
Interpretando Rita Lee (1947–2023) há uma década no teatro, Mel Lisboa agora eleva sua homenagem à cantora com um tributo que reforça sua conexão com a eterna rainha do rock brasileiro. A gaúcha de 43 anos chega a Porto Alegre para apresentar Mel Lisboa Canta Rita Lee, projeto que nasceu de forma espontânea, apenas com voz e violão, e que, inesperadamente, se transformou em um show com banda, figurinos glamourosos e uma presença tão marcante que daria ainda mais orgulho à própria Rita.
— Percebemos que o show funciona, e o repertório da Rita é muito amado por todos. Embora eu não esteja caracterizada, trago muito dessa energia da Rita, pois é uma “atriz que canta” que está no palco — explica Mel.
Escolhida a dedo por Rita Lee para dar continuidade a sua história nos palcos após tê-la assistido em Rita Mora ao Lado (2014), peça baseada no livro de Henrique Bartsch que conta a trajetória da roqueira sob o ponto de vista de uma vizinha, Mel aceitou voltar a interpretá-la em Rita Lee — Uma Autobiografia Musical, que estreou ano passado em São Paulo e que ganhará uma temporada no Rio de Janeiro em junho. O trabalho foi reconhecido com o Prêmio Shell de melhor atriz em 2025.
Sempre que estudo a Rita Lee, fico pensando: "Poxa, eu queria ser um pouco mais Rita". Como ela pensa, age, tudo é referência que gostaria de levar para minha vida. E eu tento.
MEL LISBOA
Atriz
Diferentemente do projeto anterior, desta vez o musical se inspirou no livro Rita Lee: Uma Autobiografia (2016), e a ideia deste novo espetáculo surgiu quando Mel gravou a versão em audiolivro, como Rita, em 2022.
— Interpretar a Rita é um privilégio imenso e também uma responsabilidade diária. Mesmo depois de tanto tempo em cartaz, não tem um dia em que eu fique: “Ah, hoje o jogo está ganho”. Nada está garantido. Sei que as pessoas gostam muito, mas é preciso melhorar todo dia — destaca a artista.
Em paralelo a Uma Autobiografia Musical, que deve chegar à capital gaúcha entre o fim deste ano e o início de 2026, Mel segue propagando as letras de Rita Lee por meio dos shows-tributo, seja no formato acústico ou na versão “dançante”, como pretende apresentar no Bar Opinião (Rua José do Patrocínio, 834) no dia 8 de maio.
— Para a apresentação de Porto Alegre, por exemplo, traremos um repertório mais dançante com a banda completa, mas nos shows acústicos também incluímos algumas baladas lindas. Foi muito difícil montar o repertório do tributo, porque há muita música boa e a gente queria colocar tudo. Se pudesse, o show duraria uns sete dias (risos).
Da origem à ascensão
Filha do músico Bebeto Alves (1954–2022) e da astróloga Cláudia Lisboa, Mel não vem a Porto Alegre apenas para mais uma parada da turnê. Nascida na capital gaúcha, mas criada no Rio de Janeiro, a atriz tem boa parte da família no Rio Grande do Sul e guarda lembranças carinhosas das férias de infância na cidade.
— Porto Alegre é um lugar muito especial para mim. É um outro tipo de relação, mas existe. Espiritualmente, é de um foro mais íntimo, familiar e de relações afetuosas.
A artista também é mãe de dois adolescentes – Bernardo, 16 anos, e Clarice, 12 –, frutos de seu relacionamento com o músico Felipe Rosseno, com quem ficou por 15 anos.
— Tento ser a melhor mãe que posso e aproveito cada momento com meus filhos, seja assistindo a um filme juntos, fazendo uma refeição ou conversando sobre a vida. Sinceramente, acho mais fácil agora, embora, às vezes, eles não queiram saber de mim, né? São adolescentes e querem ficar com os amigos também (risos) — reflete.
Com 24 anos de carreira, Mel Lisboa ganhou projeção ao protagonizar Presença de Anita, em 2001, marcando sua estreia na televisão. Mas foi no teatro que a artista encontrou seu lugar, estrelando mais de 20 peças, entre elas Cyrano (2009), Misery (2022) e Madame Blavatsky – Amores Ocultos (2023).
As pessoas estranham minha escolha pelo teatro, mas me orgulho de tudo o que ele me deu. Os frutos demoram, mas são frutos bem sólidos.
MEL LISBOA
Atriz
No cinema, integrou o elenco dos recentes Maníaco do Parque e Atena, ambos de 2023. Esteve também na popular série Coisa Mais Linda (2019), da Netflix, e em Elis: Viver é Melhor que Sonhar, onde repetiu seu papel como Rita Lee.
Em entrevista a Donna, Mel Lisboa compartilha mais sobre o show que fará em Porto Alegre, a importância de Rita Lee em sua carreira e os aprendizados que teve ao longo da vida.
Confira a entrevista com Mel Lisboa
Como tem sido a resposta do público ao show Mel Lisboa Canta Rita Lee? Você sente uma conexão diferente da que sente no teatro?
A resposta tem sido maravilhosa, muito calorosa mesmo. A plateia de um show se comporta de maneira bem diferente da plateia de teatro. No show, as pessoas cantam, dançam, vibram de uma forma muito mais espontânea e participativa. No teatro, mesmo quando eu quebro a quarta parede, existe uma distância maior. No show, essa troca com o público acontece de maneira mais direta.
