
O baile não começou agora: já faz um tempo que ritmos da América Latina marcam presença no Rio Grande do Sul em diferentes formatos – especialmente a partir dos anos 2010, com grupos como Bombo Larai, Farabute, La Digna Rabia e Cuscobayo, além de eventos que ajudaram a fomentar esse cenário. Porém, de uns anos para cá, há uma sonoridade latina ganhando espaço: a cumbia.
Com raízes na fusão de elementos das culturas africana, indígena e europeia, o gênero musical tem origem colombiana e se popularizou por toda a América Latina, resultando em variadas vertentes. Em Porto Alegre, do pós-pandemia para cá, surgiram projetos focados na cumbia, como Kumbiayala, Baile Tropikaliente e a fanfarra Cumbiera Matapacos. O ritmo também subiu para a Serra: em Caxias do Sul, há a Brás Cumbias. Pelo Norte, em Passo Fundo, há a Tropicanos.
Além dos grupos musicais, a cumbia é tocada em festas atuais da capital gaúcha — como a Cumbia na Rua, Caliente e a Problemón —, de Caxias do Sul (Bailinho Ay Amor), de Santa Maria (Baile SkaCumbia) e de Pelotas (Besos con Fernet).
No Festival Chisme, que será realizado no Jockey Club, em Porto Alegre, em 15 de novembro, há atrações como Cancha Via Circuito (Argentina) e Frente Cumbiero (Colômbia) relacionadas ao gênero. Ainda na Capital, foi inaugurado este ano o Listo Bar, que foca na música latina e, esporadicamente, toca cumbia.
É uma música que vai se espalhando de forma fácil, talvez por causa de uma força ancestral.
MILENA SCHAFER
Integrante do Brás Cumbia
Vale ressaltar que a sonoridade também está presente no cenário gaúcho do bailão – no caso, uma vertente da cumbia vinda do Paraguai – a katchaka. O ritmo é trabalhado pelo grupo Corpo & Alma desde os anos 1990, que acumulou sucessos como Aquela dos Olhos Negros e Perigosa e Linda. O ex-vocalista Vanderlei Rodrigo foi quem introduziu o estilo ao grupo e hoje é intitulado "rei da katchaka".
Dentro do cenário emergente da Capital, a Cumbiera Matapacos surgiu este ano unindo cumbia e fanfarra. O projeto conta com cerca de 40 integrantes, que costumam ensaiar na Praça dos Açorianos, no Centro.
A iniciativa partiu de Vitor Laitano, 29 anos, regente do grupo. Influenciado pelo período em que viveu na Argentina, pela cultura da cumbia e pela cena de fanfarras da cidade, ele reuniu integrantes com uma finalidade em comum: promover a comunhão entre músicos e pessoas que fazem questão de ocupar as ruas.
— Cumbia é muito mais do que um gênero. Ele é um fenômeno social de resistência de pessoas nas periferias — frisa.
Em seu repertório, a Cumbiera Matapacos se propõe a promover adaptações, como aponta Laitano:
— E se pegarmos músicas de outros estilos e fazer a versão cumbia? E se inserirmos levadas brasileiras em cumbias? Então, é isso. No nosso repertório, por exemplo, tocamos Rosa Norte, do Armandinho, em versão cumbia. A gente promete que não vai fazer nada tradicional. Partimos da ideia de que a cumbia se mistura e se reinventa, entendendo o local onde está existindo.

Outro projeto que teve início neste ano em Porto Alegre foi a Kumbiayala. Com oito integrantes — quatro mulheres e quatro homens de cinco países (Argentina, Brasil, Colômbia, Uruguai e Venezuela) —, o grupo se propõe a abarcar diferentes estilos de cumbia do continente.
— Percebemos que tínhamos distintas referências musicais da cumbia. A partir daí, assumimos o desafio de ser uma banda que busca contemplar essa diversidade sonora da América Latina, o que exige bastante respeito para não tergiversar as variadas culturas que queremos homenagear — explica o colombiano Daniel Guarín, 33 anos, que toca percussão e é vocal no grupo.

