
Você assinou o contrato de aluguel de um imóvel, mobiliou, decorou, viveu durante meses no local e, agora, chegou à etapa final: a hora de entregar.
Finalizar um contrato de locação envolve mais do que a simples devolução das chaves à imobiliária ou ao proprietário.
Antes, é necessário garantir que a moradia esteja em condições ideais para evitar dores de cabeça, conflitos e até prejuízos no bolso.
Para tirar suas dúvidas, Zero Hora conversou com os advogados Daniel Fuhro Souto, diretor jurídico da Associação Brasileira de Mercado Imobiliário (ABMI); Ricardo Vogt, presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB/RS; e Jorge Renato dos Reis, professor do curso de Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC).
Neste guia, entenda os principais pontos que o locatário deve observar para realizar uma entrega correta e tranquila do imóvel:
Notificação à imobiliária ou ao proprietário
Tendo em vista um cenário em que o prazo mínimo de estadia foi cumprido e não houve descumprimentos contratuais, o processo de devolução de um imóvel se inicia com uma notificação.
Caso a decisão parta do próprio inquilino, a intenção de deixar o imóvel alugado deve ser comunicada à imobiliária ou ao proprietário (a depender do tipo de locação) com antecedência.
Tradicionalmente, o aviso deve ser feito, no mínimo, 30 dias antes da devolução.
A recomendação é que o inquilino utilize esse intervalo para organizar os eventuais reparos. Isso porque uma das obrigações de quem aluga é entregar o imóvel nas mesmas condições que recebeu.
Importância do contrato e da vistoria inicial
O contrato de locação é o grande norteador de todo o processo, desde a entrada até a saída do imóvel. Conforme o diretor jurídico da ABMI Daniel Souto, este é o documento que regulamenta todas as etapas e funciona como um elemento de proteção para as partes.
No ofício, é altamente recomendado pelos especialistas consultados por Zero Hora que seja realizado e adicionado um laudo técnico ou um relatório com descrição minuciosa sobre as condições do imóvel na entrada do locatário.
Essa é a chamada vistoria inicial, procedimento feito antes da locação, com o objetivo de documentar qual o estado de conservação.
Ao assinar o documento, o inquilino se compromete a devolver o imóvel da mesma forma como ele foi descrito: se as paredes eram brancas e sem furos, elas devem ser entregues brancas e sem furos. Portanto, a orientação é:
- Prestar atenção nos termos do contrato antes de assiná-lo
- Comparar a descrição e as eventuais fotos da imobiliária com o estado do imóvel entregue, preferencialmente antes de levar as mobílias
— O locatário, quando entra no imóvel, tem que ter cuidado e conferir essa ficha de vistoria. Inclusive, ele deve incluir mais alguma coisa que ele observe que esteja em desacordo. Por exemplo, há um vidro trincado? Uma fechadura que não está funcionando e não está na ficha? Peça para a imobiliária acrescentar — adiciona o advogado Jorge Reis.
Se os itens não forem adicionados antes da assinatura do contrato e, na etapa final, a imobiliária constatar como danos, o inquilino se torna responsável. Portanto, terá de consertá-los.
Há administradoras que colocam uma cláusula com prazo para que o inquilino adicione eventuais elementos contidos no imóvel que não foram citados no detalhamento inicial.
O que é dever do inquilino
No processo de saída de um imóvel alugado, o locatário deve estar atento, sobretudo, aos acordos que foram firmados no início do processo de locação. As obrigações principais são:
- Devolver o imóvel nas mesmas condições que foi recebido, salvo os desgastes naturais pelo uso
- Deixar o imóvel limpo e desocupado
- Realizar reparos de danos causados
- Não modificar a forma interna ou externa do imóvel sem o consentimento prévio e por escrito do locador
- Quitar as contas relacionadas ao imóvel (aluguel, água, condomínio, por exemplo)
- Entregar as chaves e permitir acesso ao imóvel para vistoria final
O que é desgaste natural e o que é dano causado?
A diferença entre os dois conceitos é essencial para definir as responsabilidades do locatário e do locador.
De acordo com Daniel Souto, desgaste natural é a deterioração do imóvel, que ocorre com o uso ao longo do tempo. Não resulta de negligência ou mau uso. Dessa forma, não é responsabilidade do locatário.
— É uma forma de desgaste que é inevitável. Faz parte do ciclo de vida dos próprios materiais. Nem sempre é fácil a gente considerar — acrescenta Ricardo Vogt.
São exemplos:
- Desgaste na pintura do piso por circulação
- Desgaste em dobradiças e fechaduras
- Persianas desbotadas pela luz solar
- Perda de brilho em revestimentos
O dano causado é qualquer prejuízo em decorrência do uso inadequado ou da negligência por parte do inquilino. Nessa situação, ele deve reparar ou indenizar o dano antes da devolução, como:
- Buracos em paredes
- Vidros quebrados
- Manchas ou riscos permanentes em móveis ou revestimentos
- Danos por limpeza inadequada (como estufamento de piso laminado e mofo)
Vogt pontua que é comum ocorrer divergências entre as partes no entendimento do que foi uma negligência a algo inevitável.
O laudo de vistoria inicial é o elemento que pode auxiliar a chegar a uma conclusão. O especialista cita também que é necessário considerar o bom senso e tentar um acordo mútuo.

