
Arnaldo Antunes volta a Porto Alegre para apresentar seu Novo Mundo, álbum lançado em março, neste sábado (24), às 21h, no palco do bar Opinião. (Confira o serviço completo abaixo)
Novo Mundo traz o cantor explorando uma sonoridade mais pesada. O disco teve produção de Pupillo, que participou das gravações (na bateria, percussão e programações de ritmo) com Kiko Dinucci (nas guitarras, violões e efeitos eletrônicos), Vitor Araújo (teclados e piano) e Betão Aguiar (baixo).
Entre as 12 faixas do disco, há quatro participações: David Byrne (Body Corpo e Não Dá Para Ficar Parado Aí na Porta), Marisa Monte (Sou Só), Ana Frango Elétrico (Pra Não Falar Mal) e Vandal (Novo Mundo).
Em entrevista com Zero Hora, o compositor falou sobre Novo Mundo e questões que o preocupam sobre a nossa sociedade.
Confira a entrevista com Arnaldo Antunes
Você já comentou que Novo Mundo apresenta uma nova concepção sonora no seu trabalho. De que forma isso se dá?
Novo Mundo foi todo gravado com essa formação: Vitor, Kiko, Betão e Pupillo – que também assina a produção, o que, para mim, foi uma revelação. Já admirava o trabalho do Pupillo como produtor em vários outros projetos e sempre o considerei muito original.
Convidei também o Vitor, numa espécie de continuidade do que começamos com Lágrimas no Mar (2021), mas agora em um contexto bem diferente. Queria uma sonoridade mais pesada, por isso chamei o Betão. O Kiko sempre o achei incrivelmente criativo, original nos timbres, nos riffs e nas frases.
Houve uma conexão real entre todos nós. As músicas foram gravadas em total sintonia. Ninguém está apenas acompanhando: cada um está criando suas próprias linhas, que se entrelaçam e formam esse tecido sonoro. Para mim, além do título que Novo Mundo carrega dentro da canção, ele também simboliza o início de uma nova sonoridade no meu trabalho.
É uma sonoridade, no fim, mais pesada?
Sim, principalmente se a gente pensar que estou vindo de três anos de uma turnê com o Vitor, que é um show intimista e sereno, de voz e piano. Apesar de ter momentos rock’n’roll, fiz uma versão para Saia de Mim, só com piano, que é uma das mais pesadas da minha época nos Titãs. É um show mais concentrado, mas agora há uma mudança radical.
A internet virou um reino de haters. As pessoas estão precisando de mais tolerância, compreensão e amor. A música propõe uma conduta possível para escapar um pouco dessa loucura.
ARNALDO ANTUNES
Cantor e compositor
Novo Mundo é a faixa que batiza e abre o disco falando em: “A caixa de Pandora escancarada / Das redes liberou o ódio anônimo / O medo é a arma mais usada / E a pior derrota é o desânimo”. Arnaldo, você se sente pessimista diante do novo mundo?
Sou um otimista incorrigível, mas essa faixa não traz nada disso. Ela tenta fazer um retrato do que estamos vivendo – um período de muitas guerras, intolerância, violência e crise ambiental. Parece que a humanidade caminha em direção a um suicídio coletivo, sem consciência do que está acontecendo e, ao mesmo tempo, as redes sociais impulsionam o ódio e a ascensão da extrema-direita, o fascismo voltando com apoio popular inusitado, o que é incompreensível para mim.
Você vê a generalização de crises de ansiedade e depressão causadas pelo convívio com as telas. É um mundo um tanto assustador, mas precisamos tomar consciência para pensar formas de reagir. Algumas respostas aparecem no disco, em canções mais solares e amorosas, que trazem otimismo e a necessidade de resistir a esse mundo. Acordarei, por exemplo, é uma canção de amor. Há um lado doce para equilibrar.
Esse novo mundo está cada vez mais se direcionando para o uso de inteligência artificial no mercado de trabalho, o que inclui a arte. Esse avanço da IA te impacta de alguma maneira?
É difícil dizer, é tudo muito novo. A tecnologia avança rapidamente e a própria sociedade se adapta aos poucos. Não acredito que possa me aproveitar da IA para compor coisas, mas uso muitos recursos digitais para gravar e editar coisas. Há um lado maravilhoso que facilita muito, mas há um lado da criação que é necessariamente humano.
Não deixa de ser assustador?
Sim, tanto que é retratado na música Novo Mundo, sobre essa geração de ódios que os algoritmos impulsionam. Estamos pensando em como resistir a isso e também como aproveitar a tecnologia de uma maneira saudável.
Você mencionou um lado mais suave do disco. Pra Não Falar Mal, por exemplo, pode parecer até uma receita de cautela e bem-estar. Para muitas pessoas, é um tanto difícil não ser reativo nesse novo mundo. Qual foi a sua inspiração?
A internet virou um reino de haters. As pessoas estão precisando de mais tolerância, compreensão e amor. A música propõe uma conduta possível para escapar um pouco dessa loucura. Talvez a motivação para criá-la tenha sido acompanhar essa ascensão de hostilidades nos comentários das redes.
