João Pedro Pitombo*
Folhapress
Uma colheitadeira atravessa um campo de trigo de 120 hectares em movimentos precisos. Na cabine, o operador sequer toca no volante e cuida apenas do processo de colheita. Debaixo de um toldo, ao lado do campo, um equipamento no formato de maleta de mão funciona como o cérebro da máquina e a faz operar com precisão mesmo sem nenhuma ligação com a internet.
Guiado por câmeras de vídeo, o aparelho opera por meio de inteligência artificial sem demandar conexão à internet. O equipamento também é capaz de detectar alterações no relevo e obstáculos no campo como pedras, árvores ou animais, evitando acidentes. Batizado de C2A2 Agrodroid, o projeto foi criado pela Cognitive Technologies, empresa russa que desenvolve sistemas para veículos autônomos. A marca é um dos principais players desse segmento na Europa e agora mira o mercado brasileiro.
— Todos os obstáculos no campo podem ser detectados com o uso de apenas uma câmera. Nosso sistema não é cego — afirma a presidente da Cognitive Technologies, Olga Uskova.
Solução para áreas off-line
A inovação surgiu da necessidade: com dimensão continental, a Rússia ainda tem baixa cobertura de internet em áreas rurais. A solução foi apostar em um modelo que dispensasse conexão por GSM — tecnologia usada em redes de celulares — ou via satélite. E é exatamente esse panorama de território de dimensão continental e cobertura GSM limitada que aproximam as realidades de Rússia e Brasil, na avaliação da presidente da Cognitive Technologies:
— São realidades parecidas. Com um mercado agrícola tão grande e intenso, o Brasil tem oportunidades de implementar tecnologias de inteligência artificial para aumentar a eficiência e a eficácia dos negócios no campo.
Os russos da Cognitive Technologies apostam justamente nesses diferenciais para competir com os veículos agrícolas autônomos no Brasil. Uma das gigantes do setor, a CNH Industrial — que detém as marcas Case e New Holland — apresentou um protótipo do veículo há dois anos.
Olga ainda vê como diferencial no mercado brasileiro a possibilidade de fazer o uso mais intensivo das máquinas. No Brasil, dependendo da cultura, pode-se chegar a até três colheitas por ano.
Já a Rússia tem nos invernos rigorosos um limitador: os agricultores fazem apenas uma colheita anual, sobretudo nas áreas mais frias como a Sibéria, onde as temperaturas podem chegar a –50°C no inverno.
A Cognitive Technologies negociou a instalação do sistema em 800 máquinas da empresa Rusagro, gigante da agricultura da Rússia, e também tem pré-contratos assinados com empresas do Brasil e Argentina.
A solução custa em torno de US$ 6 mil (cerca de R$ 25 mil), o equivalente a 1,5% do preço total de uma colheitadeira.
Além de máquinas para o campo, a companhia também tem sistemas de condução autônomos para bondes urbanos, trens e carros convencionais. Mas, na América Latina, o mercado prioritário da empresa russa será o agrícola.
Redução de perdas no trigo
Proprietário de uma fazenda de trigo em Tomsk, na Sibéria, Victor Karbyshev tem 40 anos de experiência no campo e foi o primeiro agricultor a usar os equipamentos de forma industrial na Rússia.
Ele diz que a tecnologia reduziu o nível de perdas na hora da colheita, que chegavam a até 17% do trigo plantado:
— Com o sistema autônomo, motorista não precisa se concentrar na direção e se foca apenas na colheita. Isso nos deu eficiência.
Filho, neto e bisneto de agricultores, Karbyshev afirma que o uso intensivo de tecnologia representou um salto para a produção da fazenda e compara a mecanização no campo do século 21 com a corrida espacial do século 20:
— Meu pai costumava dizer: ‘Nós (russos) podemos ir para o espaço, mas não podemos fazer boas máquinas agrícolas’.
*O repórter viajou para a Rússia a convite da Cognitive Technologies
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