
O diagnóstico de infertilidade soou, durante muito tempo, como uma sentença irrefutável: não seria possível engravidar. Porém, com o avanço da medicina reprodutiva, cada vez mais mulheres conseguem realizar o sonho da maternidade por meio da reprodução assistida.
O conceito abrange tratamentos e técnicas que permitem contornar a infertilidade feminina, masculina ou de ambos os sexos, por meio da manipulação laboratorial de óvulos, espermatozóides e embriões.
Estão incluídas nesse guarda-chuva a fertilização in vitro (FIV) e a inseminação intrauterina (popularmente conhecida como inseminação artificial), alternativas que têm ganhado cada vez mais adeptas no Brasil e no mundo.
Em 2024, foram realizados no país quase 56 mil ciclos de fertilização in vitro e mais de 10,5 mil inseminações intrauterinas, de acordo com dados divulgados no SisEmbrio, relatório produzido anualmente pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Mas, afinal, como funciona a reprodução assistida?
Fertilização in vitro x Inseminação artificial
Segundo Helena von Eye Corleta, professora da Faculdade de Medicina da UFRGS e sócia da clínica Generar - Reprodução Humana, a fertilização in vitro e a inseminação intrauterina são as técnicas de reprodução assistida mais usuais. A médica explica que, de forma geral, a principal diferença entre as duas está no ambiente em que a fertilização ocorre.
Na inseminação intrauterina, o sêmen (do parceiro ou de doador) é coletado e posteriormente introduzido no útero – por vezes, após um tipo de preparo chamado "capacitação". A técnica prevê que o espermatozóide percorra sozinho o caminho até o óvulo para, então, fertilizá-lo no útero.
— Essa é uma técnica mais barata, que oferece uma chance de gestação muito parecida com a de uma tentativa por meios naturais. Porém, para ser realizada, é necessário garantir que o espermatozóide consiga percorrer esse caminho e que a mulher não tenha alterações anatômicas nas trompas — observa a médica.
Helena explica que a inseminação é bastante utilizada por casais formados por duas mulheres, que conseguem realizar o sonho da gestação utilizando espermatozóides de doadores.
Já na FIV, o espermatozóide (do parceiro ou de doador) encontra o óvulo fora do útero, em laboratório. A fertilização pode ocorrer de forma espontânea, quando o sêmen é colocado na mesma placa que o óvulo e a penetração ocorre naturalmente, ou de maneira induzida, quando o espermatozóide tem baixa mobilidade e precisa ser injetado diretamente no óvulo.
Nas duas abordagens, o que é transferido para o útero é o embrião, formado após a fertilização.
Esse processo — que vai da coleta dos gametas até a transferência do embrião — corresponde a um ciclo de fertilização in vitro, que dura, em média, 20 dias. Em alguns casos, são necessárias várias tentativas até que a gestação seja bem-sucedida.
Quando é a hora de recorrer à reprodução assistida?
Helena explica que, em pacientes com história clínica normal e até 35 anos, o habitual é esperar um ano desde o início das tentativas por meio natural. Se depois deste período tentando engravidar por meio da relação sexual a gestação não se concretizar, é hora de buscar um especialista. Após os 35 anos, é indicado que a espera seja de seis meses.
A exceção desta regra está em mulheres que apresentam quadros clínicos que favorecem a infertilidade, como endometriose e doenças sexualmente transmissíveis como a clamídia e o HPV.
Nesses casos, o indicado é buscar um profissional especializado em reprodução assistida assim que a decisão de engravidar for tomada.
Até que idade é possível fazer?
Conforme Eduardo Pandolfi Passos, professor da Faculdade de Medicina da UFRGS e chefe do serviço de fertilidade e reprodução assistida do Hospital Moinhos de Vento, não há idade limite para recorrer às técnicas de reprodução assistida.
O médico explica que, enquanto a mulher tiver óvulos, é possível passar por algum dos procedimentos. Também é viável realizar a fertilização após a menopausa, utilizando óvulos doados.
Contudo, o mais indicado é que esses tratamentos sejam realizados até os 40 anos.
