Um show para quem gosta de música. Foi assim a apresentação do Television em Porto Alegre, na noite de sexta-feira (8), durante o segundo dia do Gig Rock, no Beco. Um dia depois de tocar em São Paulo no mesmo evento, a banda liderada por Tom Verlaine veio para a capital gaúcha dar um pouco de aula de como se comporta uma legítima banda de guitarras ao vivo.
O quarteto subiu ao palco por volta das 23h - meia-hora depois do previsto -, mas apenas para passar um pente fino nos instrumentos. Foram 15 minutos de guitarras, baixo e bateria sendo (re)afinados até os primeiros acordes de Prove It.
Dali por diante, nenhum dos músicos deixaria de mexer nos seus instrumentos entre uma canção e outra, mas o público não se importaria nem um pouco: dali por diante, todos seriam arrebatados pela potência criativa e sonora daqueles senhores despojados e caladões.
Sem se importar em seguir um setlist de sucessos fáceis, a banda confiou que o público entenderia o porque dela fazer parte da cena punk da década de 1970 sem produzir um som que sequer lembra o formatado pelos Ramones e afins.
O Television é punk por não fazer concessão, por primar pelo improvisação e barulho honestos, pelo desrespeito aos tímpanos sensíveis e por passar ao largo do pop.
Por isso, ninguém ali parecia acanhado em estender solos, inserir andamentos diferentes, quebrar o ritmo, inverter o que fosse para que a música mexesse não com o corpo, mas com o espírito do público.
Daí a parceria entre as guitarras de Verlaine e Jimmy Ripp, ora duelando, ora dobrando, ora servindo de escada uma para a outra. Fechar os olhos durante Little Johnny Jewel era imaginar três bandas diferentes no palco, flertando com o funk, passeando pelo blues mais choroso e elétrico possível até voltar ao white noise do início.
Ou se deixar hipnotizar por uma sessão instrumental de puro free jazz, mas com guitarras no lugar dos sopros. Antes, o clássico Glory, com camada tripla de cordas: baixo e guitarras em uníssono.
Em seguida, para surpresa da platéia que pedia See No Evil, a banda engata Knockin on Heaven's Door, de Bob Dylan, em versão balada hard rock. As firulas de Ripp são tantas que é possível imaginar o guitarrista no alto de um penhasco, com seu chapéu e cachecol, solando no melhor estilo Richie Sambora. Emocionante, cheia de tesão, mas farofa até o último circuito do captador...
Marquee Moon, seu grande hit, fica para encerrar o primeiro ato. Nenhum surpresa, todos gostam e seus criadores ficam satisfeitos. Mas vê-se que dar o que a platéia quer não é o ideal de espetáculo do Television. Um show para assistir de olhos fechados e os ouvidos bem abertos.
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