
Um diagnóstico de câncer de mama muda vidas. Para algumas mulheres em idade fértil, a notícia costuma vir acompanhada de uma dor que vai além do medo da doença – o de ver adiado, ou até perdido, o sonho da maternidade. Durante os tratamentos, que podem afetar a fertilidade, muitas tentam preservar a esperança de um futuro possível, em que filhos não apenas marcam um recomeço, mas revelam novas versões dessas mulheres.
Mireille Coelho Sanson descobriu um câncer de mama triplo-negativo, considerado o tipo mais agressivo da doença, enquanto tentava engravidar, em abril de 2019. Na época, com 35 anos, se sentiu perdida. Com o apoio da família e da equipe médica, a arquiteta manteve a confiança de que, quando tudo passasse, ainda poderia realizar o sonho de ser mãe.
— Fiz o congelamento de óvulos um mês antes da minha cirurgia. A minha médica sempre falava “vamos congelar teus óvulos, mas não vamos precisar”. Guardei isso muito forte para mim. Acreditei que ia dar certo e botei na minha cabeça que eu conseguiria ser mãe naturalmente. Minha médica me deu muita certeza — relembra Mireille, hoje com 42 anos.
O tratamento, que durou oito meses, contou com uma cirurgia conservadora que preservou parte da mama, 16 sessões de quimioterapia e 30 sessões de radioterapia. Após dois anos de acompanhamento, Mireille recebeu autorização médica para tentar engravidar novamente.
A gravidez aconteceu de forma natural, sem que fosse preciso recorrer aos óvulos congelados antes do tratamento. Em dezembro de 2022, nasceu Benjamin, que transformou a rotina de Mireille e deu novo sentido aos dias. Mais do que um símbolo de superação, ele representa a continuidade: a prova de que a vida depois do câncer pode seguir plena e cheia de caminhos possíveis.
— O diagnóstico é um choque muito grande, tu começas a ver tua vida de uma forma diferente, começas a valorizar a tua saúde. Na gestação, a prioridade vira o filho. A maternidade é uma coisa muito forte. Depois de passar pelo câncer, parece que criamos uma ligação visceral com o bebê. O filho dá força para a mãe chegar em qualquer lugar — avalia a arquiteta, que vive em Porto Alegre.

Com cautela e acompanhamento, maternidade é possível
O câncer de mama é o tipo de câncer mais frequente entre as mulheres brasileiras. O Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima que o Brasil registre 73,6 mil novos casos em 2025. Os avanços terapêuticos e o maior acesso ao diagnóstico precoce e ao tratamento transformaram a doença, que antes carregava o peso de uma sentença, em uma condição mais controlável e com bom prognóstico.
Para as mulheres mais jovens, que sonham em ser mães, essa mudança representa uma esperança concreta. Com acompanhamento especializado, o diagnóstico não significa o fim deste projeto de vida. De acordo com Betina Vollbrecht, mastologista da Santa Casa de Porto Alegre e líder de Mastologia do Hospital Nora Teixeira, estudos recentes reforçam que essa possibilidade é segura para as pacientes:
— Temos grandes estudos mostrando que engravidar depois não prejudica a paciente do ponto de vista oncológico. O Positive, que é um grande estudo, comparou dois grupos de mulheres, pareados por idade, pelo tamanho do tumor, pelo perfil. Um grupo contou com pacientes que engravidaram e o outro não. Não foram apontados desfechos negativos. Ele documenta bem a segurança oncológica da gravidez. Mas ainda temos que considerar e acompanhar cada caso.
Ainda assim, a orientação é que as pacientes aguardem dois anos após o fim do tratamento antes de tentar engravidar. Segundo Betina, é nesse período que ocorre o maior risco de recidiva. É importante que, antes de iniciar as tentativas, a paciente esteja com a doença controlada para garantir a segurança da mãe e do bebê.
Hoje, sendo mãe, me coloco no lugar dela (da própria mãe) e fico pensando em como ela foi forte. Eu queria viver isso, esse amor que não tem explicação.
JOANA SILVEIRA RAMOS
Dentista
Em tumores muito iniciais e de baixo risco, alguns centros podem considerar a gestação antes dos dois anos. Já em pacientes que precisam de terapia endócrina prolongada (uma medicação que deve ser usada por cinco ou 10 anos, por exemplo), a especialista explica que pode ser discutida a interrupção temporária para que a paciente consiga engravidar. Essa estratégia também tem segurança comprovada pelo Positive.
— Então, se a paciente estiver usando essa medicação, que chamamos de anti-hormônio, ela interrompe e aí tem de 18 a 30 meses para engravidar. Se precisar, depois ela volta a usar o remédio de novo. Porque a grande questão, aqui, é a idade. Então, por exemplo, por que todas as pacientes não podem esperar cinco anos? Porque pode ser que não dê mais tempo, pensando no ponto de vista do útero e da fertilidade — acrescenta Betina.

Planejar a gravidez é essencial
A definição do momento certo, das alternativas disponíveis e das medidas para preservar a fertilidade deve ser feita desde o diagnóstico, em diálogo com a equipe médica, para que o desejo de ter filhos possa ser considerado dentro do cuidado oncológico.
— A primeira coisa, após receber o diagnóstico, é conversar com a equipe médica. É importante reforçar para as pacientes que é possível, sim, engravidar com segurança oncológica depois de um câncer de mama. Não para todas as pacientes, mas para muitas. As pacientes precisam saber disso para poderem falar para os médicos sobre essa vontade. Então, juntos, planejarem essa possibilidade — recomenda a mastologista.
