
A Comunidade Nin-Jitsu está no estúdio, criando músicas novas, sem nunca tirar o pé da estrada. É assim desde 1995. O grupo gaúcho garante que chega ao seu trigésimo aniversário com a mesma energia e paixão daquela gurizada que conquistou o Brasil com uma música que, no fim das contas, era pura zoeira.
Sim, o primeiro sucesso da banda foi Detetive – "Tive tive / Detetive / Meu pai é detetive / Mas o teu é despachante" –, que tinha um objetivo muito simples: o de tirar sarro de um vizinho de praia, em Tramandaí. O cidadão em questão mentia que o seu pai era um detetive. Os amigos não perdoaram.
Mano Changes escreveu a letra e emprestou a sua voz. Já a banda, formada por Fredi Chernobyl, Nando Endres e Pancho da Cara, tocou os instrumentos. Nascia, assim, um hit, idealizado pelo deboche mais genuíno: aquele que é feito em cima de quem conta vantagem.
— Foi super nonsense. Quando a gente viu, estava feito. E tudo começou assim: folgando em um vizinho (risos) — recorda Mano Changes.
Detetive foi, realmente, um fenômeno. Colocou a banda gaúcha no mapa nacional e, em 1997, o democlipe – que custou apenas R$ 700 – foi premiado no Video Music Brasil, o VMB, da MTV. Foi a vitória da criatividade, da irreverência e da provocação. Essa era a batida nos primórdios, e é assim que o quarteto – que se mantém unido até hoje – continua trabalhando: sem perder o espírito da juventude, mesmo com todos já na casa dos 50 anos.
Em um show recente no Opinião, uma reunião com o Da Guedes e a Ultramen, o mestre de cerimônias, o DJ Rafinha, inclusive, cravou na hora de apresentar o grupo:
— É a banda mais chalaça do Brasil!
Reinventando
A Comunidade não se importa em entregar o que os fãs pedem. É por isso que, nos shows, basicamente, só toca os clássicos – e o grupo enfatiza que são vários. No setlist, além de Detetive, sempre aparecem Ah! Eu Tô Sem Erva!, Casa do Sol, Merda de Bar, Melô do Analfabeto, entre outras.
Por isso, é difícil encaixar, na apresentação, as músicas recentes. Só que isso não quer dizer que não tenha novidades no ao vivo. Os artistas estão constantemente revisitando os seus sucessos, trazendo novas roupagens, batidas, mesclando gêneros. Desta forma, os shows da Comunidade podem até trazer as mesmas músicas, mas elas já não são iguais.
— A Comunidade está sempre atenta às novidades. A gente não parou no tempo. A tecnologia nova proporciona que a gente insira modernidades no show, desde que elas tenham a ver com a nossa essência. Não são aleatórias. Respeitamos muito a nossa essência. A Comunidade tem 30 anos, mas está sempre ligada — detalha o guitarrista Fredi Chernobyl.
No palco, o músico também comanda o sampler, que insere trechos de músicas dos mais variados estilos – do eletrônico ao funk, do reggae ao rap. E, claro, o rock. A ferramenta ajuda na transição entre as faixas, como em um DJ set, mantendo o beat sempre pulsando. O gênero da Comunidade Nin-Jitsu é, acima de tudo, o da experimentação
— A gente nunca vai ser uma banda cover de nós mesmos — garante Mano Changes.

Novos desafios
O grupo gaúcho teve muitos momentos marcantes em sua história. Em 2002, abriu o show do Red Hot Chilli Peppers em Porto Alegre – Chernobyl, inclusive, deu uns rolês pela Capital com Chad Smith, o baterista da banda estadunidense. Outra abertura para um titã internacional foi em 2015, para a Foo Fighters. Tudo isso enquanto enfileira participações no Planeta Atlântida: foram 20 apenas no Rio Grande do Sul.
E, claro, há ainda o lendário Rockgol, da MTV, no qual o guitarrista gaúcho liderou o seu time para se tornar um dos maiores vencedores da competição em que os roqueiros jogavam futebol. Aliás, o apelido de Fredi Endres – Chernobyl – surgiu no programa, quando o seu corte de cabelo foi comparado ao acidente nuclear.
Já em questão de gravações, o último álbum de inéditas da Comunidade Nin-Jitsu foi em 2014, com King Kong Diamond. Depois disso, vieram o advento do streaming e o protagonismo do algoritmo. Na visão do grupo, lançar um disco completo deixou de fazer sentido – a explicação é que apenas uma música ganha destaque nas plataformas e as outras ficam soterradas.
Por isso, provocados pelo selo Liboo, da Virgin Music, os integrantes começaram, no ano passado, a compor e gravar novas músicas – a ideia é lançar uma por mês e, ao final, reunir todas em um álbum. Eles querem “bugar o algoritmo”. Nesta nova empreitada, já foram lançadas Kama Sutra, Abra Sua Cabeça e a melódica Nós Tamo Juntinho – ótima para ficar enroscado com a pessoa amada.
No dia em que a reportagem de Zero Hora visitou o estúdio de gravação, o quarteto estava lá para produzir a faixa Ai Garota. Com batida eletrônica e a mistura de gêneros que caracteriza a banda, a música tem um refrão chiclete e grandes chances de virar hit com a cara do grupo gaúcho.
— A nossa linguagem e sonoridade, lá em 1995, já era muito inusitada. Muito à frente do tempo. Então, essa história de misturar a música eletrônica com o rock e o baile funk, ter uma linguagem divertida, tem tudo a ver com o que a galera mais nova está consumindo. Esse pessoal se surpreende em ver como a banda desempenha muito bem ao vivo e com uma sonoridade atual. Isso faz com que a gente esteja há 30 anos na estrada — destaca Mano Changes.

Comunidade Nin-Jitsu?
— A gente é amigo desde quando nasceu — enfatiza Fredi.
A família do quarteto – sendo Fredi e Nando irmãos – era amiga e vizinha em Tramandaí. Por isso, a gurizada já cresceu unida. Eles se designavam como uma comunidade. E, na praia do Litoral Norte, eles descobriram que os surfistas locais se denominavam como ninjas. Só que eles foram além.
— Vendo um filme de artes marciais, desses bem ruins, a gente aprendeu que a arte marcial dos ninjas era o ninjitsu (na verdade, ninjutsu). Então, como a gente era uma comunidade de amigos, que estava sempre em Tramandaí, a gente se chamava de Comunidade Nin-Jitsu. Porque aqui só tinha ninja — reforça Fredi.
— E o último estágio do ninjitsu é a invisibilidade. É quando tu faz merda e ninguém vê nada (risos) — complementa Mano Changes.