Wilson leva dois adultos, uma criança e dois cachorros de um lado para o outro. E não só isso. Ele atravessou as Américas de ponta a ponta com o grupo e só não cansou porque, na verdade, Wilson é o nome dado a um ônibus transformado em motorhome. Quem fez a adaptação e batizou o veículo foram Carla Malmann, 38 anos, e Douglas Beilfus, 37 anos. Sobre as rodas do parceiro de estrada, eles cruzaram o continente junto à filha, a pequena Manuella Malmann Beilfus, seis anos, e aos cachorros Byron, 10, e Obama, nove. A chegada ao destino final, o Alasca, nos Estados Unidos, ocorreu no último dia 13 de julho, depois de quase três anos de viagem.
Ao cumprir a missão, a família diz que os sentimentos traziam uma sensação de conquista, envolvida por emoção e por uma ficha que demorou a cair.
— Foi choro — resume Douglas.
Carla acrescenta:
— Nos últimos 200 quilômetros antes da entrada oficial no Alasca, viemos lembrando de tudo que vivemos nesse tempo todo porque o Alasca parecia muito distante. Ao longo de três anos, sempre falávamos, mas faltava muito ainda para chegar.
A viagem começou em agosto de 2022. O sonho, porém, iniciou pelo menos dois anos antes, quando o casal, que morava em Viamão, na Região Metropolitana, adquiriu o ônibus.
Até o Alasca, foram 78 mil quilômetros rodados. Com combustível, o diesel, a família já gastou R$ 74,3 mil.
Essa é mais uma história da série de reportagens Tem Gaúcho na Estrada. Confira as outras nos links abaixo.
Tem Gaúcho na Estrada
Uma casa sobre rodas

Carla e Douglas, que estão juntos desde 2014, já compartilhavam a paixão por viajar e pensavam em adquirir um veículo próprio para isso. Mas os carros e vans que pesquisavam ficavam acima do orçamento.
Com o nascimento da filha, Carla e Douglas também avaliaram que seria necessário mais espaço para pegar a estrada com a menina e com os dois cachorros. Foi então que, inspirados por outro casal viajante, tiveram a ideia de comprar um ônibus.
O veículo foi encontrado em uma plataforma online de compra e venda. E em maio de 2020, foi adquirido pelo casal de Viamão.
— Ali, nos encantamos pela ideia de ter uma casa relativamente grande e toda a visão, a vista que temos de dentro do ônibus porque as janelas são grandes — explica Douglas.

O passo seguinte foi transformar o ônibus ano 1982, modelo 1983, de linha rodoviária da região de Soledade, em uma casa sobre rodas. De 2020 a 2022, quando Carla e Douglas ficaram mais tempo reclusos devido à pandemia, focaram na construção da nova moradia. Após, o veículo teve que passar por vistoria e regularização do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) para constar como motorhome nos documentos.
O nome do amigo de estrada surgiu também naquele momento, quando Douglas deixou o cabelo e a barba crescerem:
— Um dia, estávamos conversando com um casal de amigos por uma chamada de vídeo e eu falei: "Vocês estão me vendo, olha o que eu pareço". Não tínhamos um nome ainda para o Wilson. Daí ele (o amigo) falou: "Nossa, tu está parecendo o Wilson do filme do Náufrago". Só que, na verdade, o Wilson é a bola. E quando ele falou "Wilson", eu e a Carlinha nos olhamos naquele momento e falamos: "Encontramos o nome do bus".
Veja como é o Wilson por dentro
A filha e os dois cachorros
Douglas trabalha como consultor na área de Tecnologia da Informação e já atuava de forma remota ainda antes da pandemia. Carla é publicitária, fez trabalhos freelancers durante o primeiro ano da viagem e, após, focou na criação de conteúdo. A viagem do casal, aliás, pode ser acompanhada pelo Instagram (@debusporai) e pelo YouTube (De Bus Por Aí).
Os dois adaptaram a rotina e o veículo de modo que pudessem seguir trabalhando, até mesmo para terem condições de fazer o que desejam na estrada. Eles têm internet e um pequeno escritório dentro do veículo. A família também dá preferência por viajar aos fins de semana e por fixar-se em algum ponto durante os dias úteis.
A vida nômade, sem um endereço fixo, exigiu de Carla e Douglas um planejamento em relação à filha. Quando a viagem começou, a ideia era retornar ao Brasil antes de a menina iniciar na escola, mas houve mudanças.
