
Trocar um apartamento por um motorhome, levar a bordo uma pet, perseguir o sonho de cruzar as Américas e, em meio a tudo isso, enfrentar um perrengue atrás do outro. Assim tem sido a jornada do advogado Vitor Santos Moraes, 29 anos, e da técnica de enfermagem e segurança do trabalho Daiane Couto da Silva, 36. Junto à cachorrinha Gaia, eles saíram de Porto Alegre em 11 de setembro de 2024. Ao longo de um ano, passaram por Uruguai, Argentina, Chile e Paraguai.
— Tudo que pôde deu errado — lembra Vitor hoje, aos risos.
Agora, após retornarem ao Brasil, um objetivo está prestes a ser iniciado: alcançar o Alasca.
Zero Hora foi até Canoas, na Região Metropolitana, conhecer a história dessa família viajante. Essa é mais uma reportagem da série Tem Gaúcho na Estrada (acesse os links abaixo), que traz relatos de gaúchos que decidiram percorrer longas distâncias sobre rodas.
Tem Gaúcho na Estrada
Casal na telinha da RBSTV
A van transformada em motorhome recebeu a visita do Jornal do Almoço em setembro. O espaço reduzido fez o apresentador Marco Matos se atrapalhar e tomar um banho ao vivo no banheiro do casal (veja abaixo).
Embarcar em um sonho
Vitor é natural de Porto Alegre e Daiane, de Palmares do Sul, no litoral norte gaúcho. Eles se conheceram na Capital e, há sete anos, estão juntos. Em 2022, decidiram se mudar para Palhoça (SC). Mas, ainda durante a pandemia, inspirados por vídeos de outros viajantes, virar "motorhomeiros" começou a entrar no horizonte dos dois.
O casal comprou um apartamento em Palhoça. O prazo de 40 dias para a entrega, porém, virou história. Meses se passaram, sem que pudessem morar no novo lar.
— E aí eu me desgostei. Eu disse para ela (Daiane) que eu não queria mais, que eu não ia comprar mais nada e que eu ia comprar uma van e viajar. Eu disse para ela: "Tu quer ir comigo? Se tu não quiser, eu vou pegar um cachorro e vamos viajar" (risos) — conta Vitor.
Daiane topou a aventura:
— Era uma coisa que, no fundo, eu também queria, só que não tinha coragem porque, como eu trabalhava de CLT, tinha aquela questão: "Ai vou deixar meu emprego, como é que vai ser?". E aí eu pensei: vou embarcar nesse sonho junto, vamos ver no que vai dar.
Como nem tudo são flores...

Em agosto de 2023, Vitor e Daiane compraram a van, ano 2010. Ela ganhou um nome: Poderosa, inspirado no filme Diários de Motocicleta.
O que não esperavam era descobrir que o teto do veículo estava em uma condição pior do que a imaginada. A empresa contratada para transformar a van em uma "casa" teve de arrancar a estrutura e refazê-la. Segundo o casal, houve também incidentes envolvendo o responsável pela obra no veículo.
Depois, a enchente no Estado afetou o trabalho de Vitor. Como resultado, a reserva financeira, que seria aplicada no motorhome, foi direcionada para pagar as contas.
Morando até então em um apartamento alugado, os dois tinham prazo para sair do local. A data, porém, não encaixou com o dia em que o motorhome ficaria pronto.
O trajeto na estrada iniciou "com todos os cartões de créditos estourados", como descrevem Vitor e Daiane. Eles saíram de Palhoça e se dirigiram à região de Porto Alegre, onde visitaram familiares e fizeram alguns desapegos de itens que estavam no apartamento.
Em 11 de setembro de 2024, começou o percurso rumo a Ushuaia, na Argentina, passando pelo Uruguai. De lá, se dirigiram ao Chile. No meio do caminho, fizeram amigos paraguaios e adicionaram o Paraguai ao roteiro.
Como é o motorhome?
