Um gênero musical estrangeiro une sotaques na fronteira do Rio Grande do Sul com Uruguai e Argentina. Quando o assunto é rock, pouco importa se o ouvinte se refere ao quarteto de Liverpool como "los bítles" (como um uruguaio ou argentino) ou "os bítols" (como um brasileiro), todos cantam juntos — na plateia ou no palco.
Em cidades como Uruguaiana, vizinha da argentina Paso de Los Libres, ou Santana do Livramento, limítrofe com a uruguaia Rivera, o rock serve como fator de integração entre povos. Apesar de ser um gênero marginal, vivendo à sombra dos regionalismos e dos modismos de mercado, persiste desde a década de 1960 e tem se renovado nos últimos anos com o surgimento de pubs e um novo circuito de festivais. Neste cenário, quem tem se destacado são as bandas "doble chapa", ou seja, que conciliam na formação integrantes dos dois lados da fronteira.
— Desde os anos 1960, os músicos locais tocavam rock em bandas de baile. Depois, com o surgimento do nativismo, a partir dos anos 1970, esse cenário se desmonta, mas volta com tudo a partir dos 1980, com a onda do rock nacional e estouro do rock gaúcho. Hoje, há uma cena de pubs que abrange um público um pouco mais velho, mais ou menos a partir dos 30 anos — avalia o produtor Marcelo Tajes, que está dirigindo um documentário sobre a história do rock de Uruguaiana.
Sócio do pub El Comandante, em Livramento, o empresário Felipe Cantarelli observa um movimento semelhante na sua cidade. A casa foi aberta há dois anos e mescla uma agenda com festas sertanejas e shows de rock.
— O público do sertanejo é mais numeroso e mais jovem. Já o público do rock tem uma faixa de idade um pouco mais alta. É o cara que vai querer ouvir uma banda de qualidade e tomar uma cerveja melhor. Por isso, os festivais promovidos por cervejarias artesanais casam muito bem com o rock. Isso tem dado uma renovada no cenário.

Fronteira seca, com uma divisa marcada por uma linha imaginária, Livramento e Rivera contam juntas com quase uma dezena de bares que abrem espaço para atrações roqueiras. O trânsito de um lado para o outro pode ser facilitado quando uma banda conta com integrantes brasileiros e uruguaios, ajudando a compor um repertório que mescle influências dos dois países. É o caso da Nativos del Rock, que circula desde 1996 pela região.
– Todos temos influências bem diferentes e entramos no mundo da música por caminhos distintos. Por não ser nem brasileiro nem uruguaio, o rock é uma linguagem neutra, que facilita o diálogo e demonstra que a música é uma só, independente de fronteiras. E nós a desfrutamos – diz o tecladista uruguaio Andrés Ibáñez.

Além dos pubs, as lojas de instrumentos musicais sentem igualmente o crescimento da cena roqueira. Valquer Silva da Rosa, que há quatro anos abriu a Casa da Música, afirma que instrumentistas e cantores de diferentes idades e regiões buscam a loja. Em comum, os clientes têm um gênero preferido:
— A maior parte do que vendo aqui é voltada para o rock – afirma Valquer.

Cru ou misturado
Talvez a maior síntese do rock “doble chapa” seja a cantora Carolina Cáceres. Filha de pai uruguaio e mãe brasileira, a jovem tem dupla nacionalidade e cursa Relações Internacionais na Unipampa. Versões cover e músicas autorais acabam ganhando arranjos que fundem ritmos e idiomas em sua banda de apoio, que conta com integrantes dos dois lados da fronteira.
— Podemos nos reunir e buscar uma batida diferente, do folclore, para uma música. Ou posso ouvir um tango e me inspirar para transformar uma interpretação. Tudo se mescla – conta Carolina.
Na fronteira com a Argentina, a mesma integração existe, mas não necessariamente aponta para a fusão de ritmos. A DeLorean, banda que une integrantes de Uruguaiana e de Paso de Los Libres, por exemplo, recende a blues e rock clássico. O baterista Temístocles Almeida, brasileiro que mora em Libres, aponta que o estilo despojado se repete em outras bandas da região:
— Nossa pegada é parecida com a da Argentina. É rock cru, de guitarra, baixo, bateria e pouca mistura.
