Após tombo no ano passado diante dos efeitos severos da pandemia, três dos principais setores da economia consolidaram retomada no Rio Grande do Sul no primeiro semestre. Indústria, comércio e serviços fecharam no azul no acumulado de janeiro a junho no Estado, segundo pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgadas na semana passada.
A indústria segue com a melhor variação na comparação com o primeiro semestre do ano passado, com salto de 20,9% na produção. Serviços, com crescimento de 7,5%, e comércio, com 3,4%, avançaram na primeira metade do ano após retração. Esses dois segmentos estão entre os mais afetados pelas restrições de abertura e de circulação diante do combate à crise sanitária.
Especialistas avaliam que o resultado poderia ser melhor em um cenário sem inflação alta e insumos caros, pois a primeira metade de 2021 é comparada com uma base fraca do ano anterior.
Olhando o resultado dos setores mês a mês, é possível observar certa oscilação. Em junho, indústria e comércio amargaram desempenho negativo. Apenas serviços cresceu na comparação com o mês anterior, se aproximando do patamar pré-pandemia, já superado pelo setor de comércio.
Na comparação com o país, o Estado tem crescimento maior na indústria, mas menor em comércio e serviços no primeiro semestre (veja mais abaixo). A economista Maria Carolina Gullo, professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS), afirma que regras mais duras no combate à pandemia no Rio Grande do Sul podem explicar esse movimento:
— O Estado do Rio Grande do Sul é um dos líderes praticamente em vacinação, mas não é líder no desempenho de comércio e serviços. Talvez porque aqui as restrições tenham sido mais severas.
A economista-chefe da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS), Patrícia Palermo, afirma que a retomada observada em comércio e serviços nos últimos meses está baseada no avanço da vacinação. Com maior número de pessoas imunizadas e queda em indicadores sanitários, setores que dependem de maior circulação acabam ganhando mais tração, segundo a economista.
— A expansão da vacinação está fazendo com que haja a redução das restrições. Reduzindo as restrições e aumentando a confiança das pessoas a gente aumenta a circulação e, com isso, a atividade — explica Patrícia.
A economista-chefe da Fecomércio-RS destaca que esse processo de retomada só não é melhor porque está acompanhado de inflação alta, que aperta o orçamento das famílias, que precisam segurar o dinheiro para compras prioritárias.
Dentro do comércio, o segmento de tecidos, calçados e vestuário lidera na variação positiva no semestre, com alta de 33,8%. A economista-chefe da Fecomércio-RS destaca que esse setor sofreu com baixa procura durante o ano passado. Patrícia também cita a maior busca por roupas de inverno, que têm valores mais altos, neste ano como um fator que ajuda a explicar o bom desempenho desse ramo.
Quando a inflação atinge, principalmente, alimentos, energia elétrica, combustíveis, que são produtos que ocupam espaço grande no orçamento das família, estrangula a capacidade de consumo das famílias
PATRÍCIA PALERMO
Economista-chefe da Fecomércio-RS
Ao explicar o bom desempenho da indústria, o economista-chefe da Fiergs, André Nunes de Nunes, destaca que esse avanço expressivo ocorre sobre uma base muito fraca de 2020, quando o país enfrentava os primeiros efeitos mais severos da economia. Nunes afirma que o setor vive uma desaceleração na produção após um período de recomposição de estoques, mas continua aquecido.
— A gente terminou o ano passado com uma intensidade muito grande em termos de produção, começou este ano com nível de produção muito elevado, mas vem, nos últimos meses em queda e estagnação. A gente vê um setor que está desacelerando em relação aos meses anteriores, mas que segue aquecido — explica Nunes.
Na indústria, os subsetores de fabricação de máquinas e equipamentos e de produtos de metal se destacam no primeiro semestre no Estado. Nunes destaca que o avanço na produção de máquinas agrícolas, de ferramentarias e de utensílios domésticos ajuda a explicar o desempenho desses segmentos.
Inflação e variantes do coronavírus preocupam
Na conversa com especialistas, é consenso a avaliação de que os setores engataram retomada no primeiro semestre após um ano com economia prejudicada. No entanto, eles alertam que a sequência de altas na inflação e a incerteza em relação aos efeitos das variantes do coronavírus na economia preocupam. Essas condicionantes acendem um sinal amarelo em relação ao tamanho do avanço dessa recuperação.
A professora da UCS Maria Carolina Gullo estima que o país vai conviver com inflação alta pelo menos até o próximo ano, o que obriga empresas e consumidores a repensar hábitos.
— O empresário vai ter que negociar preços mais baixos com fornecedores. A mesma coisa vai ter que fazer o consumidor, que é pesquisar e barganhar para tentar obter desconto. Os salários não vão subir na mesma magnitude na qual os preços estão subindo — afirma a economista.
A indústria poderia estar crescendo mais. Só não está crescendo mais porque enfrenta desafios ao lidar com falta de algumas matérias primas e de peças, como semicondutores. O preço de alguns produtos, como o aço, também encareceu muito
MARIA CAROLINA GULLO,
Economista e professora da Universidade de Caxias do Sul
A economista-chefe da Fecomércio afirma que, além da inflação, as variantes do coronavírus geram atenção em relação ao avanço da economia no país. Nesse sentido, Patrícia destaca a importância de ampliação da vacinação e da manutenção dos cuidados sanitários.
— Se a gente deparar daqui a pouco com uma variante que tenha letalidade maior, é muito provável que haja reação das autoridades — observa Patrícia.
O economista-chefe da Fiergs concorda com a avaliação de cautela diante das variantes do coronavírus e do aumento de preço dos insumos. No entanto, Nunes destaca que sondagens recentes no setor indicam estimativas positivas para os próximos meses.
— Quando a gente olha para a sondagem que a gente fez com os empresários industriais em julho, as expectativas continuam bastante positivas tanto em exportação quanto na demanda e na contratação de mão de obra. Os números ligados à expectativa do empresário são positivos para os próximos meses — pontua.