
O que Aline Bei nomeou de “trilogia involuntária” acabou de se completar com a chegada de Uma Delicada Coleção de Ausências (2025) às livrarias na última terça-feira (10). Lançado pela Companhia das Letras, a obra se une ao O Peso do Pássaro Morto (2017) e Pequena Coreografia do Adeus (2021), e dá continuidade a temas que são amplamente atravessados pela experiência de ser mulher.
O novo romance foi desenvolvido ao longo de quatro anos de imersão criativa. Neste tempo em que ficou sem publicar nada, a autora cursou Escritas Performáticas na PUC-Rio e dividiu o processo de escrita com colegas e professores.
— Foi o período de muita escrita. O livro já tinha nascido como pressentimento durante A Pequena Coreografia do Adeus, mas só escrevo um livro por vez, e não simultaneamente — revelou a paulistana de 37 anos.
Em Uma delicada coleção de ausências mais uma vez são vozes femininas que atravessam a obra. Três mulheres – neta, avó e bisavó – dividem o espaço, e uma quarta voz é ausência: a da mãe, que foi embora, mas deixou rastros.
— Se nos livros anteriores tínhamos protagonistas narrando as próprias dores, agora temos três vozes que se intercalam e colidem dentro de uma casa que também é menor, mais fechada, com grades. Isso gera uma tensão, uma claustrofobia emocional que o livro percorre — afirma.
Diferentemente dos livros anteriores, ambos narrados em primeira pessoa, a nova obra traz uma terceira perspectiva, mas há controvérsias:
—Ouvi nos clubes de leitura que parecia primeira pessoa, de tão próximo que é o fluxo de consciência. Mas há um distanciamento maior. E essa ampliação das vozes torna essa casa um embate emocional ainda mais interessante — conta.
Uma das personagens foi percebida como não confiável, o que me surpreendeu
ALINE BEI
Escritora
Os clubes de leitura do projeto Leia Mulheres, realizados em parceria com a Companhia das Letras, foram fundamentais para esse retorno. Em três encontros, a autora se viu diante de novas interpretações que até mudaram sua percepção sobre a própria obra.
— Uma das personagens foi percebida como não confiável, o que me surpreendeu. Isso abriu uma nova porta interpretativa até para mim. É sempre uma grande surpresa porque, quando a gente está escrevendo, a gente não se apega tanto ao todo, né? A gente fica ali labutando fragmento por fragmento — destaca Aline.
As obsessões
A casa, o corpo, o abandono e a infância são temas que marcam a narrativa da autora desde sua estreia com O Peso do Pássaro Morto, vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura em 2018. Segundo Aline, as três obras foram escritas a partir das suas obsessões:
— Gosto desse lugar do devir. Da menina que não é mais criança, mas ainda não é mulher. Ou da mulher idosa que tem um pé no passado e outro fortemente no presente. Esses intervalos me interessam — afirma.
A literatura e arte, no geral, são uma tentativa de imobilizar a experiência no seu esplendor e na sua dor maior
ALINE BEI
Escritora
A maternidade também parte desse lugar de interesse de Aline. E, para ela, falar sobre a realidade dessa condição é uma forte conquista da quarta onda do feminismo, que tem colocado esse ponto mais ativo no debate público.
— Eu acho que uma mãe nasce junto com o seu bebê e ela vai construir esse afeto junto com ele. Para algumas pessoas é mais fácil, para outras mais difícil. Então, falar sobre isso é muito saudável e transformar essas mulheres em pessoas, que tem sua individualidade, também.
No caso do silêncio que também permeia as suas narrativas, principalmente quando há ausências, Aline explica que por vir do teatro, enxerga a folha como uma espécie de palco e uma linguagem que guia seu trabalho:
— A literatura e a arte, no geral, são uma tentativa de imobilizar a experiência no seu esplendor e na sua dor maior, nas suas sombras. Tão importante quanto o que eu estou dizendo, é o que eu não digo, né? Acho que o silêncio é uma língua para mim – explica ela.
De cara nova
Junto do lançamento, o livro de estreia da autora, O Peso do Pássaro Morto, ganhou uma nova edição pela Companhia das Letras.
– É um livro muito presente na minha travessia. Não é um livro que eu cheguei a ficar longe, eu conheço intimamente, porque não teve um distanciamento – contou.
Publicado inicialmente pela editora Nós, a releitura recebeu pouquíssimas modificações no texto original, segundo a autora, e também conta com a arte assinada por Julia Masagão.
— É um trabalho que foi feito quando estava no começo dos meus 30 anos e tem toda uma investigação que é fruto desse tempo e que não me senti apta a mexer na sensibilidade daquele momento. Hoje já sou outra autora, né? Mas estou muito feliz que os três (livros) estejam juntos agora — diz.
Depois de dois lançamentos marcados por eventos online, o retorno do encontro com o público presencialmente também tem um outro gostinho. Inclusive, as leitoras e os leitores gaúchos poderão encontrar Aline na Feira do Livro de Estância Velha, no dia 5 de julho, às 11h
*Produção: Rayne Sá