Em janeiro, o filme biográfico "Kon-Tiki", sobre o explorador norueguês Thor Heyerdahl e a perigosa jornada que realizou em 1947 pelo Oceano Pacífico em uma balsa de madeira, foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro (mas perdeu para o filme "Amor", de Michael Haneke). No dia 26 de abril, o filme será lançado comercialmente nos Estados Unidos, mas em uma versão inteiramente em inglês, ao invés do original em norueguês.
O "Kon-Tiki" que os americanos verão não é um remake: ambas as versões contam com o ator norueguês Pal Hagen no papel de Heyerdahl, e são dirigidas por Joachim Ronning e Espen Sandberg. A equipe de produção e o elenco optaram por um caminho extremamente incomum, filmando simultaneamente as duas versões do filme, em ambos os idiomas.
"A decisão foi prática para nós", afirmou Ronning, levado por questões mercadológicas e realidades linguísticas. "Tendo que escolher entre filmar 'Kon-Tiki' dessa maneira ou nem pensar em filmá-lo, após trabalhar tantos anos no projeto, a decisão foi muito simples."
Filmar em inglês e em outro idioma ao mesmo tempo parece ser uma nova estratégia voltada para o mercado cinematográfico internacional, cada vez mais fluente em inglês. Contudo, isso representa o retorno a uma prática comum durante os anos 1920 e 30. Com o advento do som no cinema, os estúdios de Hollywood queriam manter sua parcela no mercado europeu e frequentemente criavam "versões poliglotas", nas quais o mesmo elenco e diretor filmavam o filme simultaneamente em dois ou três idiomas. A Paramount, por exemplo, inaugurou um estúdio poliglota nos subúrbios de Paris que, ao longo de um período de 12 meses, gravou mais de 100 filmes desse tipo, entre 1930 e 1931.
"Essa é uma parte da história do cinema que havia sido ignorada até recentemente", afirmou Thomas Elsaesser, especialista em cinema alemão convidado pela Universidade de Nova York este semestre. "A chegada dos filmes falados e da gravação das falas criou um grande desafio econômico e industrial, especialmente para os Estados Unidos e a Alemanha, os dois países que dominavam a indústria cinematográfica naquela época."
Ao final, foram os fatores econômicos que levaram esse tipo de filme ao desaparecimento, ao invés de considerações de caráter estético. Fazer diversas versões do mesmo filme revelou-se muito mais caro do que as alternativas - legendas e dublagem - e, em 1933, Hollywood já havia abandonado a prática, acompanhada em seguida dos estúdios alemães e franceses.
Por todas essas razões históricas, é difícil dizer se "Kon-Tiki" é o precursor do retorno de uma técnica, ou se é apenas uma anomalia interessante.
Para o elenco e a equipe, trabalhar em duas línguas se revelou um desafio rigoroso. Após um dia de filmagem, frequentemente na água, atores e diretores costumavam se sentar para jantar e traduzir as cenas do dia seguinte para o inglês, com apoio de um professor de dicção britânico.
"Era difícil e às vezes exaustivo, um trabalho que durava 24 horas por dia e que não sabíamos se iria funcionar", afirmou Hagen, de 32 anos, cujo inglês é praticamente perfeito. "Já estávamos sob pressão, pois fazíamos um filme sobre um cara lendário que gera reações apaixonadas de todas as pessoas, além de termos um orçamento muito grande para um filme norueguês. Havia muito em jogo."
"Kon-Tiki" é o terceiro filme feito por Ronning, de 40 anos, e Sandberg, de 41, amigos desde a infância. Segundo Ronning: "Espen se concentra mais nos atores e eu na parte visual", operando uma das duas câmeras que sempre utilizam no set de filmagem.
Todas as cenas de "Kon-Tiki" eram filmadas antes em norueguês e, após algumas tomadas, passavam a ser filmadas em inglês. Para sua surpresa, os cineastas logo descobriram que a técnica enriquecia o filme esteticamente.
"Descobrimos que as tomadas norueguesas tinham um estilo, que se transformava quando passávamos para o inglês", afirmou Hagen. "Por isso, era comum voltarmos a filmar em norueguês por causa de alguma nova ideia. Porém, eu pensava nisso como uma oportunidade, ao invés de uma coisa negativa."
Nem todas as cenas do filme de quase duas horas precisaram ser filmadas novamente. Algumas das primeiras tomadas foram feitas somente em inglês, mostrando a ida de Heyerdahl aos EUA para levantar dinheiro para a expedição e para chamar atenção para suas teorias controversas a respeito da migração para a Polinésia. Outras cenas foram filmadas em alto mar - algumas das quais com tomadas de tubarões gerados por computador que ameaçam a balsa - e a distância permitiu que fossem dubladas.
O filme "Kon-Tiki" foi concebido exclusivamente em inglês, afirmou o diretor, mas alguns dos 24 patrocinadores que contribuíram com o orçamento de 15 milhões de dólares não queriam que fosse assim. Cerca de metade do dinheiro veio de investidores noruegueses, especialmente do Instituto Norueguês de Cinema, com a exigência de que o filme fosse gravado no idioma.
"É incomum, mas faz sentido", afirmou Sandberg sobre o resultado inglês-norueguês. "Só existem 5 milhões de noruegueses e precisamos levar isso em conta quando fazemos filmes caros." Filmar somente em norueguês é legal, acrescentou, "quando fazemos aqueles filminhos do Dogme, mas quando precisamos fazer um negócio caro desses, temos que aceitar a realidade".
Além disso, Heyerdahl, que morreu em 2002 aos 87 anos, sempre quis que um filme que falasse sobre suas aventuras também estivesse disponível em inglês. Essa foi uma consideração importante para Ronning e Sandberg, que foram criados em uma cidadezinha no sul da Noruega, ao lado do local onde nasceu o explorador, e se encantavam com a história de Heyerdahl e seus cinco companheiros de aventura.
"Visitamos o museu Kon-Tiki em Oslo quando éramos crianças e vimos a balsa, é impressionante como ela é pequena", afirmou Ronning. "Esses caras atravessaram o oceano em cima desse pedaço de madeira."
Heyerdahl "inspirou e ainda inspira as pessoas", acrescentou Sandberg. "Ele não sabia nadar, tinha pavor de água. Mas superou os próprios medos para atravessar o maior oceano que existe."
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