É necessário cultivar os afetos, a possibilidade de viver um tempo de aprofundamento, não ficar mudando de assunto, como se faz nas redes sociais. A necessidade de contemplação, de convívio com a natureza, são coisas que prezo como ócio criativo. Uma das músicas mais subversivas que já me deparei e que me encantou na infância era ver Clementina de Jesus cantando: “Vou vadiar, vou vadiar”. Estamos precisando vadiar.
O importante é não ficar ouvindo só o que o algoritmo manda para você (...) Sempre tem alguma coisa legal para quem sabe buscar e exercer uma certa seleção.
ARNALDO ANTUNES
Cantor e compositor
É Primeiro de Janeiro também traz uma verve otimista, com uma mensagem de renovação.
A data 1º de janeiro entra como um ícone, como um símbolo do que a música está dizendo. Mas pode ser qualquer dia, qualquer momento. Estamos sempre precisando tirar a casca e mostrar uma cara nova. É a coragem de mudar e a necessidade de mudar para crescer.
Voltando a falar de Novo Mundo, a faixa conta com a participação do rapper baiano Vandal. Como foi a inserção dele na faixa?
Vandal é uma das pessoas mais interessantes que surgiram nos últimos anos. Quando fiz a música, achei que naquela parte instrumental caberia uma intervenção. Ele fez algo absolutamente adequado, que comenta tudo aquilo que a música está dizendo, mas com outra maneira de se expressar. Foi enriquecedor. Vandal tem esse canto berrado que me identifico, parece o jeito que eu cantava no começo dos Titãs.
O que lhe chama atenção entre os novos artistas?
Acompanho na medida do possível. Participei de um show da Banda Tietê, que é um grupo bem novo; adoro os discos da Ana Frango Elétrico, tanto que a convidei para o álbum, é uma das vozes mais charmosas que existem; gosto muito da Maria Beraldo.
Gosto da geração que tem o Leo Cavalcanti, a Tulipa Ruiz, Karina Buhr, Romulo Fróes, Kiko Dinucci, O Terno, Ava Rocha, Negro Léo. Sei que vou esquecer muita gente, mas sempre tem alguma coisa legal para quem sabe buscar e exercer uma certa seleção. O importante é não ficar ouvindo só o que o algoritmo manda para você.
Ainda nesse assunto das parcerias, o disco traz Sou Só, que contém uma parceria sua de longa data: Marisa Monte. O que explica essa sintonia?
É meio mágico, não tem como explicar. Marisa participou de várias faixas comigo, inclusive no meu primeiro disco solo, Nome (1993), e eu também atuei em vários projetos dela. Temos uma história que vem de antes dos Tribalistas. Estamos sempre compondo juntos, tanto com Marisa quanto com Carlinhos Brown. São parceiros constantes; acabamos fazendo coisas novas.
Marisa tinha essa canção Sou Só, que é na primeira pessoa do sol, o que adorei. Quis gravar e não tinha como não chamá-la. Nossas vozes juntas são uma entidade, têm vida independente, parece que fazem parte do inconsciente coletivo. Ficou bonito, como sempre fica.
David Byrne participa em duas faixas. Como vocês se conheceram e como ele entrou no projeto?
Já havia me encontrado rapidamente com Byrne algumas vezes. Sempre tive muita afinidade, admiração e identificação com o trabalho dele, desde o Talking Heads até esse último álbum, o maravilhoso American Utopia (2020). É um artista que sempre se renova.
Parece que essa parceria tinha que acontecer. Procurei por ele, que se mostrou super solícito. Muito receptivo à ideia. Mandei dois materiais para ver qual renderia e acabamos fazendo duas músicas, em uma parceria por e-mail que durou quase um ano. Ele gravou em Nova York e eu em São Paulo.
Como é o show de Novo Mundo que você trará a Porto Alegre? É um repertório que concentra o novo disco?
Vamos tocar quase o disco todo. Vai ser um repertório de, mais ou menos, 25 músicas, incluindo o bis. Está muito legal, trabalhamos com esse desafio de trazer as canções mais antigas para a linguagem do álbum novo, em que teve ali uma renovação de sonoridade em relação aos trabalhos anteriores. Há um frescor, então a gente queria um pouco aproximar o repertório das canções do Novo Mundo. Acho que vem dando muito certo.

Serviço
- O quê: Arnaldo Antunes com a turnê do álbum Novo Mundo
- Quando: neste sábado (24), às 21h,
- Onde: no bar Opinião (Rua José do Patrocínio, 834)
- Quanto: ingressos a partir de R$ 80 (solidário, 2º lote, mediante doação de 1kg de alimento não perecível)
- Ponto de venda sem taxa: Loja Planeta Surf Bourbon Wallig (Av. Assis Brasil, 2.611), das 10h às 22h, somente em dinheiro
- Ponto de venda com taxa: pela plataforma Sympla
- Desconto de 50% para sócios do Clube do Assinante e acompanhante.