Pinturas
A pintura é um dos principais pontos de debate, seja em casas ou apartamentos. Ao considerar o que estabelece a legislação, destaca-se:
- O inquilino não é obrigado a pintar o imóvel se a pintura sofreu apenas desgaste natural
- A obrigação de pintar existe se houver danos causados pelo inquilino, como rabiscos, furos, sujeira excessiva ou alterações na cor original
— O que normalmente obriga a repintura por parte do locatário é o uso das paredes, como a colocação de quadros, o encosto de móveis, riscando a pintura ou também a existência de mofo, por falta de manutenção e ventilação das peças — declara o professor da UNISC Jorge Reis.
Ele adiciona que há casos em que o locador busca prevenir a discussão com itens no contrato, como a obrigatoriedade do locatário em fazer a pintura nova quando desocupar o imóvel.
Reparos e reformas
O inquilino ficará responsável por reparos e reformas caso ocorram danos provocados pelo uso inadequado.
— Quando as pessoas chegam no imóvel, é comum pendurar um quadro em uma parede e acabam fazendo um furo no local. O que acontece: essa parede não tinha esse furo. Então, esse reparo precisará ser feito — exemplifica Vogt.
Problemas estruturais que já existiam ou que surgiram por tempo de uso ficam sob os cuidados do proprietário.
Posso deixar alguma mobília?
Mobílias e eletrodomésticos pertencentes ao imóvel e descritos no laudo inicial são de propriedade do locador e ficam condicionados às regras do aluguel.
Ao considerar que a premissa é devolver da mesma forma como recebeu, caso o inquilino tenha entrado no local vazio e equipado o ambiente com seus próprios móveis e eletrodomésticos, ele deve retirá-los na etapa final.
Segundo o advogado Daniel Souto, a exceção fica para situação em que a permanência de algo é previamente acertada e documentada entre as partes.
Quais as obrigações do locador
O locador também deve estar atento a fatores como:
- Assegurar que o imóvel esteja disponível, livre e seguro para o uso do locatário
- Garantir o uso pacífico do imóvel
- Não entrar no imóvel sem autorização do inquilino durante a locação ou provocar transtornos
- Fornecer ao locatário descrição minuciosa do estado do imóvel antes da entrega, o que inclui a listagem de eventuais defeitos.

O que o locador não pode exigir
O proprietário do imóvel não pode exigir o que não tenha sido previsto em contrato.
Ou seja, ele não pode solicitar reparos que não estejam descritos em acordo ou que não constem no laudo de vistoria inicial. Por isso, a comparação entre a entrada e a saída deve ser justa e documentada. Por exemplo:
- Não pode exigir reforma que se diferencie do estado inicial do imóvel
- Não pode exigir reparos por desgaste natural

Vistoria final
Finalizada a desocupação do imóvel, a imobiliária ou o locador irão agendar com o locatário uma data para fazer a vistoria final . A recomendação é que as partes estejam presentes para acompanhar.
— A vistoria é uma garantia para os dois lados. O ideal é que ambos, inquilino e locador, participem desse momento — propõe Souto.
Este é um procedimento padrão, feito para avaliar se o imóvel está de acordo com as condições iniciais. Se positivo, o contrato pode ser encaminhado para o encerramento.
Prazo para contestação da vistoria final
Após a realização da vistoria final, as imobiliárias oferecem uma descrição do que foi constatado. Ao inquilino, é dado um prazo para que ele apresente contestação caso não concorde com algum dos apontamentos.
Não entreguei o imóvel da forma como recebi, e agora?
Se for entendido que o locatário tem reparos de sua responsabilidade pendentes, há três opções para resolvê-los:
- O próprio locatário pode realizar os reparos
- O locatário pode contratar um prestador de serviço
- A imobiliária ou o proprietário podem encaminhar o reparo. Nessa circunstância, o inquilino deve efetuar o pagamento das reformas
De acordo com Jorge Reis, depois de estabelecido prazo para efetuar os reparos, o aluguel durante este período permanece sob responsabilidade do locatário até a entrega definitiva das chaves — quando tudo estiver resolvido.
— Caso o locatário não efetue os reparos ou não os faça de modo a deixar nos termos contratuais, a imobiliária ou locador poderá fazer por sua conta e, após, cobrar do locatário as despesas do conserto e o aluguel do respectivo período — aponta.
Se o inquilino recusar estas despesas devidamente documentadas, o locador ou a imobiliária poderão efetuar a cobrança no âmbito judicial.
*Produção: Carolina Dill