— A partir dos 40 anos, diminuem as chances de sucesso das técnicas reprodutivas e aumentam as chances de abortamento e complicações em caso de gestação, porque estará dentro daquilo que popularmente chamamos de "gravidez de risco" — explica o médico.
Passos pondera que os procedimentos não são proibidos para mulheres acima dos 40 e podem, sim, ter sucesso. No entanto, é essencial que a paciente – a chamada "tentante" – esteja ciente de que as chances de sucesso são mais baixas.
E o fator psicológico?
Helena recomenda que é fundamental que o profissional responsável pelo tratamento "jogue limpo" com a tentante, uma vez que passar pelo processo de reprodução assistida pode ser emocionalmente difícil.
— No geral, as mulheres que buscam a reprodução assistida já estão fragilizadas por não terem conseguido engravidar naturalmente — pontua a médica.
— Para as clínicas, é financeiramente interessante seguir fazendo procedimentos em mulheres de 46, 47 anos, mas você sabe que as chances delas terem uma gestação serão mínimas. Então, é uma questão ética de cada profissional. Se a paciente estiver determinada a tentar, tudo bem, mas o papel do médico é alertá-la de que talvez seja um investimento em vão — detalha a professora.
Quando congelar óvulos?
O congelamento de óvulos é uma alternativa cada vez mais procurada. A técnica consiste em coletar os gametas diretamente dos ovários e mantê-los congelados até um procedimento futuro.
Helena recomenda a prática especialmente para mulheres na casa dos 30 anos que desejam engravidar mais tarde, por volta dos 40. Assim, no futuro, poderão realizar fertilização in vitro utilizando óvulos mais jovens, o que aumenta as chances de sucesso do procedimento.
A médica explica que a qualidade dos óvulos diminui conforme a idade, o que justifica a pertinência da prática:
— Não há exame capaz de medir a qualidade dos óvulos, o único fator que fala sobre isso é a idade da mulher. Eu sei que os óvulos de uma mulher de 35 são piores que os de alguém com 30 e melhores que os de uma mulher de 40. Por isso, o congelamento é uma ótima alternativa para quem planeja engravidar mais tarde.
O professor Eduardo Pandolfi Passos chama atenção para a necessidade de uma "educação reprodutiva". Ele observa que muitas mulheres desconhecem a relação entre a idade e a diminuição da qualidade dos óvulos, e só encontram esta informação quando já é "tarde demais":
— Defendo que as mulheres, pelo menos entre 30 e 35 anos, sejam informadas disso pelos seus médicos, para que possam fazer um planejamento reprodutivo e tomar a decisão que fará mais sentido para elas, evitando frustrações e sofrimento no futuro.
Quais os riscos da reprodução assistida?
O médico esclarece que, de modo geral, os procedimentos de reprodução assistida não apresentam riscos à saúde da mulher. Porém, antes do início de qualquer tratamento, a paciente será avaliada clinicamente.
O maior risco está relacionado à própria gestação, que será mais delicada para mulheres acima dos 40 anos ou com quadros como obesidade e hipertensão.
Quanto aos cuidados necessários durante a gravidez, Passos afirma que são semelhantes aos de uma gestação natural, com atenção redobrada nos três primeiros meses.
Quanto custam os procedimentos?
Um ciclo completo de fertilização in vitro, com todas as etapas laboratoriais, a transferência dos embriões e a medicação que acompanha o tratamento, custa, em média, entre R$ 20 e R$ 30 mil.
Já a inseminação intra-uterina é uma opção mais barata. Os valores costumam ficar entre R$ 5 e R$ 10 mil.
Os procedimentos de reprodução assistida também podem ser realizados pelo SUS, por meio de encaminhamento pelas unidades básicas de saúde. Porém, a espera pode ser longa.
No Rio Grande do Sul, somente duas instituições realizam procedimentos de reprodução assistida pelo SUS: o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e o Hospital Fêmina.
Outra alternativa são projetos sociais que operam em parceria com clínicas especializadas. No Estado, um exemplo de iniciativa é o Nós Tentantes, que beneficia mulheres com fertilizações in vitro e congelamento de óvulos gratuitos.