Após pouco mais de seis horas de duração, a audiência com o ministro da Economia, Paulo Guedes, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, terminou em confusão, pouca defesa da reforma da Previdência por parte dos deputados e reclamação de líderes do centrão. Com a base desarticulada, Guedes enfrentou nesta quarta-feira (3) a tropa de choque da oposição.
O estopim do tumulto que encerrou a audiência, com empurra-empurra entre parlamentares do PT e PSL, foi uma provocação do deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR) — filho do ex-ministro José Dirceu.
Às 20h23min, Zeca questionou quais estudos foram utilizados pelo governo para priorizar a reforma da Previdência ao invés da reforma tributária. Em seguida, o parlamentar parafraseou a música "Tchutchuca", do Bonde do Tigrão, de 2001, para criticar o que ele chama de diferença de atuação de Guedes em relação aos pobres e aos empresários.
— Eu estou vendo que o senhor é tigrão quando é com os aposentados, com os idosos, com os portadores de necessidade. É tigrão quando é com agricultores, com professores. Mas é tchutchuca quando mexe com a turma mais privilegiada do nosso país. O cargo público que você ocupa exige uma outra postura — afirmou Dirceu.
O deputado foi logo interrompido por aliados do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que pediam decoro. Guedes também reagiu. O ministro se ofendeu e revidou:
— Tchutchuca é a mãe, tchutchuca é a avó!
Depois, pediu respeito:
— Eu te respeito. Você me respeita!
Irritado, o ministro pegou o celular e já ameaçava ir embora. Ao lado dele estava o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho. Marinho cochichou no ouvido com o presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-PR).
Instaurou-se um caos generalizado no plenário da comissão e, após seis horas e meia de audiência, a sessão foi encerrada antes mesmo que metade dos deputados inscritos conseguissem falar.
O bate-boca continuou. O deputado Éder Mauro (PSD-PA) disparava para Zeca Dirceu:
— Vai falar assim na sua casa.
Delegado Waldir (PSL-GO), líder do partido na Casa, disse que iria embora.
— Não vou ficar com bandido aqui — disse.
Em meio aos empurrões, o ministro saiu escoltado por parlamentares aliados e foi embora por uma escada lateral do anexo 2 da Câmara.
Segundo o deputado petista, a confusão foi uma estratégia do ministro para deixar a audiência.
— Ele queria encerrar há tempos, usou isso como desculpa para fugir do debate — disse.
A confusão continuou entre deputados e assessores. A deputada Maria do Rosário (PT-RS) acusou a assessora especial do ministro, Daniella Marques, de agressão.
Marques foi levada ao departamento de polícia da Câmara.
— Aqui é o local de trabalho dos parlamentares, não vou permitir que seja agredida aqui — disse a deputada.
Segundo ela, deputadas da oposição se aproximaram da mesa depois do fim da sessão para tentar retomar a audiência, mas foram empurradas pela assessora.
Clima tenso desde o início da audiência
Ao longo da audiência, a temperatura foi subindo, e o ministro recebeu críticas ao deixar de responder questões técnicas dos deputados.
O ministro tem assumido o papel de articulador político da reforma, mas o esperado era que respondesse a dúvidas sobre o texto em si. O governo, porém, quer deixar o debate do mérito da proposta apenas para a comissão especial. Por isso, uma corrente defendia que Guedes nem sequer fosse à CCJ.
Guedes, no entanto, fez uma defesa política da reforma, e deu respostas evasivas sobre questões econômicas. A posição desagradou membros da CCJ, mesmo entre aqueles que não fazem parte da oposição.
A deputada Clarissa Garotinho (PROS-RJ), por exemplo, cobrou que o ministro respondesse sobre os efeitos, em 12 anos, do gatilho previsto para aumentar automaticamente a idade mínima para aposentadoria a cada quatro anos.
De acordo com a proposta, a idade mínima subirá proporcionalmente ao aumento do tempo de sobrevida -quantos anos uma pessoa de 65 anos vive a mais.
— Espero que o ministro tenha boa memória, porque fiz várias perguntas e não vi nenhuma anotação — afirmou ela. Horas depois, porém, o ministro desceu da mesa para entregar respostas escritas à deputada em gesto de conciliação.
Na frente de Guedes, deputados favoráveis à PEC cobraram respostas sobre o impacto de cada medida prevista na reforma da Previdência. A equipe econômica decidiu revelar esses números apenas futuramente.
Estratégia desagrada deputados da base
Fora do plenário da comissão, a estratégia do ministro também desagradou.
— Talvez seja preciso que Paulo Guedes volte à CCJ da Câmara. Há dúvidas sobre a nova Previdência e os impactos das novas regras. O governo precisa intensificar o convencimento dos parlamentares e da população de que a reforma precisa cortar privilégios — disse nas redes sociais o líder do DEM, Elmar Nascimento (BA).
Guedes se envolveu em embates em diversos momentos. Com menos de 30 minutos de reunião, o ministro respondeu a deputados que gritavam que o Brasil se tornaria o Chile caso a reforma fosse aprovada.
— O Chile tem US$ 26 mil dólares de renda per capita, o dobro do Brasil. A Venezuela deve estar melhor, né? — afirmou, gerando caos no colegiado.
Deputados do PSOL levantaram cartazes, gritos tomaram o plenário e o presidente da comissão, Felipe Francischini (PSL-PR), tentava acalmar os ânimos:
— Isso aqui não é briga de rua.
O clima voltou a esquentar quando Guedes atacou deputados de esquerda após ser interrompido por Ivan Valente (PSOL-SP), que fez pergunta sobre eventual retirada de direitos de domésticas.
— Vocês estão há quatro mandatos no poder. Por que não votaram imposto sobre dividendos? Por que deram benefícios para bilionários? Por que deram dinheiro para a JBS? Por que deram dinheiro para o BNDES? — disse.
O ponto de maior tensão aconteceu quando o ministro afirmou que quem acha que não é preciso fazer uma reforma da Previdência precisa de internação psiquiátrica.
— Quem acha que (a reforma da Previdência) não é necessária é um problema sério. É caso de internamento — afirmou.
O ministro pareceu perplexo com a reação de deputados, que se ofenderam com o comentário. Houve gritaria, e Francischini ameaçou encerrar a sessão.
Entre os membros do centrão que estão na comissão, o jeito "pavio curto" do ministro incomodou. Além disso, a ausência de líderes partidários chamou a atenção de deputados.
Guedes chegou à comissão escoltado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e líderes ligados ao parlamentar, como Baleia Rossi (MDB-SP) e Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
Maia permaneceu à mesa durante a maior parte da reunião, em atitude que não é praxe do presidente da Câmara.