A estiagem severa e as queimadas que afetam cafezais no Brasil aumentam a pressão sobre o preço do café no país, que segue em elevação. Uma das principais e mais tradicionais bebidas no cardápio dos brasileiros, o produto apresenta uma alta de 9,66% no acumulado deste ano até agosto na Grande Porto Alegre. O dado é do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial do país.
Problemas climáticos na produção no âmbito internacional e nacional estão entre os principais pontos que explicam essa alta, segundo especialistas. Como o clima seco segue sobre o país, integrantes do setor alertam para a manutenção de problemas na oferta e no desenvolvimento do fruto para os próximos meses, o que deve colocar mais um peso sobre o valor do alimento. O cenário acende alerta a consumidores e empresários do ramo de cafeterias.
O diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), Celírio Inácio da Silva, destaca a sequência de problemas climáticos na produção nos últimos anos, com geadas e secas, nessa escalada dos preços:
A seca é uma realidade. A seca afetou diretamente a produção da safra de 2023/2024. Nós temos também um problema da própria terra, do próprio solo, que, mesmo que possa estar germinando a florada, não vai ser com a intensidade que se espera diante de tanta falta hídrica.
CELÍRIO INÁCIO DA SILVA
Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic)
Outro ingrediente que aumenta a pressão sobre o custo do café é a produção abaixo do esperado em países com peso importante na produção, como o Vietnã, segundo Silva. Com a demanda pelo café brasileiro aumentando em um cenário de corrida pelo produto, o valor do item sobe.
Como o país segue sofrendo com a crise hídrica e avanço das queimadas, Silva estima que essas pressões deverão continuar atuando sobre a indústria e o mercado do café em um ambiente com maior disputa pelo produto e grãos menos desenvolvidos.
Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) também mostra café mais caro no Estado. Em Porto Alegre, o item apresenta alta de 21,35% no acumulado do ano até agosto dentro da cesta básica apurada pelo órgão.
Efeito nos serviços
Empresários dos ramos de torrefação e de cafeterias no Estado observam com angústia o cenário da produção do café no país. Junto com os problemas, cresce a apreensão sobre a evolução dos custos nos próximos meses.
Guert Schinke, sócio-proprietário da Baden Torrefação de Cafés, localizada no bairro Passo d'Areia, já começou a observar mudanças no preço do produto. Orçamento recente com um dos principais fornecedores aponta altas que chegam até os 30%, segundo Schinke.
Ainda tenho estoque de café deste ano. Então, acho que até outubro, novembro, talvez dezembro, eu consiga manter alguma coisa de preço, mas no momento em que o aumento chegar não tem o que fazer. Vai subir o preço do café
GUERT SCHINKE
Baden Torrefação de Cafés
Clovis Althaus, sócio do Café do Mercado, também destaca esse ambiente de pressão nos custos do setor. Com horizonte marcado por manutenção de aumento nos preços do café, o empresário afirma que o ambiente fica cada vez mais difícil para os integrantes do ramo no Rio Grande do Sul, ainda mais em um contexto de saída da inundação:
A gente vem saindo de uma enchente nos drenou recursos. Gastamos muito dinheiro para repor a estrutura que se perdeu, matéria-prima, embalagem, todos os insumos. Ainda vem mais essa, com continuidade do aumento do custo do café. E, infelizmente, perdemos margem.
CLOVIS ALTHAUS
Café do Mercado
Impacto no varejo
Além de afetar o preço dos cafés especiais, a alta também atinge o consumidor que compra produtos mais tradicionais, como o café moído comercializado nas clássicas embalagens de 500 gramas nos mercados. No país, o IPCA aponta que a alta no preço do café é ainda maior, acumulando elevação de 20,10% no ano. Levantamento da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) também mostra movimento parecido em nível nacional. Dados da entidade apontam que o valor médio do quilo do produto torrado e moído atingiu R$ 39,63 em agosto – 27,67% acima do preço de dezembro do ano passado (R$ 31,04).
O presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), Antônio Cesa Longo, também atribui a elevação do preço do produto no varejo a problemas de falta de produto na cadeia internacional. Menos café em países da Ásia acaba causando impacto na busca por estoques reguladores e nos preços. Sobre o efeito nas redes de supermercados do Estado, Longo afirma que os consumidores acabam se adaptando:
O mercado tem tudo que é faixa de preço. Então, as pessoas acabam ajustando a sua renda dentro dessa nova precificação
ANTÔNIO CESA LONGO
Associação Gaúcha de Supermercados (Agas)
— O mercado tem tudo que é faixa de preço. Então, as pessoas acabam ajustando a sua renda dentro dessa nova precificação.
Moradora do bairro Santana, em Porto Alegre, Fernanda Rodrigues, 45 anos, afirma que notou café mais caro nos últimos meses. Em um mercado da Capital, ela fitava com atenção as prateleiras com o produto, na tarde da última sexta-feira (20). Após passar os olhos pelas principais marcas, pegou um que não costuma levar para casa, mas que virou a primeira opção em razão do preço:
A marca que eu compro é melhor, né? Gosto de tomar aquele café, mas agora não tenho condições de tomar. Então, vamos para uma outra mais acessível
FERNANDA RODRIGUES
Moradora do bairro Santana
Fernanda afirma que, em um passado recente, encontrava promoções pesquisando em mais de um supermercado. Agora, percebe que os preços estão muito próximos na maior parte dos estabelecimentos.
Consumo no país
- O Brasil é o segundo maior consumidor de café do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, segundo a Abic.
- Já se compararmos o consumo per capita do Brasil com os EUA (4,9 kg por habitante por ano), o valor brasileiro é superior. O consumo per capita no país, entre novembro de 2022 a outubro de 2023, foi de 6,40 kg por ano de café cru e 5,12 kg por ano de café torrado e moído.
- Isso mostra um crescimento de 7,47% ante o mesmo período do ano anterior.