Na manhã desta terça-feira (21), ao apresentar uma proposta de flexibilização do modelo de distanciamento social vigente no Rio Grande do Sul, o governador Eduardo Leite fez uma observação que pode exasperar quem não vê a hora de deixar o coronavírus para trás.
— Ainda vamos conviver com o vírus por bastante tempo. Muitas pessoas têm a ilusão de que ele vai passar. Não vai passar, vai continuar circulando. Não há expectativa de vacina no curto prazo — disse o governador.
São palavras incômodas, mas verdadeiras. Um estudo publicado na semana passada por pesquisadores da Universidade Harvard (EUA), por exemplo, estimou que medidas intermitentes de isolamento social podem ser necessárias até 2022, como forma de frear novas ondas epidêmicas.
A questão é que, enquanto uma vacina não for desenvolvida (processo que leva em média 18 meses), fabricada em larga escala, distribuída e aplicada maciçamente, o vírus continuará rodando o mundo e exigindo mudanças de hábitos. A infectologista Lessandra Michelin, diretora da Sociedade Brasileira de Infectologia, observa que as atuais estratégias de distanciamento não têm o poder de erradicar o vírus. O que elas conseguem é reduzir a circulação dele.
— Quando você fica em casa, o vírus não vai te achar neste momento. Mais isso não quer dizer que ele não vai voltar. As medidas de isolamento não são para erradicar o vírus, são para termos tempo de nos organizar para combatê-lo e para proteger as pessoas — explica a especialista.
Lessandra lembra que regiões que já estão às voltas com a epidemia há quatro meses, como em partes do Oriente e da Europa, seguem lutando contra ela e tendo de lidar com novas ondas de infecção. No Brasil, a covid-19 chegou há apenas 40 dias, e ainda há um longo caminho pela frente, especialmente espinhoso por causa do inverno que se avizinha. Na apresentação desta terça-feira, Leite projetou momentos graves para junho e críticos para julho, no que diz respeito ao Rio Grande do sul.
Segundo Odir Dellagostin, professor do Programa de Pós-graduação em Biotecnologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a perspectiva de convivência prolongada com o coronavírus decorre das características do vírus. Quando a taxa de letalidade é alta, como no caso do vírus ebola, os infectados tendem a morrer rapidamente, sem infectar outras pessoas. O surto se extingue por si só.
No caso do coronavírus, a taxa de letalidade é baixa, e os infectados podem permanecer dias sem sintomas, transmitindo a doença para outras vítimas, que também viram agentes contaminadores, e assim por diante. Dellagostin acredita que mesmo depois da chegada de uma vacina, ainda ocorrerão infecções. Ele compara o novo vírus com os que causam resfriados ou gripe, que estão sempre aparecendo.
— Tudo indica que é um vírus que veio para ficar. Algumas vacinas conseguiram erradicar certos vírus, mas a probabilidade é que, no caso do coronavírus, uma vacina consiga controlar, mas não impedi-lo de voltar.
Um fator importante para o retorno à normalidade seria que pelo menos 50% da população mundial houvesse sido infectada, desenvolvendo anticorpos protetores. Nesse caso, gera-se a chamada imunidade de rebanho, quando muitas pessoas adoecem, se tornam imunes e portanto não transmitem mais, derrubando a taxa de novas infecções. Uma dificuldade é que não está claro se a humanidade terá a seu favor, ao menos plenamente, esse importante fator de contenção epidemiológica no caso do coronavírus.
Dellagostin e Lessandra observam que ainda existe incerteza sobre a imunidade de quem já foi infectado. Não há dados claros, mas têm surgido relatos de pessoas reinfectadas em outros países. Suspeita-se que alguns indivíduos não desenvolvam os anticorpos que protegem contra novas contaminações ou que a imunidade conferida por esses anticorpos seja apenas temporária.
— A vida não vai voltar ao normal de uma hora para outra. Enquanto não houver vacina, o vírus estará circulando. Teremos de adotar novos hábitos, novas formas de viver, levar uma vida mais restrita — adverte Lessandra.