
Wilma Resende Araujo Santos não adota a postura da anciã que fala de cima para baixo, como detentora de todo o saber. Aos 92 anos, prefere escutar o que os outros têm a falar. Sobretudo os mais jovens, em quem deposita muita confiança.
— A rapidez com que as coisas estão evoluindo em função da tecnologia é incrível, e os jovens estão se adaptando. O mundo vai ser diferente, mas eles vão saber dirigi-lo da melhor forma — projeta.
O otimismo não é casual: vem de uma vida inteira dedicada a formar as novas gerações. Mineira de nascimento e gaúcha de coração, ela foi a responsável por implementar a Junior Achievement nos Estados brasileiros. A organização, de origem norte-americana, está presente em mais de cem países e é pioneira em levar projetos de empreendedorismo, educação financeira e mercado de trabalho para dentro das escolas.
A paixão pela causa fez com que Wilma recebesse a alcunha de "Dona Wilma da Junior Achievement", que agora dá nome ao documentário recém-lançado pela organização, recuperando a história de sua líder nonagenária:
— Eu adoro esse apelido. Acho que a Junior Achievement estendeu a minha vida. Desconfio que foi o meu envolvimento com o programa que me permitiu chegar aos 92 anos assim, firme, forte, alegre e com energia.
Mas a história de Dona Wilma ultrapassa o escopo da organização, na qual ingressou já depois dos 60 anos. Uma década antes, ela chefiou a icônica rede de lojas J.H. Santos em um dos períodos mais difíceis de sua vida: quando o marido, Fábio Araújo Santos, morreu em um acidente aéreo.
Viúva aos 48 anos, Wilma tomou as rédeas da criação dos sete filhos e da administração do negócio familiar, antes encabeçado pelo esposo. Os desafios que acompanharam esse período são narrados por ela em Revirando Guardados, livro de memórias lançado no ano passado, no qual revisita dores e conquistas.
Em entrevista à Donna, Wilma invoca a mesma franqueza para abordar os momentos difíceis de sua trajetória; a coragem de assumir uma empresa em expansão quando poucas mulheres desempenhavam esse papel; a paixão que a levou a transformar a educação de milhões de jovens; e a intimidade familiar que a fortalece diariamente.
Com a energia de quem nunca se cansará de viver, reflete, também, sobre o envelhecimento e o que ainda pretende realizar.
— Sinto que a vida é um presente de Deus, e a gente tem a obrigação de cuidar dela. A minha vontade é chegar lá no fim com alegria. Tirei do meu vocabulário palavras como reclamar. Eu só tenho o que agradecer.
Confira a entrevista:
No livro Revirando Guardados, a senhora diz que está "revivendo seus 90 anos". Que memórias mais lhe emocionam quando abre essas gavetas?
A primeira grande emoção que tive na vida foi a perda da minha mãe. Eu tinha sete anos e nem sabia o que era morte. Ela morreu por choque anafilático após uma injeção de penicilina, depois de uma cirurgia simples, com apenas 30 anos.
Lembro de ver meu pai abraçando a minha irmã menor, chorando desesperado. Lembro de dizer para mim mesma: "Agora eu tenho que cuidar de mim." Essa frase me acompanhou a vida inteira. Já chorei muitas vezes por causa dela, mas sempre me senti dona da minha vida.
Depois, teve o acidente do Fábio (marido). Foi a maior loucura da minha vida. Ele saiu para inaugurar uma loja da J.H. Santos em Santa Catarina, a primeira filial fora do Estado. Estávamos vivendo um momento muito difícil, porque nosso filho Fabinho havia se acidentado de carro. Eu acompanhava todas as inaugurações da J.H. Santos, mas não podia deixar o Fabinho, então ele foi sem mim.
Pela televisão, fiquei sabendo que o avião dele havia caído. Eu não sabia o que fazer, mas lembrei que precisava cuidar dos meus filhos. A minha vida se divide em antes e depois desse dia.
Como foi encontrar forças para seguir, sendo mulher, mãe de sete e herdeira de uma rede de lojas em expansão?
A resposta são os meus sete filhos. Se eu não tivesse eles, acho que não teria conseguido. A cada dificuldade, a cada choro, eu lembrava que precisava ficar forte, porque eles dependiam da minha força.
