Redação Donna
Donna reproduz a crônica do jornalista Luiz Antônio Araújo, que descreve uma situação verídica e recente.
Conto de inverno
- Tudo bem, filho?
- Tudo.
- Como foi a aula?
- Briguei.
- Brigou?
- É.
- Por quê?
- Por causa do pala.
- Do pala?
- É.
- Como assim?
- Ficaram rindo do meu pala.
- Rindo?
- É.
- Mas qual era a graça?
- Disseram que eu parecia um índio.
- Isso não é motivo para rir. Os índios foram os primeiros a viver aqui.
- Eu sei.
- Também foram os primeiros a usar pala.
- ...
- Ser índio não é vergonha. Os índios inventaram o chimarrão, e ninguém ri de quem toma chimarrão.
- Também disseram que eu parecia um mendigo.
- Se todos os mendigos tivessem um poncho como o teu, o inverno seria diferente.
- Poncho?
- O mesmo que pala.
- Ah.
- Quais foram os colegas que disseram isso?
- Um monte. Fulano, Sicrano...
- E o Beltrano, que é teu amigão?
- Disse que eu parecia um zumbi.
- Zumbi?
- É.
- E o que tu fizeste?
- Fiquei brabo. Riram tanto que saí de perto e fiquei sozinho.
- E tiraste o pala?
- Não.
- Fizeste muito bem. Pala é prático, bom para proteger do frio. E é roupa comum de gaúcho.
- Eu sei.
- Tem até música. "Mas se alguém me pisar no pala...". Já ouviste essa?
- Não.
- Tem outras."No pampa meu pala a voar / Esteira de vento e luar...". Essa é do Vitor Ramil e do Fogaça.
- Tá.
- E, além do mais, o teu pala é bonitaço.
- Ã-rã.
- De vez em quando até eu uso pala. Já viste?
- Vi.
- Esquece essa história. Esses que riram têm de conhecer mais o Rio Grande.
- Pai...
- O quê?
- Não quero ir de pala ao colégio amanhã.
- Mas por que, filho?
- Não quero pagar mico.
***
- Pô, filho, foste à aula com cabelo a la Neymar com esse frio?
- Deixei o topete secar e depois coloquei a touca, pai.
- E os colegas que riram outro dia do pala acharam engraçado desta vez?
- Não.
- Ninguém disse nada?
- Só um.
- Disse o quê?
- Disse: "Ô, Neymar".