"Se você souber olhar as coisas de um jeito mágico, tudo fica mais bonito."
Inspirados nessa frase de Caio Fernando Abreu (1948-1996), pegamos a estrada na quarta-feira passada rumo a Santiago – a terra dos poetas, na região central do Estado. Saindo de Porto Alegre, são 456 quilômetros percorridos em cerca de seis horas pelas BRs 386 e 287. No carro, entramos no clima ouvindo o grande compositor Túlio Piva (1915-1993), um dos filhos da cidade.
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Um pórtico formado por dois tinteiros nos dá as boas-vindas. Passar por eles é como se dispor a entrar no mundo da literatura. O município de 50 mil habitantes tem cem escritores catalogados. Todos nasceram lá: poetas, compositores, ilustradores... Alguns bem conhecidos, como Caio Fernando Abreu, Aureliano de Figueiredo Pinto e o próprio Túlio Piva.
Para saber mais, fizemos o tour literário, que pode ser agendado com a Secretaria de Cultura do município e custa R$ 20 por pessoa (55 3251-2362 ou casadopoeta.sgto@gmail.com). Começamos na Estação do Conhecimento, prédio construído em 1936 que abrigava uma estação férrea. Revitalizado, hoje é um espaço que mostra a história das ferrovias e dos principais poetas da cidade.
O passeio é feito a pé e guiado por escritores locais. A primeira parada é na Casa do Conto, onde nos esperava a Chapeuzinho Vermelho. O espaço de literatura infantil recebe, claro, especialmente crianças.
– É um incentivo à leitura. Elas adoram esses livros – conta a funcionária pública Thais Marques.
Antes de seguir viagem, a escritora Fátima Friedriczewski presenteou os participantes com poemas.
"Pretendo ver se consigo ressuscitar esse mito, mas ouço somente um grito, vindo de um fundo jazigo" , declamou.
A próxima parada foi na Rua dos Poetas, onde encontramos monumentos que homenageiam escritores já mortos. Entre eles, Aureliano de Figueiredo Pinto. Ali, pessoas da comunidade se apresentam para os visitantes e declamam versos do poeta. Um deles:
"Vou convencido e com seguro faço que no mais singular dos monopólios levo a jovem manhã pelo meu braço".
Outro ponto do passeio é a árvore que dá frutos, na qual o visitante é convidado a colher poesias. O poema que saiu para mim dizia:
"Sementes da vida no rosto trago um sorriso para tentar esconder a dor que trago no peito por meu amargo sofrer".
Depois, visitamos o monumento a Caio Fernando Abreu, talvez o mais famoso dos escritores santiaguenses. Enquanto a guia nos explicava quem foi o poeta, fomos surpreendidos pelo jovem ator Dilnei Chagas, que declamou:
"Desse que existe em você, em mim, em todos esses outros com suas malas, suas bolsas, suas maçãs, não, não sei porque todo mundo compra maçãs antes de viajar, nunca tinha pensado nisso".
Em lembrança a Túlio Piva, fomos surpreendidos por músicos em uma esquina tocando canções do compositor.
Na parada seguinte, chegamos à praça central, onde a Calçada da Fama homenageia artistas do município que ainda estão vivos. A poucos passos dali, músicos nos esperavam com canções de personagens da música gaúcha que nasceram em Santiago, como Nenito Sarturi e Julio Saldanha.
Na reta final da nossa caminhada, uma parada para conhecer o artesanato local na Casa da Arte. São diversas peças que trazem na essência os poemas. Depois, o último ponto do tour: o Museu Contemporâneo. Ele é todo interativo: a ideia é brincar com nossos sentidos. Em uma sala, por exemplo, há um quadro em que o visitante pode tocar. Ele é todo preto, com linhas, fios e barbantes macios, que remetem a lã de ovelha, em referência à obra Ovelhas Negras (1974), de Caio Fernando Abreu.
O olfato também é representado pelo aroma bem forte de morango, por causa do livro Morangos Mofados (1982), também do escritor. Em outra parede, a ideia é reproduzir a capa do livro Pequenas Epifanias (1986): a gente coloca um copo na parede e consegue ouvir músicas de que Caio gostava e que ajudou a compor.
Natureza e busca ao passado
Além do tour literário, Santiago tem outras opções de roteiros. A 20 quilômetros do centro da cidade, seguindo pela BR-287, chega-se ao distrito de Ernesto Alves, onde deparamos com a Ponte do Rio Rosário, construída em 1906 com ferro. Atravessando a estrutura, há muita aventura, religiosidade e cultura italiana.
A história do lugar está preservada no Memorial do Imigrante, que fica em um prédio construído em 1907. A entrada é franca. Depois, pode-se dar uma voltinha e se encantar com a calmaria do lugar.
É uma visita que vale a pena principalmente pelo contato com a natureza. A gente escuta o canto dos pássaros e encontra vacas e cavalos pelo caminho. Como Caio Fernando Abreu dizia, o distrito de Ernesto Alves é um paraíso ecológico preservado. Sem falar nas construções centenárias – a igreja da comunidade, por exemplo, é de 1911. O local ainda tem opções para camping, trilhas e um mirante.
Voltando para a BR-287, seguimos mais 500 metros até a Gruta de Nossa Senhora de Fátima, espaço que transmite muita paz. Ao lado da imagem da santa, há placas de agradecimento por graças alcançadas.
No fim do dia, se despedindo de mais um passeio, buscamos novamente Caio Fernando Abreu:
"Tente. Sei lá, tem sempre um pôr do sol esperando para ser visto, uma árvore, um pássaro, um rio, uma nuvem. Pelo menos sorria, procure sentir amor. Imagine. Invente. Sonhe. Voe".
#PartiuRS é uma série multimídia que mostra as belezas do Estado. Além do ZH Viagem, a série pode ser acompanhada aos sábados, no Jornal do Almoço, da RBS TV, no Supersábado, da Rádio Gaúcha, e em um site especial no G1. A coordenação é de Mariana Pessin (mariana.pessin@rbstv.com.br)