
— Eu estou sempre permeável a tudo que acontece, mas também estou com 64 anos. Não dá para desprezar uma certa acomodação que acontece naturalmente. Então, as coisas da modernidade já não me batem tanto, já não me acessam como antes. Agora, as coisas que eu escuto são de um modo geral antigas, de 30, 40, 50 anos atrás. É até engraçado pensar nisso — confessa Nei Lisboa.
Apesar de o músico porto-alegrense achar graça que os seus gostos o levem de volta ao que foi produzido no passado, o que se pode fazer se as músicas de décadas atrás foram tão marcantes e se consolidaram no imaginário das pessoas, tornando-se clássicas? Um movimento do próprio Nei, o projeto Três, responde a esta questão: celebrar a perenidade de trabalhos que atravessam gerações.
Durante o ano, o artista realizará em Porto Alegre shows comemorativos nos quais cantará músicas de quatro de seus álbuns que foram lançados em anos com final 3 e que marcaram a sua trajetória: A Vida Inteira (2013), Relógios de Sol (2003), Amém (1993) e Pra Viajar no Cosmos Não Precisa Gasolina (1983), que completam 10, 20, 30 e 40 anos, respectivamente. E, pegando carona, ainda vai festejar o relançamento em vinil de Telas, Tramas & Trapaças do Novo Mundo, que é de 2015, mas ganhou nova versão neste ano, 2023 — olha o 3 de novo aí.
As apresentações serão divididas para contemplar com mais profundidade os trabalhos, tocando-os na íntegra. Nesta quarta-feira (28), o público confere a comemoração dos 10 anos de lançamento de A Vida Inteira, bem como o relançamento de Telas, Tramas & Trapaças do Novo Mundo. O espetáculo, que festeja as obras mais "caçulas" e que estão mais ligadas ao contexto político da década passada, ocorrerá no Teatro Renascença, a partir das 20h, com ingressos esgotados.
Mas nem tudo está perdido e haverá outras chances de ver a celebração de Nei sobre seu trabalho. Em julho, mais precisamente nos dias 21 e 22, o músico sobe ao palco do Centro Histórico-Cultural Santa Casa (CHC) para tocar Amém e Relógios de Sol. No primeiro álbum, ele explora a latinidade e traz para sua discografia o candombe, por exemplo, com participações de músicos uruguaios — Mauricio Trobo (teclados) e Lobo Nuñez (percussão). Já o segundo contempla o universo feminino, além de falar de amor e de desencanto com humor e ironia. As duas apresentações ocorrem às 20h e os ingressos estão disponíveis na plataforma Sympla.
— É uma coincidência rara que quatro discos façam aniversário neste ano, justamente em uma sequência de 10, 20, 30 e 40 anos desde o seu lançamento. Ao menos dentro da minha discografia é uma coisa muito singular e, então, não tinha muito como escapar dessa comemoração. Acho que é sempre importante celebrar um trabalho que permanece e, nessa conjuntura, são quatro discos bem fortes, bem diversos. Então, decidi fazer uma viagem daqui até o passado — comenta.
Para as performances de aniversário, o músico, que comanda os vocais e o violão, será acompanhado de Giovanni Berti, na percuteria, Luiz Mauro Filho, no teclado, e Paulinho Supekovia, na guitarra. Tudo certo, mas e o show para celebrar o Pra Viajar no Cosmos Não Precisa Gasolina? Bem, este ainda está sendo preparado, mas ocorrerá no segundo semestre deste ano, festejando que o álbum, primeiro da carreira do músico, tornou-se quarentão.
— Para esse show, além de tocar o disco na íntegra, também estou pensando em mais algum repertório, coisas de baú, e tenho esperança de ter o Augusto Licks (guitarrista que é antigo parceiro musical de Nei e integrou os Engenheiros do Hawaii) nesse projeto do Cosmos — afirma o artista.
Diversidade

Mesmo reconhecendo, lá no começo do texto, que já não absorve as novidades como antes — ainda mais em um mundo cada vez mais conectado, com enxurradas de tendências surgindo a todo instante —, Nei Lisboa desenvolveu a sua carreira criando um mosaico de gêneros e também indo ao encontro de novos estilos. Como foi o caso de Amém, no qual ele apostou na batida do candombe e que, 30 anos depois, está cada vez mais inserido na cultura porto-alegrense.
— Descobrir isso foi uma alegria. Tem um pessoal aqui próximo de onde eu moro que às vezes eu escuto tocando os tambores. É gente nova descobrindo. Não sei exatamente de onde surgiu. A gente foi um pouco pioneiro disso, mas foi 30 anos atrás. Então, não dá para dizer que seja ecos disso, mas, quem sabe, pode até ser, né? Mas, certamente, também tem mais coisas instigando a rapaziada a ir buscar esses ritmos — observa.
Seja um dos responsáveis ou não por esta ascensão do candombe na Capital, a obra do artista segue tendo o seu espaço e sendo relevante, mesmo com o passar das décadas. Para Nei, seu trabalho como compositor e suas parcerias musicais sempre tiveram como objetivo uma densidade que propiciasse permanência. E isto vem também do desafio e da liberdade de estar sempre buscando entregar o que Porto Alegre gosta de ouvir — e não é apenas uma coisa.
— A cidade tem conexão com uma diversidade enorme de estilos de música. O que a gente tem de mais lindo, eu acho, é justamente essa diversidade, que parece ser algo típico daqui. Por isso, nunca fechei portas para o que eu faço, não tenho uma raiz para ser definido por apenas um estilo musical. Então, tem essa liberdade de buscar coisas, mas também gosto de envelhecer, inclusive artisticamente, de não ter mais tanta ansiedade de correr atrás do que é novo, podendo criar com menos hormônios. Mas, claro, posso me desmentir no ano que vem — completa o músico.
A Vida Inteira / Telas, Tramas & Trapaças do Novo Mundo
- Nesta quarta-feira (28), a partir das 20h, no Teatro Renascença (Av. Erico Verissimo, 307), em Porto Alegre.
- Ingressos: esgotados.
Relógios de Sol / Amém
- Dias 21 e 22 de julho, a partir das 20h, no Centro Histórico-Cultural Santa Casa (Av. Independência, 75), em Porto Alegre.
- Ingressos: em segundo lote, a partir de R$ 140 (inteira) ou R$ 120 (solidário, mediante doação de 1kg de alimentos ou roupas).
- Ponto de venda com taxa: na plataforma Sympla.