
Com a liberação do abono salarial PIS/Pasep, muitos trabalhadores se deparam com uma situação inesperada: o valor depositado some automaticamente, usado para cobrir o cheque especial, parcelas de empréstimos ou outras dívidas bancárias. Mas atenção: isso é ilegal.
O abono salarial é um benefício anual garantido pelo artigo 239 da Constituição Federal, voltado a trabalhadores que receberam, em média, até dois salários mínimos mensais no ano-base, que tenham atuado por pelo menos 30 dias nesse período, e estejam cadastrados há pelo menos cinco anos no PIS ou Pasep.
Trata-se de um reforço no orçamento que deve ser livremente utilizado pelo cidadão — e não automaticamente apropriado pelos bancos.
Prática é irregular
Segundo órgãos de defesa do consumidor, o banco não pode usar esse dinheiro para quitar dívidas, recompor limites ou cobrar tarifas sem autorização expressa do titular. Mesmo se a conta estiver negativa, o valor do abono não pode ser retido. Essa prática, comum mas irregular, pode ser considerada abusiva e dar margem a ações judiciais.
Conforme o dirigente do Núcleo de Defesa do Consumidor e Tutelas Coletivas (Nudecontu), Felipe Kirchner, a Defensoria Pública entende que a retenção automática fere princípios fundamentais, como a proibição de penhora de salários, a proteção do mínimo existencial e o combate ao superendividamento.
— O abono salarial, por sua natureza, é voltado à sustentação básica do trabalhador, especialmente dos mais vulneráveis, e deve ser protegido contra práticas abusivas das instituições financeiras — explica o defensor público.
Legislação
Kirchner destaca que há resoluções do Banco Central que reforçam o entendimento de que a retenção dos valores do abono salarial é ilegal. A Resolução nº 4.790/2020, por exemplo, prevê que o consumidor pode cancelar a qualquer momento autorizações de débito automático em conta.
Já a Resolução do Conselho Monetário Nacional nº 5.058/2022 também trata da obrigatoriedade de consentimento do consumidor para autorizações desse tipo.
Segundo o defensor público, o que se tem observado na prática é que os bancos dificultam o processo de cancelamento dessas autorizações, o que configura uma conduta ilegal e abusiva.
Além das normas específicas do sistema financeiro, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) também veda esse tipo de prática, qualificando-a como abusiva.
— A própria Constituição Federal assegura a proteção do mínimo existencial como um princípio que deve ser respeitado. Ou seja, o problema vai além das resoluções administrativas: trata-se de uma violação de direitos fundamentais e legais — detalha Kirchner.
Indenização
Sobre a possibilidade de indenização por danos morais, o defensor explica que é preciso avaliar cada caso individualmente. Existem diversos tipos de danos extrapatrimoniais que podem ser considerados, desde sofrimento psicológico até prejuízos materiais mais graves.
— Apesar de a jurisprudência brasileira ainda ser reticente em reconhecer danos morais nesses casos, a solicitação pode ser feita judicialmente, sobretudo quando se trata de pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica, que são diretamente afetadas por esse tipo de prática abusiva — defende o dirigente do Nudecontu.
O que fazer se o banco reteve seu abono?
- Identifique o motivo da retenção: verifique no extrato bancário se o valor foi usado para cobrir alguma dívida específica
- Negocie com o banco: se você não autorizou o uso do benefício para quitar dívidas, solicite a devolução imediata
- Considere usar o valor de forma consciente: se desejar quitar a dívida, negocie condições melhores com o banco, como desconto nos juros para pagamento à vista
- Acione a Justiça: caso o banco se recuse a devolver o valor, você pode procurar um advogado e entrar com ação. Além da restituição, pode haver direito a indenização por danos morais
Onde procurar ajuda
- Procon Porto Alegre: atendimento presencial na Rua Sete de Setembro, 723, das 9h às 16h, ou online pelo site do Procon
- Procon-RS: para quem não tem Procon municipal, o estadual atende na Rua Sete de Setembro, 539, em Porto Alegre, das 10h às 16h
- Unidade da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE-RS) mais próxima.
Quem tem direito ao abono salarial?
Para ter direito ao abono salarial, o trabalhador precisa atender a alguns critérios:
- Estar cadastrado no PIS/Pasep há pelo menos cinco anos
- Ter recebido até dois salários mínimos médios por mês no ano-base 2023
- Ter trabalhado com carteira assinada por no mínimo 30 dias em 2023
- Ter os dados corretamente informados pelo empregador no eSocial
O valor pode ser sacado diretamente na Caixa Econômica Federal (PIS) ou no Banco do Brasil (Pasep).
Como consultar se tenho direito?
Desde 5 de fevereiro de 2025, os trabalhadores podem verificar se têm direito ao PIS/Pasep por diferentes canais. São eles:
- Carteira de Trabalho Digital: disponível para download na Play Store e App Store. O usuário deve acessar a aba de contratos de trabalho e verificar as suas informações
- Portal Gov.br: basta acessar o site com CPF e senha cadastrados
- Aplicativo Caixa Trabalhador: além do PIS, o app permite consultar seguro-desemprego e calendário de pagamentos. Também disponível na Play Store e App Store
- Central Alô Trabalho: pelo telefone 158
- Atendimento da Caixa: pelo número 0800-726-0207
- Banco do Brasil (para Pasep): consultas podem ser feitas pelo telefone 4004-0001 (capitais) ou 0800-729-0001 (demais localidades), além do site bb.com.br
* Produção: Leonardo Martins
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