Viajar sempre me serviu de inspiração. Era comum retornar de férias e contar aqui na coluna algumas de minhas aventuras, como andar de balão no México, dormir num deserto no Marrocos ou tentar me comunicar em Tóquio. Sou leitora de livros de viagens desde criança e sei que quem não tem condições de ir tão longe se diverte pegando carona no relato dos outros.
Pois acabei de passar 10 dias em Londres, onde tive algumas reuniões de trabalho que, por uma sorte cósmica, se realizaram na cidade que mais me arrebata e a que volto sempre que posso. Só que não sei o que contar a respeito. Museus, teatros, pubs? Nada de especial a citar, a não ser o fato de que, diante da falência múltipla de órgãos do Brasil, o que mais me seduziu, desta vez, foi a sensação de estar num local onde as coisas são como têm que ser.
Não que Londres não tenha problemas, todas as cidades do mundo têm. Mas o básico funciona, o que sempre foi inegociável: o bem-estar público. Aqui, ao contrário, ninguém se preocupa com o prejuízo de suas transações indecentes, o povo que se dane e fica por isso.
Em Londres, revi parques limpos, floridos e bem aproveitados. Segurança nas ruas. Inúmeros prédios grafitados com arte, zero vandalismo. Transporte público pontual e cobrindo todas as regiões. Respeito absoluto pela diversidade. Políticos imperfeitos, mas não constrangedores. Fartura de informação nas ruas e nas estações de metrô.
Um parágrafo exclusivo para este último item: estando lá, é preciso se esforçar muito para errar, pois tudo conduz ao acerto. As direções e horários de cada ônibus, os desvios de rota, as sinalizações para riscos (mind the gap), instruções pintadas no asfalto avisando para que lado se deve olhar antes de atravessar, devido à mão invertida do tráfego. A informação é constante, onipresente, clara, repetitiva. Londres fala com seu pedestre. A cidade protege, cuida. Pode, sim, acontecer de um maluco avançar sobre uma calçada dirigindo uma van, mas a periodicidade de atos terroristas é piada se comparada com a frequência de nossas balas perdidas. Londres é elegante, histórica, monárquica – e ao mesmo tempo atrevida, moderna, antenada. Mas, antes de tudo, é um local como qualquer outro, onde milhões de pessoas circulam diariamente com pressa, com compromissos, com dúvidas, com dificuldades, com chuva, com calor, com frio. Logo, a cidade, em si, não pode ser mais um problema para sua população.
Ela tem obrigação de ser acolhedora e fácil.
Desta vez, não tem balão, deserto, aventura. Voltei encantada apenas pela normalidade a que deixamos de ter acesso.