Você percebe que existe uma geração nova que está descobrindo a Rita Lee por sua causa?
A Rita tem uma força que atravessa gerações. Mas o que acontece é que muitos jovens que não tiveram a oportunidade de vê-la ao vivo me dizem que, de alguma forma, sentem sua presença no palco por meio do meu trabalho. Eles ficam muito contentes e dizem: "Obrigada por me dar esse gostinho." Ela segue encantando as pessoas e formando novos públicos, e vai seguir fazendo isso independentemente de mim.
Nos shows, você se apresenta com figurinos brilhantes e maquiagens marcantes. Como tem sido essa produção para os shows?
Crio tudo em parceria com a Thais Losso, minha figurinista e amiga, que entende meu desejo de homenagear o glam rock dos anos 1970. Buscamos sempre uma inspiração na Rita sem jamais cair na imitação literal, tanto no figurino quanto na maquiagem, que é toda pensada para capturar essa energia única do palco. A gente vai brincando com referências.

Quais lembranças você tem do seu encontro com a Rita Lee?
O que mais ficou marcado foi a generosidade dela. Rita foi extremamente carinhosa e sempre elogiou meu trabalho, me disse coisas muito bonitas. Me lembro dela falando, com muito bom humor: "Você ficou até corcunda", sobre a composição física da personagem para o teatro. E foi um pedido dela que a segunda peça (Autobiografia Musical) existisse, o que nos deu ainda mais força para levar o projeto adiante.
Viver a Rita Lee no palco te transformou de alguma forma como mulher ou artista?
Sem dúvida. Sempre que estudo a Rita, vejo as coisas dela, fico pensando: "Poxa, eu queria ser um pouco mais Rita". Como ela pensa, age, tudo é referência que gostaria de levar para minha vida. E eu tento.
Você estreou na TV com um papel marcante em Presença de Anita. Como foi lidar com tanto destaque logo no começo da carreira?
Foi no mínimo revolucionário na minha vida, um divisor de águas. Eu achava que lidava bem, mas com o passar dos anos, percebi que fui abalada por isso. Era algo que não tinha o menor controle. Tinha 19 anos, o que é compreensível. Hoje, aprendi a me perdoar pelos meus erros, mas entendo que fiz o que era possível naquela época.
Qual a sua opinião hoje sobre a minissérie? Chegou a assistir novamente?
Do que lembro, ela é uma obra que hoje em dia teria problemas em relação a temas que são muito sensíveis – questões sexuais, de racismo, de homofobia, de machismo, feminicídio – e que, talvez, tivessem que ser abordadas de outra forma hoje. Não que não tenha que falar, porque essas coisas existem, mas não daquela forma.
Você não gosta de se assistir depois?
Não tenho o hábito de ficar revendo meus trabalhos. Às vezes, assisto no lançamento, mas depois evito, para não me prender a autocríticas excessivas. Fico achando que poderia ter feito diferente. Cada projeto tem seu momento, e aprendi a respeitar esse fluxo.
O que você faz quando quer se desconectar completamente do trabalho e relaxar?
Gosto muito de estar com meus amigos, assistir a filmes, ler bons livros, cozinhar, me exercitar e ouvir podcasts — que me acompanham praticamente em tudo, seja no trânsito, seja nas tarefas domésticas.
Falando em podcasts, você também atuou em Paciente 63 com Seu Jorge (um podcast de ficção científica). Como foi produzir esse material?
Foi desafiador e, ao mesmo tempo, extremamente prazeroso. Trabalhar apenas com a voz, sem o apoio da expressão corporal, exige uma outra camada de técnica e sensibilidade. Você precisa ter técnica, porque, senão, não passa o que precisa passar.
Você é mãe de dois adolescentes. Como foi lidar com a chegada desta fase?
São duas personalidades completamente diferentes. A adolescência traz questões que exigem paciência, mas acho “mó barato” poder conversar com eles, vê-los crescerem, se tornarem seres humanos com uma opinião, com um posicionamento. Tenho curtido muito essa fase e não sinto falta deles pequenos.
Eles também são fãs da Rita Lee?
Sim, eles são apaixonados. Nasceram com a Rita povoando o nosso universo, então ela é muito marcante. Eles me acompanharam na estreia do documentário da Rita no festival É Tudo Verdade (Ritas, de Oswaldo Santana, que chega aos cinemas em 22 de maio), e no final, a Clarice falou: "Mãe, deu uma saudade da Rita", e o Bernardo: "Nossa, ela é genial, né?"
Desde que você começou, como percebe as mudanças na representação feminina nas produções brasileiras?
Houve avanços importantes, mas ainda temos um longo caminho pela frente. A presença feminina nas histórias e nos bastidores precisa ser cada vez mais valorizada, e a diversidade também precisa se refletir mais amplamente nas produções. Para promover a mudança, são necessárias ações afirmativas para que a gente possa dizer que tem lugar para todo mundo.
Com mais de duas décadas de carreira, como você define a construção da sua trajetória?
Tenho orgulho da minha trajetória no teatro, que é o lugar onde eu realmente aprendo, me dá todas as ferramentas e recursos. Consegui a proeza de me manter como atriz durante todo esse tempo, de sobreviver com minha arte, o que é muito difícil neste país.
Não é fácil fazer teatro, ser bem pago e reconhecido. As pessoas estranham minha escolha pelo teatro, mas me orgulho de tudo o que ele me deu. Os frutos demoram, mas são frutos bem sólidos.