
Quinto álbum de Daniel Drexler, Mar Abierto foi concebido sob dois signos: o clássico disco Kind of Blue, de Miles Davis, e as ideias do pensador polonês Zygmunt Bauman sobre a "modernidade líquida". No show de lançamento, que chega nesta quinta-feira ao Theatro São Pedro, depois de passar por vários países e cidades brasileiras, o cantautor uruguaio falará sobre isso, e o público talvez o veja de um modo diferente das outras vezes em que se apresentou em Porto Alegre.
Com uma carreira internacional cada vez mais nítida, ele amadureceu bastante em pouco tempo. Sublinhado por letras reflexivas, o álbum tem mesmo um substrato filosófico. Trecho da faixa-título: "Navegar en los mares de la diversidad/ Hacer oído sordo al consejo del miedo/ Siempre habrá un nuevo punto de vista/ El mundo tiene tantas aristas".
- Comecei a pensar na metáfora do mar aberto, na importância do mar em minha vida, desde meus pais fugindo da Alemanha em 1939, parando em vários portos até chegarem a Montevidéu - conta, pelo Skype. - Para entrar no mar, não podemos ter medo. Também Bauman, dizendo que vivemos tempos líquidos, que nada é feito para durar, que tudo muda muito rapidamente e que valorizamos além da conta os desejos de liberdade e segurança, me fez refletir sobre como me vejo diante disso. Quando atuei como médico, morei muito tempo nas coordenadas da segurança. Era meio triste e ansioso. Descobri que a incerteza de ter a cada dia um desafio novo é uma fonte de saúde e felicidade.
Drexler receava que as rádios, a imprensa e o público pudessem não entender tais particularidades do disco, mas se surpreendeu com o contrário. Mar Abierto é seu trabalho de maior repercussão, e o show, depois de um ano de estrada (estreou em Buenos Aires em novembro de 2012), ainda tem um bom caminho pela frente. Ele diz que depois do nascimento dos filhos, e dos 40 anos, começou a deixar que as lembranças aflorassem e a pensar na infância, quando ouvia muito músicas platina e brasileira. Não por acaso, este disco é o mais platino e folclórico dos cinco. Canções com ares de milonga, de candombe, de zamba, de bossa nova, de afoxé, cantadas de forma suave, perpassam as faixas, com arranjos de fina elaboração e ótimo desempenho instrumental na produção do bamba Dany López.
- Procurei ser leve, numa época em que todo mundo grita. Busquei o jeito de cantar e tocar violão de João Gilberto. Na Argentina, acharam o disco "muito brasileiro".
Outra marca do álbum, que ganhou o Prêmio Gardel (principal premiação de música da Argentina) como melhor disco de autor de 2012, é a participação de artistas do Rio Grande do Sul como parceiros e/ou instrumentistas, entre eles Pirisca Grecco, Zelito Ramos, Richard Serraria, Sérgio Napp, Shana Müller, Vagner Cunha, Milene Aliverti, Ângelo Primon, Lucas Kinoshita. Músicos argentinos também participaram das gravações, feitas em estúdios de Montevidéu, Porto Alegre e Buenos Aires. Daniel resume que o CD "é um ponto de encontro entre uruguaios e gaúchos" e que "este relacionamento está acontecendo em múltiplos planos simultaneamente".
O repórter deixa para o fim uma questão delicada: as comparações com o mano Jorge. Daniel responde sem hesitação:
- Tenho a sorte de ter um irmão maravilhoso, um de meus melhores amigos. Nos primeiros discos, fui muito pressionado pela imprensa, perguntavam se me movia na sombra dele. Foi difícil levar aquilo. A partir do terceiro disco, começaram a entender que somos irmãos, mas diferentes. E hoje reconhecem que ele é ele, e eu sou eu.
*Jornalistas, crítico musical e colunista de ZH