
Além de virar alvo de ataques políticos, o recente aumento do IOF sobre operações de câmbio, seguro e crédito tem potencial de entrar no meio de uma batalha judicial, segundo especialistas. O possível desvio de finalidade do ajuste no tributo e embaraço em alguns pontos abrem a brecha para judicialização, além de enfrentamento no Congresso (veja mais abaixo).
Tributaristas ouvidos pela reportagem de Zero Hora reforçam que o Imposto sobre Operações Financeiras é um tributo de natureza extrafiscal, criado para uso regulatório, podendo ser usado para conter instabilidades e equilibrar a economia. No entanto, o governo dá indícios de que o aumento das alíquotas tem objetivo arrecadatório, o que não pode ocorrer, conforme especialistas.
Professora do curso de Direito da Universidade Feevale, Marina Furlan afirma que o caso pode ser judicializado em razão da finalidade da medida. Ou seja, usar um tributo regulatório para fins de arrecadação, o que pode ser encarado como inconstitucional.
— Poderia alegar que a inconstitucionalidade residiria porque esse decreto vem não para desestimular ou estimular a concessão de crédito, mas sim com uma finalidade essencialmente arrecadatória, para cobrir as contas públicas. Então, por esse aspecto, se poderia discutir judicialmente na Justiça Federal, que é o foro competente — analisa.
Esse possível desvio de finalidade também apareceu na apresentação da medida recentemente, de acordo com o professor de Direito Tributário da UFRGS Arthur Ferreira Neto.
O docente destaca que o governo justifica o aumento da alíquota com a necessidade de harmonização da política fiscal com a política monetária, anunciando que a medida é extrafiscal. No entanto, a União também cita o impacto do ajuste de alíquota na arrecadação esperado para 2025 e 2026, o que mostra uso arrecadatório, que não deve ser a função do IOF. Isso demonstra uma contradição, na avaliação do especialista.
— O governo está pegando um tributo que, pela Constituição, tem estrutura funcional extrafiscal. Tanto é verdade que a Constituição desenha para o IOF uma série de exceções e flexibilizações. Por quê? Por que é extrafiscal. Se não fosse, não teria por que fugir do debate no Congresso. Então, o governo se utiliza de um expediente que é unilateral, que é o decreto, e usa isso para não submeter o aumento de arrecadação à discussão parlamentar — pontua Ferreira Neto.
Efeito de mercado
Doutor em Direito Tributário, Rafael Pandolfo, sócio-fundador do escritório que leva seu nome, afirma que, além dessa discussão de inconstitucionalidade do decreto por destinação incorreta, a pauta pode ser judicializada com outro argumento.
Conforme Pandolfo, a mudança fere a lógica de não tributação de meras transações financeiras. Como exemplo, ele cita que, tecnicamente, algumas operações não carregam em si uma capacidade contributiva — caso do VGBL, plano de seguro de vida com cobertura por sobrevivência Vida Gerador de Benefício Livre. Com isso, existiria uma brecha para discutir a validade do imposto sobre esse tipo de operação.
— O fato é que esse recurso já foi tributado pelo Imposto de Renda. Então, em termos até de premissa indicada pela OCDE, essa tributação de transações, meras transações financeiras, vai na contramão do que se entende como neutralidade fiscal, que inclusive é um dos princípios aprovados pela própria reforma tributária apresentada pelo governo federal — analisa o especialista.
Pandolfo entende que esse pleito tem mais chances de avançar na Justiça.
Ofensiva no Congresso
Até o fim da tarde desta segunda-feira (26), a Câmara concentrava uma série de projetos pedindo a anulação do decreto que aumentou as alíquotas do IOF. Um dos principais textos foi apresentado pelo deputado André Fernandes (PL-CE). No Senado, Rogério Marinho (PL-RN) também assina projeto com pleito parecido.
Ainda em estágio inicial de tramitação até o meio da tarde de segunda, os textos dos parlamentares basicamente criticam o aumento de impostos, avaliando que a medida tem fins "puramente arrecadatórios".
Mais cedo, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), criticou o aumento do IOF, afirmando que o "Brasil não precisa de mais imposto, precisa de menos desperdício".
