
A Quarta Colônia foi uma das regiões do Rio Grande do Sul a receber levas de imigrantes italianos vindos em navios da Europa. Criada em 1877 e situada na região central, foi denominada, primeiramente, Núcleo Colonial de Santa Maria da Boca do Monte.
Dois anos mais tarde, passou a ser chamada de Colônia de Silveira Martins – uma homenagem ao então político Gaspar da Silveira Martins, defensor dos imigrantes. Nos anos 1970, a denominação Quarta Colônia Imperial foi recuperada pelo padre Luiz Sponchiado, neto de imigrantes.
Formada por nove municípios – Agudo, Dona Francisca, Faxinal do Soturno, Ivorá, Nova Palma, Pinhal Grande, Restinga Seca, São João do Polêsine e Silveira Martins (confira no mapa) –, a Quarta Colônia surgiu pouco depois das demais áreas que receberam imigração italiana no Estado, que completa 150 anos em 2025.
Como foi o começo
Primeiramente, o desembarque dos imigrantes no país era realizado em Santos (SP) ou no Rio de Janeiro (RJ). Na sequência, começava a viagem em direção a Porto Alegre. No Sul, os europeus partiam em embarcações pelas águas do Rio Jacuí.
A partir de Rio Pardo, no Vale do Rio Pardo, ou Cachoeira do Sul, na Região Central, o trajeto até a Quarta Colônia ocorria por meio de carroções.
Uma das maiores referências no assunto, a historiadora e professora Maria Medianeira Padoin, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), contextualiza a chegada.
— A grande maioria dos imigrantes da Quarta Colônia veio do norte da Itália, de regiões como Vêneto e Friuli. Chegaram em Val de Buia, em Silveira Martins — afirma.
A religiosidade é um dos legados dos imigrantes italianos. Os povoados surgiram e se organizaram em torno de uma capela ou pequena igreja. Os capitéis podem ser vistos em diversos pontos, especialmente na zona rural.
— No final do século 19 e início do 20, com esse núcleo em crescimento, vão se trazer da Itália congregações religiosas de descendência alemã ou italiana. Mas os arquitetos que vão construir tanto a Catedral de Santa Maria quanto escolas das Irmãs Sant'Anna são italianos — pontua.
A gastronomia também desempenha papel importante.
— Tem risoto, sopa de agnolini, que é um pouco diferente do capeletti, cuca italiana e bife à milanesa — enumera.
Em 2023, a Quarta Colônia foi certificada como um Geoparque Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em função da beleza natural, das raridades de fósseis de dinossauros encontrados ali e pela cultura dos imigrantes. Atualmente, uma das atrações da região são as águas termais de Restinga Seca.
Vale Vêneto: a alma da Quarta Colônia
Primeiro núcleo colonial fundado em 1878, o Vale Vêneto foi batizado dessa maneira em homenagem à região de onde vieram os imigrantes vênetos. A região é um distrito de São João do Polêsine e oferece uma gama infinita de paisagens verdejantes.
As comunidades de Vale Vêneto vivem da agricultura e criam animais. Tratores circulam pelos caminhos de terra e pedras. Os moradores exibem orgulho genuíno por habitarem um território onde a pressa não tem vez.
Vida pacata e feliz

As irmãs aposentadas Maria Lourdes Pozzebon, 82 anos, e Anita Cecília, 78, sempre viveram em Vale Vêneto, local escolhido pelos avós quando chegaram da Itália. Moram praticamente ao lado da primeira capelinha erguida no lugarejo em 1894. As duas criam uma vaca e seis galinhas. Plantam mandioca, batata e produzem queijo para consumo próprio e para venda.
— Aqui é um lugar tranquilo e bom para viver. Vocês nem imaginam como é bom. Tem as festas italianas, tradição, comes e bebes, missa e padre. Ontem (11 de maio), acho que passaram mais de cem carros aqui. Vale Vêneto é um turismo — assegura Maria Lourdes.
