e linhas de crédito com condições especiais para ajudar na recuperação dos negócios atingidos pela enchente. Contudo, estes programas foram em sua grande maioria encerrados no final de 2024.
A pesquisa da Fecomércio-RS também destaca outros desafios relatados pelos administradores de minimercados do Estado, além dos prejuízos causados pela tragédia climática. Para 39,7% dos empreendedores, a fidelização de clientes é a maior dificuldade no momento, seguido por gestão financeira (37,4%) e marketing (26,5%).
— Como a gente observa a partir dos desafios apontados pelos empreendedores, muitos destes estão relacionados à gestão dos negócios. Então, investir na profissionalização dessa gestão, principalmente em áreas estratégicas como marketing e contabilidade, é fundamental para fortalecer essas operações — destaca a economista Patrícia Palermo.
Entre os empresários que responderam a pesquisa, 36,9% afirmam que as finanças da empresa e de sócios acabam se misturando. Além disso, 42,6% dos entrevistados dizem não acompanhar o desempenho das vendas analisando os produtos mais vendidos, o que pode gerar problemas nas estratégias comerciais.
Ainda, em 64,9% das respostas, os empreendedores destacam que é a demanda dos clientes que determina a implementação de novos produtos, e não a análise das vendas (3,4%).
— Muitas vezes, quando se fala dessas operações menores, se aponta como um problema ter uma "gestão familiar", mas a questão não é ter uma gestão familiar, há muitas grandes empresas no Brasil e no mundo administradas por uma família. O problema mesmo é ter uma gestão improvisada, feita de qualquer jeito, sem ter um planejamento estratégico por trás — salienta Patrícia Palermo.
A gestora de projetos do Sebrae-RS, Francine Danigno, aponta caminhos para que os empreendedores reforcem os resultados de suas operações. Danigno destaca principalmente investimentos em qualidade do atendimento, relacionamento com fornecedores e conexão com a comunidade.
— Um atendimento cordial e acolhedor faz com que o cliente se sinta bem e volte. Além disso, um negócio local precisa estar atento às demandas da região, sendo, por exemplo, ponto de coleta de doações, entrega de ingressos, pagamento de contas ou outros serviços de utilidade para reforçar os vínculos com os moradores. Em relação a fornecedores, negociar melhores condições, como prazos maiores, descontos para promoções e bonificações, também é essencial para aumentar a competitividade e melhorar a margem de lucro — destaca.
Dados complementares sobre os minimercados do RS
A Sondagem de Minimercados realizada pela Fecomércio-RS traça um panorama das principais características dos negócios do segmento, avaliando aspectos como estrutura, finanças, gestão e estratégia das vendas. Os dados apontam que 57,4% dos estabelecimentos pesquisados atuam há mais de 10 anos, e 84,2% contam com no máximo cinco pessoas trabalhando.
Em relação à situação financeira atual, 57,7% afirmam que a empresa está financeiramente estável, com capacidade de investimento. Por outro lado, 30,6% informam que mantêm a operação com desafios financeiros, e 8,6% têm dificuldades para honrar compromissos.
Sobre as vendas, 44,2% dos entrevistados apontam o desempenho dos últimos seis meses como regular. Na sequência, 28,3% avaliam o desempenho como bom, e 17,1% avaliam como ruim.
Projetando o futuro, 56,6% dos empresários do segmento têm expectativa de piora do cenário econômico brasileiro nos próximos seis meses, enquanto 29,4% esperam estabilidade e apenas 14% esperam melhora. Em relação à economia gaúcha, a expectativa é menos negativa, com 36,6% esperando piora nos próximos seis meses, 42,3% esperando estabilidade e 21,1% esperando melhora.