Na estrada
A Carretera Austral, uma rota que se estende por 1.240 quilômetros no Chile, é escolhida pelo casal como a melhor parte da viagem até o momento. Não só a paisagem, mas os amigos que fizeram no trajeto são destacados por Vitor e Daiane.
Foi ao terminar esse percurso que veio um susto. O motor do veículo estragou e o casal precisou ficar cerca de 40 dias sem viajar. Os dois se hospedaram na casa de um chileno que conheceram durante a passagem por Ushuaia meses antes.
Em um momento anterior da viagem, na Argentina, o motorhome ligou o alerta mais uma vez: o veículo perdeu a potência e passou a rodar a 20 quilômetros por hora.
Mas como gaúcho não se entrega, os perrengues parecem ter dado resistência para que o casal não se perdesse pelo caminho.
— Isso tudo não fez desistirmos do sonho de chegar até o Alasca — reforça Daiane.
— Conversamos e, depois dessa do motor... não desistimos mais — completa Vitor.
Gaia
Quem também precisou se adaptar à estrada foi a cachorrinha Gaia, de um ano e 10 meses. E o processo foi "mais rápido" do que para os humanos que a acompanham, segundo Daiane.
A pet recebeu a reportagem latindo, como uma verdadeira cão de guarda da família, até perceber que tudo estava tranquilo e criar uma amizade.
Gaia foi adotada pelo casal aos três meses, em Santa Catarina.
— Eu dizia que não queria cachorro porque não queria cachorro na minha cama, no meu sofá... ela chegou e conquistou a casa toda. Ela é muito amorosa, é um dengo só. Na viagem, a Gaia não gosta de ficar presa aqui (dentro do motorhome). Para ela, é uma prisão. Ela gosta de estar na rua correndo. Quando nós estamos em algum local, todo mundo conhece a Gaia. Ela anda solta por tudo — destaca Daiane.
Ela explica que, para viajar com pet, são exigidas documentações específicas, vacinação e, por vezes, exames.
Outro estilo de vida

Pelas contas do casal, o motorhome pesa entre três e quatro toneladas. Já foram percorridos 25 mil quilômetros e gastos pelo menos R$ 22 mil com combustível.
O nome dado à empreitada — Vida entre Fronteiras — estampa o veículo por fora e até mesmo camisetas feitas pelo casal. Vitor e Daiane mantém um perfil da viagem no Instagram (@vidaentrefronteiras) e um canal no YouTube (@VidaEntreFronteiras).
A sensação de liberdade e a fuga de uma vida mais "tradicional" motivam os viajantes no dia a dia.
— Para mim, é a qualidade de vida, as pessoas que tu conhece e vai conhecer no caminho, a cultura. Eu tinha muita curiosidade de conhecer a cultura das pessoas, dos países que já visitamos e dos que queremos visitar porque, nos vídeos que assistimos, isso te instiga a investigar, a querer saber mais dos povos, de como é essa rotina de ter que viver com pouco, na estrada — argumenta Daiane.
E Vitor acrescenta:
— Me cansei um pouco da vida tradicional, parece que vai te pressionando a seguir padrão: tu tem que ter a melhor casa, tu tem que ter o melhor trabalho, tu tem que ter o melhor tudo.
Os dois se programam para estar na estrada entre sexta e domingo. Durante a semana, Vitor trabalha em formato home office.
Devido a um implante dentário para Daiane, os "motorhomeiros" estão no Brasil desde agosto de 2025, aproveitando também para matar a saudade da família. A partir deste mês, os planos incluem iniciar uma reforma no veículo em Palhoça.
Em novembro, os viajantes querem estar em Pinhas (PR), na Expo Motorhome, feira de campismo e caravanismo da América Latina, para ouvir as experiências de quem já chegou ao Alasca. No mesmo mês, esse sonho de chegar a outra ponta das Américas deve, enfim, começar a ganhar a estrada.