Também entendi que a J.H. Santos era uma responsabilidade que eu precisava assumir ao lado dos meus cunhados. Sentei na cadeira do Fábio e lá permaneci por 13 anos, até passar o bastão para a geração seguinte. Não podia deixar que a tristeza me abatesse, porque eu precisava aprender a liderar uma empresa.
Me dediquei de verdade a isso. Busquei quem me orientasse sobre varejo e negócios, visitei todos os fornecedores, conversei com cada funcionário. Acho que ajudei a construir essa história bonita da J.H. Santos.
A senhora desempenhou esse papel em uma época em que víamos poucas mulheres em cargos de liderança. Quando decidiu assumir o negócio, isso pesou de alguma forma?
Eu fiquei muito apreensiva por esse motivo. Hoje, vejo que isso fez com que eu mudasse o meu jeito. Diminui o tamanho das unhas, parei de pintar com cores fortes, cortei o cabelo curtinho. Os conhecidos que antes eu abraçava, passei a estender a mão. Eu me transformei, como uma forma de me defender.
Mas a verdade é que eu fui bem recebida, até porque o Fábio era muito respeitado. Percebi que não precisava ter medo, que podia chegar a qualquer lugar. Tenho fotos presidindo assembleias da Associação Comercial formadas somente por homens.
A sua entrada na Junior Achievement se deu aos 62 anos. Nessa idade, muitas pessoas acham que está na hora de encerrar ciclos. A senhora iniciou um novo.
É verdade. Quando eu entreguei a J.H. Santos para a nova geração, eu pensei: "Pronto, agora vou para casa ser avó". Porém, o André Loiferman, que estava chegando dos Estados Unidos com o programa da Junior Achievement, propôs que eu assumisse com ele essa missão de implantar o programa no Brasil. Eu disse: "Não, André, agora eu quero focar em ser avó". Estar com os meus netos é a alegria da minha vida.
Mesmo assim, ele me deu o material da Junior Achievement para ler. No outro dia, liguei para ele e disse: "É maravilhoso, eu quero". Fiquei tão apaixonada pela Junior Achievement que fiz dela o projeto da minha vida. A minha responsabilidade era convencer as escolas a abrirem suas portas ao programa, convencer os empresários a financiarem e convencer os jovens a participarem. Eu amei fazer tudo isso. Foi a coisa mais energizante que já fiz.

A senhora conseguiu mobilizar empresários muito importantes. A que atribui essa capacidade de convencimento?
A causa era muito boa, mas claro que a minha paixão também ajudou. Na minha cabeça, se quisermos melhorar o mundo, tem que ser pela educação. Mas não é somente a educação formal de matemática ou história; é ensinar como funciona a política, o que são os impostos, o que é educação financeira, o que é ser empreendedor, o que é ser cidadão e o que é ter liberdade com responsabilidade. A Junior Achievement ensina tudo isso.
Não era difícil mostrar a importância do programa para as pessoas. Procurei empresários de todos os Estados brasileiros em busca de recursos para o programa, e não saía do escritório de um empresário sem que ele ligasse para outros dois ou três pedindo que também me recebessem. A minha paixão pela Junior Achievement se espalhou como uma cadeia produtiva.
Quem é a Wilma mãe e avó, na sua intimidade familiar?
Essa é a parte mais linda da minha vida. Eu consegui passar para eles que a família é muito importante. Todos são muito amigos, e eu adoro ficar saboreando isso.
Temos os nossos tradicionais almoços de domingo. Filhos, netos, amores dos filhos, amores dos netos, todo mundo participa. A casa enche de gente, formam-se vários grupinhos de conversa, e eu fico só observando e saboreando. Gosto muito de vê-los conversando e se dando bem. Esses almoços são como mágica.

Aos 92 anos, o que a senhora ainda tem vontade de realizar?
Eu até me seguro para não ter vontade de começar alguma coisa (risos). Resolvi escrever o livro e escrevi. Agora, já estou com vontade de escrever outro. Eu não tenho medo de ficar desocupada. Gosto de estar na minha casa, gosto da minha rotina.
Faço o meu café da manhã, coloco uma mesa bem bonita para as refeições, molho as plantas, organizo a casa. Adoro fazer as coisas para mim. Nenhuma tarefa é pesada, faço com tudo muita alegria.
Quando penso na minha vida, só tenho coisas boas para lembrar. Até mesmo as dificuldades me trouxeram algum ensinamento. Eu não me canso de viver. Não me canso mesmo.


