A ligação com a natureza. A vida no Rio de Janeiro. Os parceiros musicais. A experiência com Frank Sinatra. As histórias e visões de um dos maiores expoentes da música brasileira e um dos criadores da bossa nova estão em O Ouvidor do Brasil — 99 Vezes Tom Jobim (Companhia das Letras), de Ruy Castro.
O livro de crônicas será autografado pelo autor neste sábado (16), a partir das 19h, na Praça de Autógrafos Gerdau na 70ª Feira do Livro de Porto Alegre. Antes, às 17h30min, Ruy estará acompanhado da esposa, a também escritora Heloisa Seixas, para um bate-papo sobre experiências e insights sobre o mundo da literatura. O evento contará com mediação de Arthur de Faria e será realizado no Auditório Barbosa Lessa do Espaço Força e Luz (Rua dos Andradas, 1.223).
O Ouvidor do Brasil reúne 99 crônicas que foram publicadas, originalmente, entre 2007 e 2023 na Folha de S.Paulo. Todos os textos abordam, de alguma maneira, Tom Jobim — seu lado humano, suas vivências, bastidores da carreira e de grandes discos etc. Em alguns relatos, a presença do músico poderá parecer breve, apenas uma citação, mas que não deixa de se relacionar com a história contada.
Uma crônica pode complementar a outra, pois, em alguns casos, foram escritas em períodos diferentes. Consequentemente, Ruy constrói uma biografia fragmentada de Tom.
Tendo vivido entre 1927 e 1994, Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim foi um dos criadores da bossa nova e se notabilizou por fazer a ponte entre o erudito e o popular. Suas canções até hoje são celebradas por intérpretes de diferentes idiomas e gêneros. Ele assina letra e música de clássicos inestimáveis como Águas de Março, Corcovado e Wave. Com Vinicius de Moraes compôs, por exemplo, Garota de Ipanema, Chega de Saudade e Insensatez.
Falando sobre composição, Ruy comenta no livro que “a maioria das pessoas já nem se lembra de que, no passado, havia uma cadeia benigna entre os compositores e os cantores”. Cita que artistas como Carmen Miranda, Aracy de Almeida, Elza Soares, Nara Leão, Maria Bethânia e Elis Regina, entre outras, usufruíam de compositores como Ary Barroso, Noel Rosa, Dorival Caymmi, Lupicínio Rodrigues, Baden Powell, Zé Kéti, Edu Lobo, Tom Jobim — a lista é extensa.
Sem essa cadeia, conforme destaca o autor em entrevista a Zero Hora, a música perde:
— Hoje, um sujeito ou um grupo faz um troço, grava, vende bilhões e ninguém interpreta essa música, só o autor. Aí ele faz outra e a coisa se repete. Nada fica. Ainda há muita gente fazendo coisa boa, mas em segredo, para pequenas plateias.
Falando dessa relação entre compositor e cantora, uma crônica aborda o disco Elis & Tom (1974) e o documentário Elis e Tom — Só Tinha de Ser com Você (2022), dirigido por Roberto de Oliveira e Jom Tom Azulay. O aclamado álbum conta com 14 faixas de autoria do compositor, com destaque para o dueto histórico em Águas de Março. O disco chegou a entrar na lista de leituras obrigatórias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para o vestibular de 2018.
Ruy comenta que Elis & Tom soa hoje como “se tivesse sido produzido ontem, pela grandeza de seus titulares”. A fórmula do frescor?
— As grandes canções. A grande interpretação. As duas grandes personalidades. E nós, os grandes ouvintes.
Tom do Brasil
A relação de Tom com o Brasil é um dos assuntos que conduzem o livro. Na crônica Abraço na Estátua, Ruy avalia que o músico sofreu com um certo desprestígio entre os anos 1970 e 1980. “Para poder gravar, ele tinha de ir para Nova York, onde nunca lhe faltou mercado. Como as matrizes já vinham sem custo de lá, seus discos acabavam saindo aqui. Mas, pelo fato de tê-los gravado nos Estados Unidos, Tom tinha agora contra si a patrulha, que o taxava de ‘americanizado’”, descreve. Por outro lado, a relação do músico com os EUA era ambígua.
— Era de admiração e desprezo. Não se conformava com que nós, brasileiros, não fôssemos tão severos e diligentes quanto os americanos — diz o autor. — Mas, ao mesmo tempo, adorava a nossa simplicidade e esculhambação.
Ruy reflete que se Tom morreu, foi só fisicamente. "Continua entre nós e, como se não bastasse, deram seu nome ao aeroporto do Galeão, a um parque na Lagoa, um instituto dentro do Jardim Botânico, uma fundação cultural, uma ou duas universidades, vários botequins pelo Brasil e ainda virou estátua em Ipanema", escreve.
— Acho que o Tom não pode se queixar, está muito bem representado em tudo. Só me preocupa que sua obra esteja sendo reduzida a umas 20 canções, quando toda ela é maravilhosa — completa o autor na entrevista.
Aos 76 anos, Ruy Castro é um dos mais notórios biógrafos do país, tendo esmiuçado as vidas de nomes como Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues. É dele também o fundamental Chega de Saudade (1990), que reconstitui a vida boêmia e cultural carioca dos tempos da bossa nova. Membro da Academia Brasileira de Letras, o jornalista e escritor foi testemunha de momentos históricos e esplendorosos da música brasileira e internacional.
— Assisti a centenas e centenas de shows maravilhosos de todo mundo e não poderei ouvi-los de novo, porque eles não foram gravados — lamenta. — É o que a Heloisa chama de "esculturas de gelo".
Ruy Castro e Heloisa Seixas na Feira do Livro
Bate-papo
- Os autores compartilham suas experiências e insights sobre o mundo da literatura com mediação de Arthur de Faria. Sábado (16), às 17h30min, no Auditório Barbosa Lessa do Espaço Força e Luz (Rua dos Andradas, 1.223).
Sessões de autógrafos
- Ruy Castro autografa O Ouvidor do Brasil e Heloisa Seixas, O Livro dos Pequenos Nãos. Sábado, às 19h, na Praça da Autógrafos Gerdau.