Os tratamentos contra o câncer de mama, embora salvem vidas, podem afetar a fertilidade feminina, alerta Laura Barbosa Ferreira, ginecologista especialista em reprodução humana. Alguns, como a quimioterapia e algumas terapias endócrinas podem provocar uma menopausa temporária ou permanente nas pacientes. Além disso, a radioterapia pode impossibilitar a amamentação.
— A quimioterapia causa uma aceleração da perda dos folículos ovarianos, que é aquela reserva ovariana que as mulheres perdem todos os meses desde quando estão na barriga das mães. Isso acontece até a menopausa. Durante esse tratamento, as mulheres podem reduzir muito essa reserva, e não dá para saber como o ovário vai reagir. Não sabemos se o pouco que vai ficar vai ser o suficiente ou se, daqui a pouco, essa paciente vai ficar sem menstruar e ter alguma dificuldade para ter filhos — complementa.
Em alguns casos, especialmente quando a paciente tem idade mais avançada ou uma reserva ovariana reduzida, o impacto do tratamento pode ser suficiente para comprometer de forma definitiva a fertilidade. Por isso, o planejamento é delicado, pontua Laura, já que não há como prever se uma mulher que nunca tentou engravidar teria, ou não, alguma dificuldade mesmo antes da doença.
— São muitas incógnitas. Sempre sugerimos que as pacientes façam o congelamento dos óvulos antes de iniciar o tratamento. Não é uma garantia de 100%, mas pode ser uma segurança. O método pode ser iniciado em qualquer fase do ciclo menstrual e dura menos de duas semanas, então é um processo rápido que acaba não atrasando o tratamento — defende.
Gêmeos após o câncer
Assim como Meirelle, a servidora pública Bibiana Ferreira Garcia, hoje com 43 anos, também se preparava para engravidar quando recebeu o diagnóstico, em dezembro de 2017. Aos 34, compartilhou com a equipe médica o desejo de ser mãe e foi orientada a considerar técnicas de reprodução assistida. Poucos dias antes da cirurgia, ela e o marido decidiram congelar embriões.
Além da operação e das sessões de quimioterapia e radioterapia, Bibiana precisou usar a medicação da terapia hormonal. Ela poderia ter pausado o remédio após dois anos para poder engravidar, mas resolveu esperar mais:
— O câncer que tive é o triplo-positivo, então eu fiquei com medo de engravidar logo em seguida. Porque, na minha cabeça, se eu tive um câncer hormônio-dependente, com uma gravidez, que é uma bomba de hormônios, fiquei com medo de ter uma recidiva. Me senti mais segura esperando os cinco anos. No finalzinho de 2024, decidimos que queríamos que eles nascessem esse ano. Tentamos gêmeos porque eu tinha 41 anos e pensei que provavelmente não teríamos uma segunda gestação, e para nós era importante que eles tivessem irmãos, na nossa ideia de família.
Apesar de, segundo ela, nunca ter dado muito protagonismo para a doença, ela acredita que Gustavo e Miguel, nascidos há quase dois meses, a ajudaram a olhar para o câncer de mama com outra perspectiva.
— Nem me lembrei, durante a gestação, que tive câncer de mama. Claro que fico com mais medo de ter uma recidiva no futuro. Porque antes era só eu e o meu marido. Agora temos os pequenos. Mas eu fico tentando me acalmar, pensando quanta gente já superou esse desafio, firme e forte. Por que comigo seria diferente? Vou tentando ressignificar e olhar pelo lado bom da coisa. Porque mesmo que seja difícil e, muitas vezes, desesperador, me abriu algumas portas — relata Bibiana.
Amor de mãe reforçou o desejo
Em 2020, a dentista Joana Silveira Ramos refletiu sobre a maternidade e decidiu que estava pronta para engravidar. Parou de tomar anticoncepcional, se preparou e, em janeiro de 2021, com 31 anos, recebeu o diagnóstico do câncer de mama.
— Eu chorei em dois momentos desse processo. Quando descobri que era um triplo-negativo, que sabemos que é um dos mais agressivos. E quando falei para o médico que tinha desejo de engravidar e que queria fazer a coleta de óvulos antes de iniciar o tratamento, ele disse que eu não tinha tempo. Aí optamos por fazer uma proteção ovariana — relata.
Com apoio da equipe médica, ela fez o tratamento com uma medicação que paralisa temporariamente a função ovariana, como se fosse uma menopausa induzida. Havia o risco de a condição se tornar permanente, mas o ciclo menstrual de Joana voltou ao normal depois de interromper o uso. Por conta do medicamento, ela ficou com o sistema reprodutivo atrofiado e teve que esperar mais um tempo antes de tentar.
Nem me lembrei, durante a gestação, que tive câncer de mama. Claro que fico com mais medo de ter uma recidiva no futuro. Porque antes era só eu e o meu marido. Agora temos os pequenos. Mas eu fico tentando me acalmar, pensando quanta gente já superou esse desafio, firme e forte.
BIBIANA FERREIRA GARCIA
Servidora pública
Joana engravidou e teve uma perda gestacional em julho de 2023. Ficou com medo e os médicos a aconselharam a aguardar um ano. Em outubro, porém, engravidou novamente. A menina Cecília nasceu em julho de 2024.
— Eu vi o poder da maternidade na minha mãe. Porque ela esteve comigo durante o tratamento. Eu pensava que precisava viver isso. Hoje, sendo mãe, me coloco no lugar dela e fico pensando em como ela foi forte. Eu queria viver isso, esse amor que não tem explicação. Me deu muita força — relembra, emocionada.