Guarín também integra o grupo Baile Tropikaliente, no qual toca güiro e faz backing vocal, ao lado de outros três remanescentes da Farabute — banda extinta que se notabilizou pela fusão de ritmos afro-latino-americanos e caribenhos. O projeto, que tomou forma em 2022, é focado na cumbia villera, subgênero com sonoridade marcada pelo uso de sintetizadores e tambores eletrônicos.
Cumbia é muito mais do que um gênero. Ele é um fenômeno social de resistência de pessoas nas periferias.
VITOR LAITANO
Integrante do Cumbiera Matapacos
Rodrigo Bob, 36 anos, vocal e violão na Tropikaliente, destaca que a cumbia é um gênero muito democrático: não precisa de muito para dançar. Por outro lado, ele acredita que os grupos emergentes do gênero ainda precisam de mais espaço.
— Precisamos de mais abertura para festivais ou festas, juntando diferentes grupos — relata Bob. — Eu acho que falta ainda pessoas dispostas a investir nas bandas. Pagar um cachê adequado para os músicos poderem se manter. Projetos realmente alternativos que ponham a galera nova para tocar, não sempre os mesmos “cabeças”.
Cumbia sobe a Serra e o norte gaúcho

A tendência não se restringe à capital gaúcha. Em Caxias do Sul, a Brás Cumbias iniciou suas atividades neste ano com a proposta de apresentar um panorama da cumbia na América Latina – passando por La Delio Valdez, Gilda, Los Palmeras, Supermerk2, La Tropa Colombiana e, entre outras canções, uma versão de Evidências. Com o tempo, o grupo espera imprimir cada vez mais sua regionalidade em uma sonoridade autoral.
— O que poderia ser a cumbia da serra gaúcha? Acho que ela tem muito a ver com raiz, com ancestralidade. É uma coisa muito profunda, que conecta a América Latina de alguma forma. Estamos tentando buscar esse conceito nosso para apresentar ao público — explica Milena Schafer, 34 anos, que toca percussão e é vocal no grupo.
Sobre seu envolvimento com o gênero, Milena descreve:
— Acabei me descobrindo dentro da cumbia. É uma música que vai se espalhando de forma fácil, talvez por causa de uma força ancestral. Não tem quem fique parado quando começa a tocar.

Mais ao norte, em Passo Fundo, a Tropicanos surgiu em 2024, tendo como carro-chefe a cumbia peruana dos anos 1960 — marcada pela influência das guitarras do garage rock californiano —, mas também inclui no repertório músicas de Santana, Manu Chao, lambadas e artistas brasileiros. Em suas apresentações até o momento, os integrantes da banda têm percebido boa aceitação do público ao ritmo.
— As pessoas entram no clima, mesmo não conhecendo o repertório — atesta o guitarrista da Tropicanos, Vinicius Lange, 41 anos. — A cumbia é algo espiritual, como se fosse um ritual indígena. Por isso é tão forte e contagiante.
Conheça os projetos
Cumbiera Matapacos
- Cidade: Porto Alegre
- Ano de fundação: 2025
- Integrantes: cerca de 40
- O que toca: cumbia em fanfarra, mesclando com levadas brasileiras
Kumbiayala
- Cidade: Porto Alegre
- Ano de fundação: 2025
- Integrantes: Mariana Marcano - voz (Venezuela); Daniel Guarín - percussão e voz (Colômbia); Amanda Stroher - sax tenor (Brasil); Martin - trombone (Brasil); Gabriel Castro - timbales (Brasil); Davi Volando - congas e percussão (Uruguay); Agustín Castro - guitarra (Argentina); Dy Ferranddis - baixo (Brasil)
- O que toca: diferentes estilos de cumbia do continente
Baile Tropikaliente
- Cidade: Porto Alegre
- Ano de fundação: 2022
- Integrantes: Rodrigo Bob (voz e violão), Renata Martins (teclado), Gabriel Castro (tambores e voz) e Daniel Guarín (güiro e voz).
- O que toca: cumbia villera
Brás Cumbias
- Cidade: Caxias do Sul
- Ano de fundação: 2025
- Integrantes: Júlia Costella (acordeon), Milena Schafer (percussão), Izac Zaccani (saxofone), Antônio Filho (trompete), Chico Maffei (percussão) e Roddy Bonetto (baixo)
- O que toca: panorama histórico da cumbia na América Latina
Tropicanos
- Cidade: Passo Fundo
- Ano de fundação: 2024
- Integrantes: Elias Duarte (vocal e güiro), Vinicius Lange (guitarra), Edson Alberici (baixo), Rafael Capu (guitarra), Matheus Glenzel (percussão) e João Ritzel (bateria)
- O que toca: cumbia peruana dos anos 1960