A tarde está ensolarada e o silêncio predomina. Não há vento e para onde se olha se enxergam árvores no horizonte distante.
— Hoje (12), está bom para revirar a terra do canteiro — acrescenta sem se importar com o sol intenso.
As irmãs vivem da aposentadoria e da herança do pai. Trata-se da propriedade e do carro – um fusca verde ano 1976, que tiram faceiras da garagem para mostrar para Zero Hora.
— É um lugar bom, calmo, sossegado e tranquilo. Nos damos com todos os vizinhos e pessoas. Graças a Deus — diz Anita Cecília. — Nós trabalhamos bastante para a universidade, nas festas, cuidamos do necrotério e do cemitério. Agora estamos aposentadas — complementa, com os dedos das mãos vincados por calos das décadas de árduo trabalho na roça.
"Quero morrer aqui"

Três homens da mesma família passam de trator. Os irmãos Zari, 64, e Zenor Bortoluzzi, 66, falam sem rodeios do prazer da vida na Quarta Colônia. Jean, 24, filho de Zari, destaca-se na região com uma curiosa habilidade. Ele é adestrador de touros bravos.
— Isso aqui é uma terra de paz, alegria e tranquilidade. Eu, para ir morar numa cidade, só amarrado. Quero morrer na colônia com o pé no chão, trabalhando, com a nossa culinária, com o vinho e o pão de forno. Não saio da colônia — comenta Zenor.
O sustento da família vem da agricultura e da criação de gado. A felicidade está no rosto dos três.
— É uma vida que tem um conforto a mais. Além da tranquilidade, se tem um pouco de tudo. Não falta nada e a paz que se tem é inexplicável — compartilha Jean.
Museus orgulham comunidade
Em 1975, foi fundado o Museu do Imigrante Italiano Eduardo Marcuzzo. O prédio de três andares acolheu os primeiros vocacionados palotinos do Brasil em 1892. O local é mantido pela Associação Vêneta de Vale Vêneto. O acervo conta com relíquias preservadas do começo da imigração na região.
Aos 77 anos, Gaspar Paines é um dos voluntários do museu. Ele chegou ao Vale Vêneto há seis anos vindo de São Francisco de Assis, na Fronteira Oeste. Ao conhecer a Quarta Colônia, foi "amor à primeira vista", e decidiu ficar.
— O museu tem uma particularidade muito grande pelos objetos que foram adquiridos e são daqui, dos primeiros italianos que chegaram. O pessoal de Vale Vêneto cultua porque tem um amor muito grande pela história e pelos antepassados. Não conheço muitos lugares que preservem dessa maneira, eles têm um encantamento pelos italianos que vieram — percebe.
As salas temáticas do museu contam com objetos e utensílios variados da imigração. Chama a atenção como dezenas de peças estão preservadas.

— Se hoje estamos comemorando 150 anos da imigração italiana nós devemos muito a eles. Porque eles fundaram comunidades, cidades, desenvolveram os lugares e se preocuparam em deixar igrejas, escolas construídas e também pelo amor pela família e religiosidade que trouxeram da Itália — reflete a voluntária Jacinta Pivetta, 64.
A turismóloga Vanessa Baccin, 37, vive em São João do Polêsine. Entre suas missões está atrair visitantes para a região. E no diferencial do que é oferecido, observa, está a gastronomia:
— Para nós, comemorar os 150 anos tem um significado muito importante, porque são as nossas raízes sendo exaltadas. Nosso povo veio da região do Vêneto, então são pessoas que trouxeram na bagagem a força de vontade de trabalhar, a fé e a gastronomia, que hoje é o carro-chefe do desenvolvimento do turismo na Quarta Colônia — reflete.
Ela acrescenta:
— As paisagens são belíssimas, o povo é hospitaleiro, mas a nossa gastronomia é o diferencial. Não é igual a da Serra gaúcha, que não vai ser igual a de nenhum lugar. Sempre temos orgulho de falar da nossa gastronomia.
