
O assédio sexual costuma ser uma realidade constante que afeta majoritariamente o público feminino. O alvo são principalmente mulheres negras em início de carreira ou de baixa renda, de acordo com pesquisa realizada pela consultoria de equidade de gênero Think Eva em parceria com o Linkedin em 2020.
Pensando em maneiras em que a gestão possa exercer um papel de agente transformador no combate ao assédio, o Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), em parceria com a Think Eva e o Instituto Talenses Group, realizou o estudo E a Liderança? Resposta Gerencial a Denúncias de Assédio Sexual.
Divulgado em junho deste ano, os pesquisadores analisaram a conduta de 283 líderes em diferentes organizações e reuniram os dados e insights em um e-book.
— Vimos que o clima ético da empresa aparece como um grande motivador para o encaminhamento ou não das denúncias. Observou-se lideranças com um grande nível de desconhecimento do problema, muita insegurança sobre o que fazer ou não fazer e baixa tendência a encaminhar os casos para o RH — afirma Maíra Liguori, jornalista e cofundadora da consultoria social Think Eva.
Carla Fava, diretora executiva do Instituto Talenses Group, relata que o primeiro desafio é manter a pauta do combate ao assédio na agenda da alta liderança. Segundo ela, ambientes com políticas claras, canais de denúncia eficientes e acolhimento institucional aumentam a chance de que as denúncias sejam levadas a sério:
— É importante que lideranças estejam engajadas na construção de um ambiente seguro, para que as pessoas se sintam confortáveis em denunciar e tenham certeza que a denúncia será levada em consideração.
Quais são os principais bloqueios?
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 23% da população mundial já foi vítima de alguma forma de violência no trabalho, sendo que uma em cada 15 pessoas relata ter sofrido assédio sexual, com a maioria sendo mulheres.
No Brasil, quase metade das entrevistadas pela Think Eva e LinkedIn na pesquisa O Ciclo do Assédio Sexual no Ambiente de Trabalho, em 2020, afirmaram ter sido assediadas sexualmente, inclusive em ambientes digitais como redes sociais e plataformas de trabalho remoto.
O que agrava ainda mais o cenário é a baixa taxa de denúncias. Apenas 5% das vítimas procuram o RH e 8% recorrem a canais anônimos. Um terço não toma nenhuma atitude e 15% pedem demissão. O medo de represália e a descrença nas estruturas institucionais são os principais bloqueios.
— É aquele ditado "a corda sempre arrebenta para o lado mais fraco". A mulher não acredita que essa denúncia vai ser tratada com seriedade e celeridade, tem descrença na forma como os gestores vão acompanhar isso e receio de que isso prejudique sua carreira — explica a advogada Kennya Pimentel, especialista em compliance de gênero.
A naturalização do assédio
Outro ponto levantado pelo estudo é que casos percebidos como “menos graves”, como comentários inapropriados ou insinuações veladas, são menos propensos a serem encaminhados. Isso revela um problema cultural profundo de naturalização da violência.
— O assédio sexual é uma das violências mais toleradas na nossa cultura. Está muito intrínseco ao comportamento do que é "ser homem", do que é "ser mulher" — afirma Maíra.
O assédio sexual, de acordo com a advogada, engloba mesmo pequenos gestos e “brincadeirinhas”, que não raro servem como instrumento para intimidação.
— Para mulheres em posição de liderança, muitas vezes o assédio é usado como uma forma de mandar um recado de que ela não pertence àquele espaço, até de forma inconsciente — complementa Maíra.
Medidas de enfrentamento
Embora as mudanças precisem ocorrer tanto em nível organizacional quanto social, o estudo aponta algumas estratégias imediatas para iniciar o combate, como:
- Criação de canais de denúncia externos e anônimos, com garantia de sigilo e sem possibilidade de rastreamento
- Acolhimento da vítima com escuta qualificada e apoio psicológico
- Separação imediata entre vítima e agressor
- Protocolo ágil e transparente de apuração, com rigor na coleta de provas e punições exemplares
- Capacitação de líderes para lidar com vieses inconscientes e situações de violência
- Campanhas constantes de letramento, que mantenham o tema vivo no dia a dia corporativo
A empresa é uma das principais interessadas em coibir os casos de assédio. Conforme Maíra Liguori, a organização corre riscos reputacionais quando não se posiciona e não encaminha adequadamente as ocorrências – as quais, dependendo da gravidade, podem se enquadrar no Código Penal.
— A saúde mental dos colaboradores é muito afetada pelos casos de assédio ou pelo clima de instabilidade e insegurança. Há o risco trabalhista, porque, às vezes, as empresas têm gastos e problemas de compliance causados pela inação em relação a esses casos. E, com isso, sofre com o turnover, que é uma perda de talentos acentuada quando a empresa não cuida da questão do assédio — explica Maíra.
O que é assédio sexual?
Um ponto que exige atenção é o desconhecimento sobre o que configura assédio sexual. De acordo com a advogada Kennya Pimentel, não é necessário contato físico para que o ato seja caracterizado como tal. Mensagens, bilhetes, comentários de cunho sexual, ou mesmo insistência em paqueras não correspondidas já são formas de violência.
— Não é que toda cantada, toda paquera seja assédio, mas toda paquera insistente, que não teve abertura, e que constrange e humilha a pessoa deve ser considerada um assédio — afirma a advogada.
Kennya também lembra que as empresas são corresponsáveis pelos casos que acontecem em seus ambientes:
— O empregador precisa ter a consciência de que ele é responsável por proporcionar um ambiente seguro e saudável. Quando o empregador tem essa noção, ele se sente mais impelido a não permitir que o assédio ocorra dentro de sua empresa.
A advogada compartilha algumas recomendações sobre o que fazer ao se encontrar em uma situação de assédio, como, por exemplo, tentar reunir provas — sejam elas mensagens, e-mails ou relatos de testemunhas e de outras vítimas.
Também é válido evitar estar no mesmo local que o assediador e buscar apoio em redes de confiança, como amigos e familiares, e, se possível, em canais internos da empresa.
— Reúna provas das abordagens do assediador tantas quanto possível, anotando dia, mês, ano, local do ato de assédio, e se havia alguém por perto. Procure colegas que já passaram por isso, porque geralmente o assediador não faz uma vez só, faz com várias pessoas. E se dentro da organização não houver um órgão que se ocupe disso, não houver uma CIPA, faça denúncia aos órgãos oficiais – sugere Kennya.
Algumas alternativas para quem está enfrentando uma situação de assédio e não está tendo respaldo da empresa são:
- Buscar apoio de familiares e amigos
- Ligar para o 180 – Central de Atendimento à Mulher
- Procurar o Ministério Público do Trabalho
- Buscar atendimento em Delegacias da Mulher
- Procurar o Sindicato da sua categoria