Diante disso, cerca de um ano após o início da viagem, eles contrataram um plano pedagógico de ensino em casa, em que os próprios pais podem ensinar a criança. Já no final de 2024, com Manuella maior, houve necessidade de uma professora. Como explica o casal, desde então, a filha tem aulas online particulares, seguindo o currículo da primeira série. Carla conta também que a viagem fez com que a menina aprendesse a falar espanhol ao natural. E, no ano passado, quando a família estava prestes a chegar aos Estados Unidos, também contratou aulas particulares de inglês para a pequena.
Outra organização necessária foi em relação aos cachorros. Como a família morava em um sítio junto ao pai de Douglas, a primeira opção foi deixar Byron e Obama em casa. E os cachorros ficaram por lá cerca de seis meses.
Carla e Douglas reforçam, porém, que acabavam ficando preocupados com os pets e que, durante o trajeto, conheceram viajantes que levavam os amigos de quatro patas na jornada. A família, então, que estava na região central da Argentina, retornou a Viamão e buscou os dois novos passageiros. Era janeiro de 2023.
Por cerca de 40 dias, Carla, Douglas, Manuella, Byron e Obama ficaram no Brasil, fazendo algumas viagens de adaptação.
— Na segunda saída, eles (os cachorros) já entenderam que era a casinha deles, onde era a caminha deles. E eles viajam muito tranquilos — ressalta Carla.
A viagem
O casal conta que, durante a pandemia, mergulhou de vez no mundo dos viajantes. A dupla se encantou pelas paisagens e culturas nas Américas. Também viu que era possível percorrer o continente dirigindo e que, inclusive, existia uma rota que ligava o Ushuaia, no extremo sul da Argentina, ao Alasca.
Carla e Douglas já tinham percorrido longas distâncias sobre rodas, como quando foram até o Uruguai, porém apenas de carro. Nos preparos antes de partir para o Alasca, eles tiraram a carteira para condução de ônibus e também fizeram uma viagem de teste com um motorhome até Garopaba, em Santa Catarina.
Como toda viagem, cruzar as Américas não deixaria de gerar algum perrengue. Relembrando tudo que viveram até chegar ao Alasca, Carla e Douglas contam que, na passagem da Colômbia ao Panamá, o veículo precisou atravessar de navio, já que não existe uma estrada considerada segura para passagem. A família, neste caso, foi de avião. No México, a sensação de insegurança e os avisos de perigo em certos pontos do trajeto chamaram a atenção do casal.
A família teve a parceria do pai e da madrasta de Douglas durante uma parte do trajeto e da mãe dele em outra.
Ao cumprir a missão de chegar ao Alasca (confira a lista completa de países visitados abaixo), Carla e Douglas avaliam que o país que mais gostaram de conhecer foi a Argentina. Mas a sensação de liberdade e de "se sentir em casa" independente do lugar foi o que marcou a dupla.
— É essa conexão de tu estar na tua casa e, ao mesmo tempo, estar pelo mundo. A sensação de saber que tu pode ir para onde tu quiser com a tua casa — afirma Carla.
Douglas acrescenta que, por terem certa autonomia de água e energia, conseguiram ficar em qualquer lugar que fosse permitido.
— Eu trabalhei no Salar de Uyuni (deserto de sal na Bolívia). Ficamos três dias lá. Eu trabalhei no Deserto do Atacama (no Chile). Não tinha sinal de telefone, mas eu estava lá trabalhando, é incrível essa liberdade — completa.
Para a pequena Manuella, de acordo com os pais, poder conhecer ursos e pinguins esteve entre as partes preferidas. Ainda sobre o que mais gostou, a menina adiciona:
— A parte em que eu fiz amigos.
Por onde a família passou:
- Uruguai
- Argentina
- Chile
- Bolívia
- Peru
- Equador
- Colômbia
- Panamá
- Costa Rica
- Nicarágua
- Honduras
- El Salvador
- Guatemala
- Belize
- Méxio
- Estados Unidos
- Canadá
O retorno
Um novo objetivo foi traçado pela família viajante. Nas próximas semanas, Carla, Douglas, a filha e os dois cachorros devem fazer uma rota nas proximidades do Oceano Ártico.
É no início de setembro que pretendem iniciar o trajeto de retorno ao Brasil. Os planos incluem voltar pela costa do Oceano Pacífico no Canadá, conhecer a região central dos Estados Unidos, chegar ao México e, de lá, enviar Wilson para Argentina ou Uruguai, enquanto a família vem de avião para o Brasil. Depois, a família deve buscar Wilson e retornar ao Brasil na direção.
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