Novo Treviso
O Museu Histórico Geringonça, em Novo Treviso, distrito de Faxinal do Soturno, é outra atração da Quarta Colônia. O edifício de 1912 abrigou inicialmente a Escola Sagrado Coração de Jesus, fundada pelas Irmãs da Congregação do Imaculado Coração de Maria.
Posteriormente, o prédio pertenceu ao morador da região Pio Ernesto Ceolin que, em 1994, o doou para a prefeitura poder instalar um museu no imóvel. A edificação passou por revitalização em 2005 e abrigou exposição dois anos depois já com acervo catalogado. O nome foi escolhido pela comunidade, pois Geringonça era como Novo Treviso era conhecido antes.
— O museu relata muito o cotidiano dessas famílias de imigrantes. Além deste, temos o Museu Fotográfico Irmão Ademar da Rocha, que fica no centro da cidade. Perto fica o Bosque da Mãe Rainha (trata-se do Santuário Mãe Rainha). E temos uma localidade que é bastante significativa para o município, que é Santos Anjos. Aqui a religiosidade é muito forte e persiste com o passar dos anos — ilustra Thais Danzmann Chaves, responsável pela parte cultural e chefe do Departamento de Indústria, Comércio e Turismo da prefeitura de Faxinal do Soturno.
O guardião da memória de Silveira Martins
Idino Anversa, 86, talvez seja o morador mais popular de Silveira Martins, cidade conhecida como berço da Quarta Colônia por receber as primeiras levas de imigrantes italianos da região central do Estado. Naquela época, eles ficaram alojados no Barracão da Val de Buia, onde hoje se encontra o Monumento ao Imigrante.
Idino conhece a história do município e da própria Quarta Colônia como poucos. Neto de imigrantes italianos, preserva a história dos primeiros colonizadores e exibe orgulhoso fotos antigas dos familiares em uma parede de sua loja no centro da cidade.
— Antigamente, há 60 anos, a gente vinha rezar o terço aqui — recorda em frente à Capela Nossa Senhora do Rosário – a mais antiga da região –, localizada em uma parte elevada de Linha do Rosário.
No passado, Idino explorava as matas da região, jogava bola com os amigos e foi caminhoneiro. Transportou batata e feijão para localidades como Alegrete e Uruguaiana, ambas na Fronteira Oeste. A família possuía moinho e ele comercializava a farinha montado a cavalo. Em tempos distantes, segundo narra, havia turistas na cidade.
— O pessoal vinha muito para cá. Tinha seis hotéis em Silveira Martins. Depois descobriram as praias e o movimento diminuiu. Mas as pessoas vêm aos domingos e os restaurantes enchem.
Seu Idino ainda dirige pelas vias e acessos de terra batida de Silveira Martins e não precisa usar óculos. Sorri com frequência, especialmente quando relembra do passado difícil e diferente da época atual:
— Naquele tempo, era divertido. Nós íamos nos bailes, festas e tinha futebol de montão. Não tinha esse negócio de celular, se comunicava só pela boca. No nosso tempo não tinha nada. Mal um radiozinho e olha lá — diverte-se dando espichadas gargalhadas.
Ele gostava de frequentar bailes, sendo conhecido por dançar com várias garotas. Foi assim que conheceu a esposa Terezinha Ana Maffini, 81. Os dois estão juntos há 60 anos.
— O meu pai nos trazia de caminhonete no clube, não nos deixava vir sozinhas. O Idino dançava muito e começamos a dançar. Assim começou o nosso namoro — relata dona Terezinha, que vivia em Três Mártires, distrito que pertence à Júlio de Castilhos.
Saiba mais
As três primeiras colônias italianas do RS foram denominadas Conde D'Eu, localizada em Garibaldi; Dona Isabel, em Bento Gonçalves, e Campo dos Bugres, em Caxias do Sul, na Serra.
Confira o mapa da Quarta Colônia: